MG – O longo processo de reconhecimento do povo indígena Aranã. Áreas de recargas de aquíferos são ameaçadas por associação de fazendeiros a projetos de reflorestamento de eucalipto no vale do Jequitinhonha
UF: MG
Município Atingido: Virgem da Lapa (MG)
Outros Municípios: Araçuaí (MG), Coronel Murta (MG), Virgem da Lapa (MG)
População: Agricultores familiares, Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
Os povos indígenas Aranã Índio, Aranã Caboclo, Pankararu e Pataxó, assim como pequenos agricultores dos municípios de Araçuaí, Coronel Murta e Virgem da Lapa, estão ameaçados pelos impactos da chegada da monocultura de eucalipto na região.
Em julho de 2007, as famílias indígenas Aranã Caboclo denunciaram o desmatamento de mais de 2.000 hectares da chapada localizada entre os municípios de Virgem da Lapa, Coronel Murta e Araçuaí para o plantio de eucalipto. A área teria sido comprada por Carlau, dono do Posto Cristal de Araçuaí, e Geraldo, da Madeireira Santana de Araçuaí.
As comunidades temem a alteração na quantidade e qualidade das águas da região. O desmatamento da Chapada do Alagadiço atinge nascentes de cursos d’água usados para abastecimento humano da Aldeia Apaukaré, dos Pankararu, as famílias Aranã Índio e Caboclo assim como a fazenda Taquaral.
A denúncia foi enviada ao Ministério Público Federal (MPF), à presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) e à Administração Regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em Governador Valadares-MG. No documento, os Aranã solicitaram a adoção das seguintes medidas para proteção da população local: que o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não concedessem licenças para desmatamento na área, porque a degradação colocaria em risco comunidades rurais, pequenas propriedades e grupos indígenas, que os bancos oficiais fossem impedidos de financiarem a monocultura de eucalipto nas áreas do Lagoão (Araçuaí) e no Alagadiço (Coronel Murta) por serem áreas de recarga de água, e que se promovesse a desapropriação da área da sede da fazenda Alagadiço e dos 800 hectares de chapada para as famílias Aranã Caboclo (mais de 200 pessoas).
Contexto Ampliado
Os Aranã pertencem à família Macro Jê, a mesma dos Krenak, e segundo registros históricos originalmente ocupavam um extenso território no Vale dos rios Mucuri e Jequitinhonha. Um estudo realizado pela indigenista Geralda Soares, citado por Tim Filho em matéria para o jornal O Estado de Minas Gerais (31/01/2000), aponta que os Aranã permaneceram na posse de grande parte de seu território tradicional até meados do século XIX, quando o Vale do Mucuri passa a receber imigrantes alemães com incentivos do Estado brasileiro. Na época, eles contavam com uma população numerosa subdividida em vários grupos menores identificados a partir de sua ligação com importantes ancestrais (MATTOS, 2005).
Pressionados pela violência da política indigenista oficial da época, restou aos Aranã o abrigo da tutela eclesiástica da Ordem dos Capuchinho, que criou o Aldeamento Nossa Senhora dos Anjos em Itambacuri, fundado em 1873, a fim de catequizá-los e integrá-los à sociedade nacional.
Em 1893, cerca de 20 anos após o início do aldeamento, um longo período de seca se abateu sobre a região, levando a migração de parte da população mineira e nordestina para as áreas menos afetadas e pressionando o aldeamento. Com a diminuição dos recursos naturais, o súbito aumento da população e a degradação das condições de vida, uma epidemia atingiu a população local, levando muitos índios a óbito, o que revoltou a população indígena. De acordo com Mattos (2005), os índios do aldeamento eclodiram uma revolta popular que resultou na execução dos frades capuchinhos que administravam o local. A revolta durou três meses, sendo debelada pelo governo provincial com o uso de tropas.
