MG – Estado protela arquivamento do pedido de licenciamento da Usina Hidrelétrica de Murta, no vale do Jequitinhonha

UF: MG

Município Atingido: Virgem da Lapa (MG)

Outros Municípios: Berilo (MG), Coronel Murta (MG), Grão Mogol (MG), Josenópolis (MG), Virgem da Lapa (MG)

População: Agricultores familiares, Garimpeiros, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Barragens e hidrelétricas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição de recurso hídrico

Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida

Síntese

Cerca de 900 famílias correm o risco de serem compulsoriamente deslocadas de suas terras pela implementação do projeto da Usina Hidrelétrica de Murta, no rio Jequitinhonha, Minas Gerais. São cerca de 22 comunidades atingidas, distribuídas em cinco municípios: Coronel Murta, Virgem da Lapa, Josenópolis, Grão Mogol e Berilo. A população atingida é composta por comunidades rurais ribeirinhas que apresentam um modo peculiar de produção econômica e reprodução social e cultural baseadas na agricultura familiar, sobretudo culturas de vazante, e no garimpo artesanal, atividades que serão suprimidas ou comprometidas com a construção da hidrelétrica. A região carece de terras disponíveis para o reassentamento da população atingida, como já ocorrido no processo de implementação da barragem de Irapé, vizinha a Murta.

Deve-se considerar também a indução do fluxo de trabalhadores e migrantes para a região, com o consequente aumento da demanda habitacional e por serviços de saúde, já precários nas áreas urbanas. O Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG (Gesta) destaca a relevância do aumento das endemias locais, ?com a disseminação de patologias geradas ou facilitadas pelo empreendimento, entre as doenças destacamos: Peste Bubônica, Doença de Chagas e Leishmaniose. A formação de remansos favorece a proliferação dos vetores da esquistossomose, malária, dengue e febre amarela, doenças já endêmicas na região.?

Segundo a Comissão de Atingidos, os empreendedores calculam em apenas 347 famílias a população atingida pela obra.

Em denúncia pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em agosto de 2004, o senhor Edney José de Oliveira Pego, morador do vale do Jequitinhonha e membro da Comissão dos Atingidos pela UHE Murta, apresentou o seguinte depoimento, registrando os transtornos sofridos pela população já na fase do licenciamento da hidrelétrica:

?Abordarei o projeto Murta, que, embora em fase de licenciamento, está causando muitos problemas. Estamos muito indignados, porque a empresa fez estudos de péssima qualidade, não registrando sequer 50% da população que está ameaçada por esse projeto. Em função desses estudos superficiais e de má qualidade, a equipe técnica da Feam [Fundação Estadual de Meio Ambiente] não conseguiu elaborar seu parecer. Optou pelo indeferimento e arquivamento do processo. Apesar de estar pronto há cerca de seis meses, o parecer ainda não foi julgado. No dia 26 de março estava em pauta para julgamento, mas, 15 minutos antes da audiência, foi retirado sem qualquer explicação. Viemos do vale do Jequitinhonha para essa audiência. Somente às 12 horas informaram-nos que havia sido retirado de pauta. Solicitamos, por meio do Ministério Público, explicações sobre isso. Até hoje não obtivemos respostas, e nova data não foi agendada. Esperamos que o Secretário de Meio Ambiente nos explique o que está ocorrendo.

Estamos sendo muito pressionados pela Polícia Militar. Em Coronel Murta fui parado várias vezes por policiais, que desejavam saber o que eu fazia ali. Na época em que fomos a Brasília fazer um curso sobre agroecologia ? cerca de 30 pessoas ?, o Sargento me ligou, perguntando o que eu iria fazer em Brasília. Disse-lhe que iríamos fazer um curso, prontificando-me a fornecer maiores explicações na própria delegacia. Quando cheguei, a primeira pergunta foi a mesma, ou seja, para onde estávamos indo. Respondi-lhe que iríamos a Brasília. Perguntou-me se não tínhamos mais o que fazer. Respondi-lhe: temos o que fazer hoje. Se o projeto da barragem for aprovado, o senhor terá o que nos dar para fazer? Irá empregar-nos? (…) Discutimos cerca de 15 minutos. Tentou pressionar-me durante todo o tempo. (…) A situação é complicada, porque estamos sendo pressionados mesmo antes do licenciamento. (…)?
(Cf. Plataforma DhESCA Brasil, 2006)

Contexto Ampliado

O projeto da Usina Hidrelétrica de Murta, no rio Jequitinhonha, visa a produção de 120 MW de energia, equivalente ao consumo de energia elétrica de uma cidade de aproximadamente 300 mil habitantes. O custo do empreendimento é estimado em R$ 300 milhões. O reservatório da barragem deve inundar 20,6 km2 de terras, sendo uma parcela significativa composta por tabuleiros e áreas de cultivo.

