Massacre do rio Abacaxis marca resistência das comunidades indígenas e ribeirinhas contra a impunidade e a violência estatal na região
UF: AM
Município Atingido: Nova Olinda do Norte (AM)
Outros Municípios: Borba (AM)
População: Agricultores familiares, Extrativistas, Moradores do entorno de unidades de conservação, Mulheres, Pescadores artesanais, Povos indígenas, Ribeirinhos, Trabalhadores informais
Atividades Geradoras do Conflito: Atividades pesqueiras, aquicultura, carcinicultura e maricultura, Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Extrativismo comercial, Indústria do turismo, Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia, Narcotráfico, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas, Pesca ou caça predatória, Precarização/riscos no ambiente de trabalho
Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças mentais ou sofrimento psíquico, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal
Síntese
A região do rio Abacaxis, no Estado do Amazonas, compreende parte dos municípios de Nova Olinda do Norte e de Borba, e abriga ribeirinhos e camponeses que vivem nos Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) Abacaxis I e II, indígenas do povo Munduruku da Terra Indígena Kwatá-Laranjal e indígenas Maraguá da aldeia Terra Preta, reivindicada como de ocupação tradicional.
O presente caso trata do conflito que envolve camponeses, ribeirinhos, indígenas, traficantes de drogas, pescadores ilegais, representantes do governo e policiais militares que vivem ou atuam na região do rio Abacaxis. Conforme integrantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e outras entidades que acompanham o caso, o conflito no rio Abacaxis pode ser considerado “a maior violação dos direitos humanos no Brasil nos últimos dez anos”.
De acordo com Mario Manzi, da CPT-AM (17/08/2020), e Poliana Dallabrida, do site De Olho nos Ruralistas (21/08/2020), o conflito teve início em 24 de julho de 2020, após o então secretário executivo do Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza do Governo do Estado do Amazonas (FPS/AM), Saulo Moysés Rezende Costa, entrar com um grupo de pessoas na região do rio Abacaxis para a realização de pesca esportiva.
O turismo e a pesca esportiva requeriam, ali, emissão de licença ambiental por ser em uma área de ocupação tradicional e com terras indígenas. Por isso, membros das comunidades realizam uma espécie de fiscalização para averiguar se os praticantes da pesca esportiva possuem autorização.
Neste contexto, o então representante do governo foi ferido no braço e o autor do disparo não foi identificado. Em razão do episódio, o grupo prometeu retornar ao local e enfrentar os moradores. Em 03 de agosto de 2020, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM) enviou policiais do Comando de Operações Especiais (COE) e do Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Estado do Amazonas (BPamb/PMAM) para realizar uma operação na região do rio Abacaxis.
Segundo o documento intitulado “Manifestação contra a violência da Polícia Militar no Rio Abacaxis e na Terra Indígena Coatá-Laranjal, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba”, publicado pelo portal Amazonas Atual, a ação policial foi vista pelos comunitários como sendo um ato de represália privada pelo confronto ocorrido em 24 de julho. Nessa operação, dois policiais morreram durante o que foi descrito pela PMAM/SSP-AM como uma “emboscada a traficantes”.
Por conta da morte dos policiais militares, em 04 de agosto de 2020, a SSP-AM organizou uma operação no rio Abacaxis com cerca de 50 policiais, incluindo o comandante da Polícia Militar do Estado do Amazonas (PMAM). Segundo denúncias de comunitários e organizações sociais veiculadas no manifesto público anteriormente referido, uma série de “arbitrariedades, violências e ilegalidades foram praticadas por policiais militares durante as operações”.
Foram relatados casos de tortura e abusos, desde o uso de armas de fogo para intimidar os moradores, crianças e idosos; uso indevido de forças policiais para serviços particulares; cerceamento de liberdades individuais e coletivas; até queima de casas e execuções. A CPT denunciou o caso de uma mulher que teve gasolina despejada sobre o corpo e uma criança que foi colocada dentro de um freezer em funcionamento e que quase foi morta por congelamento. As execuções atingiram indígenas e ribeirinhos, além do desaparecimento de jovens.
Após a repercussão das denúncias de arbitrariedades e ilegalidades, o Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça Federal e solicitou que a Polícia Federal (PF) investigasse as circunstâncias da operação policial organizada pela SSP/AM. Em seguida, a Justiça Federal determinou que a Polícia Federal averiguasse a operação da Polícia Militar na região do rio Abacaxis a fim de investigar os atos de violência e abusos cometidos pela polícia contra ribeirinhos e indígenas. Além deste apoio, 30 agentes da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) se uniram ao contingente da PF para reforçar a segurança na região.
Em 17 de agosto de 2020 foi divulgado o referido manifesto assinado por mais de 50 instituições sobre a violência cometida contra comunidades tradicionais ribeirinhas e os povos indígenas Maraguá e Munduruku no rio Abacaxis. Em 20 de agosto, a Justiça Federal determinou a suspensão imediata das operações policiais realizadas pela SSP/AM na região do rio Abacaxis.