Soares (2000) aponta que há registros da morte de pelo menos dois mil índios em sucessivos ataques ao aldeamento. Como resultado, a população indígena se dispersou e muitas crianças foram levadas para fazendas da região, onde serviram como trabalhadores rurais. Todo este longo processo acabou por desorganizar a população Aranã remanescente, expropriá-la de seu território tradicional e privá-la de importantes elementos de sua cultura, como a língua.
Segundo estudos outros realizados a partir de 2003, as famílias Aranã atuais reivindicam as terras do Alagadiço e da fazenda Tocoiós que, segundo afirmam, eram terras de um outro aldeamento indígena, o de Lorena dos Tocoiós. Todas as famílias remanescentes afirmam descender de um ancestral comum: Manoel Caboclo, um remanescente dos Aranã trazido ainda criança para trabalhar nas fazendas do Coronel Inácio Carlos Moreira Murta. Desde então, eles sempre teriam vivido numa região que compreende terras em Alagadiço, Vereda e em Coronel Murta, onde Manoel Caboclo se casou com outra menina indígena arrebanhada durante a diáspora Aranã. Dos três filhos de Manoel Caboclo, Pedro Sagê é considerado ancestral direto das famílias que atualmente se autodenominam Aranã.
Caldeira (2003), a partir da história oral da etnia, aponta que Pedro Sagê é hoje reconhecido como um herói cultural Aranã que teria vivido na Fazenda Alagadiço desde seu nascimento em 1883 até sua morte em 1960. Seu relacionamento com a família Murta teria garantido a Pedro acesso à educação formal, possuindo importante papel religioso na região e foi reconhecido por suas habilidades culinárias e pelo trabalho com artesanato em couro, motivo pelo qual era constantemente requisitado pelos fazendeiros da região, o que o levou a uma vida nômade, diferente da rotina da maior parte dos trabalhadores rurais da época. Ele teve 13 filhos, com duas mulheres diferentes, os quais perpetuariam o sobrenome Índio. Além da família Índio, hoje os Aranã também se subdividem na família Caboclo.
Afirma Caldeira: A família Caboclo remete seu passado indígena à região de Coronel Murta. Segundo o octogenário Senhor Hildebrando Freire Figueiredo Murta, quando a cidade foi fundada por sua família, era de conhecimento de todos a presença indígena na região. Os índios eram identificados pelas denominações genéricas de Tapuia e/ou Tocoiós, sendo esta última designação relativa ao aldeamento existente na região no século XVIII. (…) De acordo com Dona Luzia Cabocla, principal guardiã da memória oral do grupo familiar, a história de sua família remonta ao processo de miscigenação entre índios, negros e brancos trabalhadores da região de Coronel Murta. As fazendas Vereda, Cristal e Alagadiço, próximas ao aldeamento de Lorena de Tocoiós, configuram-se como principais locais de referência da presença dos Caboclo.
Para Mattos (2005), a primeira referência oficial aos Aranã data de 1832 em documento referente à fundação da cidade de Capelinha/MG. Ela também localiza a existência de um populoso aldeamento dos Aranã na região então conhecida como Surubi no atual município de Itambacuri, onde está depositado um dos registros mais antigos da família Índio, sobrenome comum a todos os Aranã atuais. Trata-se de um documento escolar de uma criança filha de um certo Manoel Miguel Índio, identificado no documento como pertencente à etnia Aranã.
Este documento é apropriado pelas famílias Aranã como uma prova de uma possível ligação entre a família Índio hoje presente em Coronel Murta e Araçuaí e os Aranã do passado. É também um dos motivos pelo qual as famílias descendentes de Pedro Sagê reivindicam hoje o etnômio Aranã.