A área de entorno do empreendimento se caracteriza pela transição de Cerrado e Caatinga, enquanto a área diretamente afetada é composta por fragmentos de mata ciliar que serão suprimidos. Na região de Porto Mandacaru, também afetada, observa-se a predominância de vegetação nativa: capoeira, capoeirinhas e florestas bem preservadas. Em relação à fauna, foram encontradas na área espécies ameaçadas de extinção, entre elas: o Tamanduá Bandeira, Lontra, Lobo-Guará, Perdiz, Siriema, Zabelê, Mocó, Sagüi, Veado catingueiro, Capivara e Onça Suaçuarana. (Gesta/UFMG)

O processo de licenciamento da UHE Murta teve início em outubro de 1998. As comunidades locais se organizaram e solicitaram a realização de audiência pública em janeiro de 1999. Em março, as comunidades receberam o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e, em agosto, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) solicitou ao empreendedor a elaboração de novos estudos sob a forma de informações complementares ao EIA-Rima [Estudos e Relatório de Impacto Ambiental]. Em fevereiro de 2001, o antigo consórcio denominado CMPB-Enegético, formado pelas empresas Logos Participações, Eptisa e Empresa Industrial Técnica S.A (EIT), foi destituído, formando-se novo consórcio sob o nome de Murta Energética S.A.

Nesse período, os empreendedores realizaram as primeiras campanhas de negociação, reconhecendo como interlocutoras legítimas somente as comissões municipais formadas pelos prefeitos, ignorando, assim, as comissões autonomamente organizadas pelos atingidos.

Em dezembro de 2001, os empreendedores apresentaram os estudos complementares a Feam. Em outubro de 2002, realizou-se audiência pública, após diversas reivindicações dos atingidos para adiamento da data, para que estivessem devidamente preparados para a discussão. Na audiência, ficou patente a posição contrária das comunidades em relação ao empreendimento e a deficiência das informações apresentadas pelo Consórcio Murta Energética e seus consultores. A Feam solicitou novos esclarecimentos ao empreendedor, que deveriam ser entregues após quatro meses. O consórcio não cumpriu o prazo e pediu ao órgão ambiental para estendê-lo até fevereiro de 2004.

A solicitação foi aceita, mas novamente o prazo não foi observado. Com isso, em março de 2004, a Feam emitiu parecer técnico e jurídico recomendando o indeferimento do pedido de Licença Prévia (LP) e o arquivamento do processo. Naquele mês, foi divulgada a pauta da reunião da Câmara de Infraestrutura do Conselho de Política Ambiental do Estado (Copam) para exame do caso. Nessa reunião, embora os representantes da Comissão dos Atingidos pela UHE Murta e sua assessoria estivessem presentes aguardando os debates, o processo da UHE Murta foi retirado da pauta sem qualquer justificativa por parte das autoridades competentes.

Em abril de 2005, persistia a indefinição quanto à análise do processo de licenciamento pelo Copam. Diversas entidades da sociedade civil subscreveram cartas – que citavam os pareceres técnico e jurídico da Feam (Diene 006/2004), que recomendavam o indeferimento da LP – ao secretário de Estado de Meio Ambiente, ex-ministro José Carlos Carvalho, pedindo o arquivamento do processo. Além disso, as notícias de que a empresa havia se comprometido a apresentar novo projeto de barragem, inteiramente modificado em relação ao existente, exigiria o arquivamento do processo e um novo pedido de licenciamento à Feam, para a realização do licenciamento regular.

Em fevereiro de 2012, quase sete anos depois, portanto, o Consórcio Murta Energética solicitou, e conseguiu, autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para mudanças no projeto básico do empreendimento, o que provocou o deslocamento do eixo original para montante e a redução da potência instalada para 115.000 kW. Com a mudança, a usina passou a contar com duas casas de força, ao invés de uma. A primeira com 85.000 kW e a segunda com 30.000 kW (Murta CF1 e CF2, respectivamente). A decisão do consórcio e da ANEEL visava viabilizar a instalação do empreendimento, ao mesmo tempo em que reduziria o número de comunidades impactadas pela formação do lago e a magnitude dos impactos socioambientais verificados.