Em novembro de 2020, o então procurador-geral da República (PGR) Augusto Aras criou uma força-tarefa para atuar nas investigações do caso, com previsão dos trabalhos se estenderem até outubro de 2021. Já no início dos trabalhos deste grupo, foi alertado que existia o risco de morte das testemunhas-chave de execuções e torturas no local.
Além dos conflitos e da violência aos direitos humanos, os riscos à saúde das comunidades indígenas e tradicionais desta região foram acentuados em meio à pandemia do coronavírus Sars-CoV-2 (causador da doença conhecida como covid-19).
Diante da ausência de responsabilização criminal dos acusados, em agosto de 2021 aconteceu o seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: haverá Justiça?”, evento desenvolvido por organizações sociais que produziram uma nota pública denunciando que o massacre no rio Abacaxis era um exemplo da violência das forças policiais do Estado.
No início de 2022, o Cimi apresentou um relatório ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando o aumento da violência contra os povos originários no Brasil, citando o massacre do rio Abacaxis como um dos exemplos concretos.
Ao constatar que a condição dos povos indígenas e comunidades tradicionais afetados pelo conflito no rio Abacaxis permanecia em estado crítico por conta da omissão governamental, em agosto de 2022 o MPF cobrou a adoção de medidas concretas por parte de órgãos públicos para resguardar a segurança e a integridade física das comunidades da região.
Em abril de 2023, a PF indiciou o ex-secretário de segurança pública do Amazonas, Louismar Bonates, e o coronel da PMAM, Airton Norte, por homicídio, tortura, associação criminosa, entre outros crimes envolvendo o caso no rio Abacaxis. No entanto, em maio de 2023, o governador Wilson Lima, do partido União Brasil, condecorou os acusados, gerando revolta entre defensores de direitos humanos, as vítimas e seus apoiadores.
Em maio de 2023, a PF cumpriu mandatos de busca e apreensão, enquanto denúncias apontaram tentativas de interferência nas investigações. Ao todo, foram sete mandados de busca e apreensão; entre os alvos estavam empresários, um advogado suspeito de ocultar provas sobre o caso, além de policiais. Em abril de 2024, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) visitou a região e denunciou abandono das comunidades do rio Abacaxis, sugerindo proteção às vítimas.
Em maio de 2024, o Coletivo pelos Povos do [rio] Abacaxis elaborou Nota Pública solicitando providências ao massacre, a quebra do sigilo da investigação, bem como respostas da apuração dos crimes e punição aos criminosos. Em julho de 2024, uma Ação Civil Pública (ACP) movida pelo MPF pediu indenizações e aplicação de medidas em favor das comunidades afetadas.
Os quatro anos do massacre no rio Abacaxis foram lembrados em agosto de 2024, em seminários promovidos pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e outras organizações. No mesmo período, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e movimentos sociais manifestaram preocupação com mudanças no comando da PF e a redistribuição dos inquéritos, o que poderia gerar prejuízos às investigações. O caso do rio Abacaxis segue como símbolo de resistência das comunidades indígenas e ribeirinhas contra a impunidade e a violência estatal na região.
Contexto Ampliado
Em 2020 foram registrados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) 18 assassinatos em conflitos no campo no território brasileiro, de acordo com os dados parciais do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc/CPT). Entre os fatos apresentados pela CPT (10/12/2020), consta um massacre envolvendo cerca de sete pessoas mortas na região do rio Abacaxis, no Estado do Amazonas.
Este território compreende parte do município de Nova Olinda do Norte e de Borba, região que abriga ribeirinhos e camponeses que vivem nos Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) Abacaxis I e II, indígenas do povo Munduruku da Terra Indígena (TI) Kwatá Laranjal e do povo Maraguá, da aldeia Terra Preta, reivindicada como de ocupação tradicional.
Cabe ressaltar que a TI Kwatá Laranjal foi homologada por meio do Decreto S/N de 19 de abril de 2004, enquanto o povo Maraguá ainda luta pelo processo de reconhecimento de sua TI desde 2005, segundo o Relatório Conselho Nacional dos Direitos Humanos de 2020. De acordo com o Cimi (20/08/2018), o pedido para a demarcação da Terra Preta do povo Maraguá foi registrado na Divisão de Assuntos Fundiários da Funai em 16/08/2007, sob o número 473.
O processo tramita junto à Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID/Funai), aguardando por sua qualificação. De acordo com notícias do MPF (2024), as aldeias Terra Preta, São José e Mereré, do povo Maraguá, possuem área não demarcada e o Projeto Agroextrativista Abacaxis está em sobreposição ao território indígena dos Maranguá.