Baseando-se na historiografia oficial, os estudos históricos também apontam que boa parte das terras Aranã foram dominadas pela família Figueiredo Murta que, com o tempo, acabou com o Aldeamento e ficou com as terras. No entanto em 1944, D. Mariquinha Murta doou a Fazenda Alagadiço para a Diocese de Araçuaí. Segundo contam, também doou a Fazenda Tocoiós para outros. Em 1982, a Diocese dividiu uma parte da fazenda e entregou algumas áreas para algumas famílias, inclusive para os Aranã. Em 1994 vieram os Pankararu. Também ganharam 60 hectares da Diocese, que depois foram aumentados pela compra de mais oito hectares pela Igreja Metodista. Em 2005, chegaram famílias Pankararu e Pataxó e começaram a Aldeia Cinta Vermelha Jundiba.
Os Pankararu são originários de Pernambuco e se espalharam por diversos estados ao longo do século XX, devido à construção da hidrelétrica de Itaparica no Rio São Francisco, à seca, aos conflitos oriundos da luta pela terra e a inúmeras outras agressões. Na região de Coronel Murta e Araçuaí, convivem com os Aranã e os Pataxó, e sua chegada foi um importante elemento do refortalecimento da identidade étnica e de reavivamento do ímpeto de lutar pelo resgate do território tradicional dos Aranã.
Diante do crescimento das ameaças a seu antigo território tradicional, os Aranã vêm pressionando a Funai e a Funasa, desde 2000, para que sejam reconhecidos e incluídos nas políticas indigenistas do Estado brasileiro. Segundo Caldeira (2014), as fazendas Campo, Alagadiço, Lorena, Cristal e Vereda são as principais localidades rurais ocupadas pelos Aranã; contudo, famílias Aranã também podem ser encontradas em Belo Horizonte e São Paulo.
Em janeiro de 2000, os Aranã enviaram para a Diretoria de Assuntos Fundiários da Funai um documento comunicando sua situação e solicitando uma solução para a questão da terra, mas não obtiveram resposta formal. Em outubro do mesmo ano, o envio de carta conjunta com o povo Caxixó, solicitava à Fundação Nacional de Saúde a inclusão do grupo no Programa de Atenção à Saúde do Índio, participação nos encontros de saúde promovidos pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), participação nos cursos de formação para agentes indígenas de saúde, valorização de sua medicina tradicional e cumprimento das diretrizes nacionais para o atendimento à saúde indígena.
Em outubro de 2000, os Aranã encaminharam documento à Procuradoria da República em Minas Gerais, solicitando parecer da instituição sobre sua identidade étnica. Em janeiro de 2001, o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes) iniciou os trabalhos de apoio aos Aranã e, no decorrer dos meses seguintes, foi acordada uma parceria com a Procuradoria da República a fim de produzirum relatório que subsidiasse o poder público de informações sobre a história e a identidade étnica do povo Aranã.
Em março de 2001, os Aranã criaram o Conselho Indígena Aranã Pedro Sangê (Ciaps), com o objetivo de fortalecer sua luta por autonomia política e pelo reconhecimento de seus direitos sociais e territoriais. Em julho seguinte, um documento foi encaminhado à Administração Executiva Regional da Funai, em Governador Valadares, solicitando a inserção dos Aranã nos programas governamentais destinados aos povos indígenas. Ainda sem resposta da Funai e Funasa, em outubro de 2001, os Aranã solicitaram reunião com a Procuradoria da República. O procurador Álvaro Ricardo de Souza Cruz, emitiu a recomendação nº 08/2001 ao coordenador regional da Funasa, para que o Povo Aranã fosse incluído no conjunto de população alvo da política de atenção à saúde indígena no Estado de Minas Gerais. Os Aranã passaram a ser atendidos pelo Programa de Saúde do Índio em Minas Gerais, a partir de 2002.