Em setembro daquele ano, após mais de 20 anos de resistência, as comunidades rurais de Coronel Murta e região comemoraram a suspensão e o arquivamento do projeto da usina hidrelétrica.

José Miranda de Almeida, um dos ameaçados pela construção, comemorou a conquista dos trabalhadores e reafirmou que o projeto Murta foi cancelado depois de muita luta dos atingidos, que denunciaram os impactos ambientais da construção. Eles querem somente o que tem de bom em nossa região e deixar somente o que há de ruim. O que já estragou não precisa de mais estragos. Nós queremos desenvolvimento para o Vale do Jequitinhonha e não para as empresas, afirmou.

Para Moisés Borges, membro da coordenação do MAB, o cancelamento do projeto Murta é uma vitória da classe trabalhadora contra o atual modelo de desenvolvimento, mas ele lembrou a necessidade de que a luta continue para impedir os outros projetos previstos para a bacia e também para garantir que os direitos dos atingidos pela UHE Irapé sejam respeitados.

As águas do rio Jequitinhonha foram contaminadas por sulfeto, material tóxico oriundo do processo de perfuração de rochas na construção da barragem. Exigimos que o governo do estado e a CEMIG reconheçam os atingidos que estão abaixo do eixo e paguem a dívida a todas as famílias atingidas, sobretudo cumprindo a promessa de oferecer água potável e um plano de desenvolvimento produtivo das comunidades atingidas, concluiu.

Cronologia:

Outubro de 1998: Inicio do licenciamento ambiental da UHE Murta.

Janeiro de 1999: Após mobilização da comunidade local, é realizada audiência pública para discutir o empreendimento.

Março de 1999: Divulgado publicamente o Estudo de Impacto Ambiental da usina.

Agosto de 1999: Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) exige estudos complementares ao EIA.

Fevereiro de 2001: Consórcio original é destituído e é formado novo consórcio, agora denominado Murta Energética S.A.

Dezembro de 2011: Estudos complementares são entregues a FEAM.

Outubro de 2002: Nova audiência pública é realizada para discutir empreendimento.

Março de 2004: Técnicos da FEAM emitem parecer recomendando indeferimento do pedido de licença prévia da Murta Energética e arquivamento do processo.

Fevereiro de 2012: ANEEL autoriza mudanças no Projeto Básico do Empreendimento.

Setembro de 2012: Projeto da UHE Murta é arquivado.

Última atualização em: 17 de junho de 2013

Fontes

AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – ANEEL. Despacho N. 640, De 28 de Fevereiro de 2012. Acesso em: 30 maio 2012.

COSTA, Luciano. Aneel aprova divisão da UHE Murta para tirar projeto da gaveta. Jornal da energia, 01/03/2012. Disponível em: http://goo.gl/WsNLC. Acesso em: 30 maio 2012.

GRUPO DE ESTUDOS EM TEMÁTICAS AMBIENTAIS. ECOMISSÃO DOS ATINGIDOS PELA UHE MURTA. Resumo: Usina Hidrelétrica de Murta. Relatório entregue à Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente – Plataforma DhESCA Brasil. Agosto de 2004.

GRUPO DE ESTUDOS EM TEMÁTICAS AMBIENTAIS. Murta. Disponível em: http://goo.gl/OjEVL. Acesso em: 01 fev. 2009.

LASCHEFSKI, Klemens. Avaliação de Equidade Ambiental como instrumento de modernização e democratização dos procedimentos de avaliação de impacto de projetos de desenvolvimento: estudo de caso UHE Irapé e UHE Murta.

MAB comemora cancelamento de barragem em MG. Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), São Paulo, 21/09/2012. Disponível em: http://goo.gl/l7a1M. Acesso em: 30 maio  2012.

PLATAFORMA DHESCA BRASIL. RELATORIA NACIONAL PARA O DIREITO HUMANO AO MEIO AMBIENTE. Relatório da Missão ao Estado de Minas Gerais: realizada entre 01 e 06 de agosto de 2004. Rio de Janeiro: Plataforma DhESCA Brasil, Março de 2006.

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