O estudo sobre a etnia e a realidade dos Aranã foi viabilizado por parceria entre a Procuradoria da República, o Cedefes e a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) e obteve financiamento do governo austríaco através da Steiermärkische Landes Regierung e de uma fundação católica daquele país, a Katholische Männerbewegung Österreichs (KMB, nome em alemão para Movimento dos Homens Católicos da Áustria). O trabalho foi coordenado pela antropóloga Vanessa Caldeira e contou, além dela com a participação dos antropólogos José Augusto Sampaio e Izabel Mattos, do historiador César Moreno e da arqueóloga Alenice Baeta. O relatório Aranã: a luta de um povo no Vale do Jequitinhonha foi concluído em março de 2003, ficando configurado que embora a relação dos Aranã com a sociedade da região seja considerada amistosa, questionamentos, dúvidas e discriminação de moradores têm marcado a recepção aos envolvidos na luta pela terra no vale do Jequitinhonha, o que também se reflete no reconhecimento étnico oficial dos Aranã. Para Rosa Aranã, tal reação negativa de moradores da região estaria relacionada à preocupação de fazendeiros com a situação fundiária.
Em junho de 2003, numa audiência pública realizada no Ministério Público Federal, os Aranã foram oficialmente reconhecidos pelo governo brasileiro por sua identidade étnica. Segundo Mattos (2005), isto só foi possível graças à ratificação brasileira à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em julho de 2002. Com a ratificação dos termos da convenção, a auto-identificação dos Aranã enquanto povo indígena passou a ser suficiente legalmente, dispensando-os da elaboração de um laudo antropológico, processo moroso e burocrático exigido pela Funai até então.
Em setembro de 2005, a portaria nº 1.028, da Funai, instaurou o processo administrativo de identificação da Terra Indígena Aranã, localizando na região do município de Araçuaí, uma área total de 223.570 hectares, para os estudos a serem realizados.
Toda essa mobilização em prol do reconhecimento identitário pelo Estado brasileiro – pelo acesso aos seus direitos sociais e territoriais – é importante para os Aranã num contexto no qual diversas comunidades rurais do Norte de Minas cada vez mais sofrem a violência, a desestruturação dos sistemas produtivos e a desagregação social e cultural causadas por empresas que praticam a monocultura do eucalipto. A piora na qualidade de vida dessas famílias está associada a fatores como a expulsão de suas terras, com perda de bens e posses rurais e das condições para a produção agrícola, perda de acesso à água e a áreas comuns usadas para o extrativismo, migração para zonas urbanas e desemprego, entre outros aspectos.
Os conflitos remontam às décadas de 1970 e 1980 e permanecem não resolvidos até hoje. Naquela época, instalaram-se na região norte do Estado aproximadamente 20 empresas de reflorestamento, beneficiárias de incentivos fiscais para produzir combustível destinado a abastecer as siderurgias mineiras em expansão. Grande parte dessas terras é de natureza pública, terrenos então considerados devolutos arrendados pelo governo do Estado por períodos de 20 a 30 anos, mas que na maioria das vezes faziam parte do território (informal) dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais da região. Os posseiros que as ocupavam foram paulatinamente expulsos, em muitos casos sob pressão, uso ou iminência do emprego da violência, por seguranças contratados, policiais, alguns dos quais fazendo bicos para as empresas.
As populações tradicionais sofrem manifestações discriminatórias de vários tipos, especialmente racistas. Além disso, são grupos que enfrentam obstáculos à participação política na vida democrática e dificuldades de acesso à justiça e a tomadores de decisão na administração pública.
Na última década, os conflitos envolvendo as empresas plantadoras de árvores com as comunidades do Norte de Minas emergiram, em vista do encerramento dos contratos de arrendamento das terras devolutas pelas empresas ao Estado. Além disso, assistiu-se a à organização dos trabalhadores rurais e respectivos sindicatos, na luta pela realização de direitos. A situação atual desses conflitos pode ser observada em várias comunidades da região norte de Minas Gerais, conforme relatado em vários casos presentes neste Mapa de Conflitos.
Entre 2003 e 2004, as comunidades de toda a região começaram a discutir a reversão do uso da terra para os trabalhadores e pequenos produtores rurais. A proposta de devolução dessas propriedades ao Estado e a conversão das mesmas para fins de reforma agrária, deveria ser orientada por princípios agroecológicos, ressalta Anna Fanzeres (2005), em relatório para o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Segundo o mesmo relatório, o Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais (Iter) estaria, contudo, buscando acordos com os trabalhadores no sentido de ceder apenas pequenas parcelas de terra para fins de reforma agrária naquelas áreas onde as comunidades de produtores e trabalhadores rurais se organizou para ocupar a terra e denunciar a questão para a sociedade e, por outro lado, buscando renovar os contratos das grandes áreas arrendadas às empresas de reflorestamento, há mais de 30 anos. Nesse contexto, a luta territorial dos Aranã, demais povos indígenas e comunidades tradicionais da região se tornou tanto mais explícita quanto urgente. A resposta da Funai, entretanto, tem sido lenta.
Em junho de 2011, o Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) anunciou que, em função da morosidade do órgão indigenista federal em cumprir com suas obrigações em relação à demarcação de terras dos índios Aranã, Mucuriñ e Pataxó Hã Hã Hãe no estado, estaria movendo três ações civis públicas (ACP) para obrigar a União a encerrar os respectivos processos e demarcar as áreas. Segundo nota do MPF/MG, àquela altura sequer os estudos de identificação da TI Aranã haviam sido concluídos.
No caso dos Mucuriñ, que vivem em Campanário/MG, nem mesmo o reconhecimento deles como povo indígena havia sido oficializado pela Funai, apesar de haver requerimento com este objetivo desde 2005, o que os sujeitava à usurpação de terras e ameaças de morte. Já os Pataxó Hã Hã Hãe de Bertópolis foram trazidos a Minas Gerais pela própria Funai na década de 1970, após conflitos contra fazendeiros na TI Caramuru/Paraguaçu (também relatado neste Mapa) e desde então foram abandonados à própria sorte pela Fundação, nas palavras do procurador Edílson Vitorelli.
A resposta do judiciário só viria em novembro de 2012. De acordo com nota do MPF/MG publicada na ocasião, a Justiça Federal em Teófilo Otoni (MG) concedeu liminar relativa aos pedidos presentes nas ACPs movidas em defesa dos povos Aranã e Mucuriñ obrigando a Funai a constituir, em até 180 dias, grupo técnico para a realização dos trabalhos de identificação e delimitação das TIs Aranã e Rio Pardo (dos Mucuriñ).
O MPF salientou também que o juiz, além disso, determinou que a União forneesse os recursos financeiros necessários para custear todas as despesas decorrentes do processo de demarcação e/ou regularização das áreas de ocupação indígena, inclusive com a contratação de mão de obra terceirizada no caso de indisponibilidade de servidores. Apesar da vitória judicial, até hoje, maio de 2015, os estudos de identificação não foram concluídos e o processo administrativo de demarcação permanece paralisado.
Diante da manutenção da precariedade das condições de vida dos Aranã, um estudo realizado por Laís Cardoso no âmbito do Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (PPSMARH/UFMG) identificou que o abandono da população indígena pelo Estado brasileiro e a ineficiência das políticas públicas, principalmente de saneamento e saúde pública, os tem exposto a uma baixa cobertura de saneamento (somente 56% dos domicílios têm seu lixo coletado pela Prefeitura local, 70% das casas não possuem conexão com a rede municipal de esgoto e pelo menos 40% dos domicílios não têm acesso a água encanada), o que propicia a contaminação da água por bactérias e a contaminação da população por parasitas intestinais.
Como consequência, no estudo de Cardoso, em quase 60% das amostras de água coletadas foram identificadas coliformes totais e em pelo menos 25% das amostras o resultado foi positivo para a presença de Escherichia coli, um tipo de bactéria que pode causar gastroenterite e infecção urinária, pielonefrite, apendicite, peritonite, meningite e septicemia. Os resultados foram significativamente maiores entre as amostras coletadas nos domicílios que não recebiam água encanada, o que demonstrou que a falta de saneamento aumentava a exposição da população a este risco à saúde.
Cardoso também encontrou parasitas intestinais em pelo menos 30% das amostras de fezes coletadas entre a população Aranã, sendo a Giardia lamblia o parasita mais frequente (presente em 11,8% das amostras). A giardíase pode causar diarreia e dores abdominais e sua transmissão se dá pelo contato com fezes de pessoas contaminadas.
Cronologia:
1847: Início da colonização do Vale do Mucuri pela Companhia do Mucuri.
1873: Fundada a missão capuchinha de Nossa Senhora dos Anjos do Itambacuri, onde passam a se aldear muitos grupos Aranã.
1883: Pedro Sagê nasce na Fazenda Alagadiço.
1911: Aldeamento em Itambacuri é extinto.
Início do século XX: Família Figueiredo Murta se apropria das terras que anteriormente compunham o Aldeamento Indígena de Lorena dos Tocoiós, parte do território tradicional dos Aranã descendentes de Manoel Caboclo.
1944: D. Mariquinha Murta doa a Fazenda Alagadiço, originalmente parte do território Aranã, para a Diocese de Araçuaí.
1960: Morre Pedro Sagê.
1982: Diocese de Araçuaí doa parte das terras da Fazenda Alagadiço a diversas famílias, entre elas algumas remanescentes dos Aranã.
1994: Diocese de Araçuaí doa parte das terras da Fazenda Alagadiço a famílias indígenas Pankararu.
Janeiro de 2000: Povo Aranã pleiteia reconhecimento de sua ancestralidade indígena e a demarcação de seu território tradicional junto à Funai.
Outubro de 2000: Povos Aranã e Caxixó encaminham documento conjunto à Funasa solicitando sua inclusão no Programa de Atenção à Saúde Indígena.
– Povo Aranã encaminham documento à Procuradoria da República em Minas Gerais, solicitando apoio às suas demandas.
Janeiro de 2001: Cedefes inicia atividades de apoio ao povo Aranã.
Março de 2001: Os Aranã criam o Conselho Indígena Aranã Pedro Sangê (Ciaps).
Julho de 2001: Povo Aranã solicita à Funai sua inclusão em programas governamentais destinados aos povos indígenas.
Outubro de 2001: Os Aranã solicitam reunião com a Procuradoria da República em Minas Gerais para discutir ausência de respostas da Funai a suas demandas.
– Procurador Álvaro Ricardo de Souza Cruz emite a recomendação nº 08/2001 ao coordenador regional da Funasa para que o Povo Aranã seja incluído no conjunto de população alvo da Política de Atenção à Saúde Indígena no estado de Minas Gerais.
2002: Funasa passa a atender aos Aranã.
24 de março de 2003: Publicado estudo realizado por antropólogos e historiadores a partir de convênio firmado entre a Procuradoria da República, o Cedefes e a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí), que resgata a história e a ancestralidade indígena dos Aranã.
Junho de 2003: Ministério Público Federal (MPF) realiza audiência pública para reconhecimento oficial dos Aranã pelo Estado como povo indígena brasileiro.
2005: Famílias indígenas Pankararu e Pataxó se instalam em áreas do antigo território Aranã.
Setembro de 2005: Funai publica portaria n° 1.028 instaurando processo administrativo visando a identificação e a demarcação do território Aranã. Estudos preliminares estimam a área da futura TI Aranã em 223 mil hectares localizados no município de Araçuaí.
Junho de 2001: MPF/MG move ações civis públicas contra a União e a Funai a fim de pressionar pela demarcação dos territórios dos índios Aranã, Mucuriñ e Pataxó Hã Hã Hãe em Minas Gerais.
Novembro de 2012: Justiça Federal em Teófilo Otoni concede liminar favorável aos povos indígenas Aranã e Mucuriñ.
2013: Publicado estudo que identificou baixa cobertura de saneamento básico e alta exposição dos Aranã a bactérias e parasitas intestinais.
Última atualização em: 25 de maio de 2015.
Fontes
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