O presente caso trata do conflito que envolve indígenas, camponeses e ribeirinhos, pressionados por traficantes de drogas, pescadores ilegais, representantes do governo e policiais que vivem ou atuam na região do rio Abacaxis. Conforme informações de integrantes da CPT, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e outras entidades que acompanham o caso, o conflito no rio Abacaxis pode ser considerado “a maior violação dos Direitos Humanos no Brasil nos últimos dez anos”.
De acordo com Mario Manzi, da CPT-AM (17/08/2020), e Poliana Dallabrida, do site De Olho nos Ruralistas (21/08/2020), o conflito teve início em meados de julho de 2020, após o então secretário executivo do Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza do Governo do Estado do Amazonas (FPS/AM), Saulo Moysés Rezende Costa, entrar com um grupo de pessoas na região do rio Abacaxis para a realização de pesca esportiva. Neste contexto, o secretário foi ferido no braço e o autor do disparo não foi identificado. Em razão do episódio, o grupo prometeu retornar ao local e enfrentar os moradores.
Cabe ressaltar que o turismo na área requer emissão de licença ambiental. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), por fazer parte de uma área de ocupação tradicional reivindicada pelo povo indígena Maraguá, a pesca no local somente seria permitida com autorização legal, conforme consulta livre e esclarecida às comunidades, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e com acompanhamento dos órgãos competentes pela gestão ambiental e territorial da área respectiva, no caso, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Por outro lado, o ordenamento territorial e pesqueiro dos Projetos de Assentamentos Extrativistas (PAEs) Abacaxis I e II vem sendo acompanhado pelo MPF desde 2018, conforme nota publicada em 06 de agosto de 2020 pelo próprio órgão. Em 2019, foi celebrado termo de compromisso entre o povo indígena Maraguá e os assentados, por meio da Associação Nova Esperança do rio Abacaxis (Anera), regulando provisoriamente o uso da área para o turismo de pesca esportiva, com a aprovação coletiva e interétnica da escolha de duas empresas privadas para atuar no ano de 2019.
Em fevereiro de 2020, o MPF novamente reuniu membros das comunidades indígenas e tradicionais não-indígenas para dar continuidade à construção de um termo de compromisso e do Plano de Utilização dos PAEs Abacaxis I e II. Esse Plano de gestão territorial buscava regular, com maior segurança jurídica, o uso dos bens naturais compartilhados pelos assentados e pelos povos indígenas, assegurando, assim, a coexistência de diferentes territorialidades, usos territoriais e modalidades de reconhecimento jurídico destas, bem como amenizar os conflitos na região. Segundo Mário Manzi, da assessoria de comunicação da CPT, estava prevista a continuidade na elaboração desse plano para o ano de 2020; no entanto, a ação foi paralisada em razão dos episódios de violência ocorridos nos territórios.
Além dos conflitos e a violência de direitos humanos, os riscos à saúde das comunidades indígenas e tradicionais da região foram acentuados em meio à pandemia do coronavírus Sars-CoV-2 (causador da doença conhecida como covid-19), iniciada no Brasil em meados de março de 2020. De acordo com o depoimento de Frei Beto divulgado pelo Cimi (23/02/2021), sem condições de exercer suas práticas tradicionais de subsistência, numa região ainda mais isolada em função da pandemia de covid-19, os Munduruku, Maraguá e ribeirinhos foram atingidos pela fome.
Conforme destacado anteriormente, o episódio mais grave do conflito teve início em 24 de julho de 2020, após o então secretário executivo do Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza do Governo do Estado do Amazonas (FPS/AM), Saulo Moysés Rezende Costa, entrar com um grupo de pessoas na região do rio Abacaxis para a realização de pesca esportiva. Nessa época, além de ser secretário executivo do FPS/AM, Saulo Costa era dono de uma pousada no município de Itacoatiara que recebia turistas para a pesca esportiva. Ele também é sobrinho do, à época, presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), desembargador Domingos Jorge Chalub.
Como já salientado, o turismo e a pesca esportiva nesses territórios precisam de licença ambiental e, nesse caso, o grupo que acompanhava Saulo Costa não obtivera tal autorização, desrespeitando os territórios dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, bem como a legislação que regula o acesso a eles. Por se tratar de uma atividade que exige autorização legal prévia, membros das comunidades geralmente averiguam se os praticantes da pesca esportiva passaram pelos trâmites previstos.
De acordo com reportagem de Poliana Dallabrida publicada no portal De Olho nos Ruralistas (21/08/2020), Maiká Schwade, integrante da Comissão Pastoral da Terra no Amazonas (CPT/AM), afirmou que, segundo relatos que obteve com os moradores da localidade, Saulo Moysés Rezende da Costa ficou agressivo ao ser abordado pelos comunitários e após a permissão para pescar no local ter sido negada.
Ainda segundo informações obtidas pela CPT/AM, Costa apresentou uma versão diferente ao registrar Boletim de Ocorrência (BO) junto à Polícia Civil do Estado do Amazonas (PCAM) em 25 de julho de 2020. De acordo com o boletim, ele saíra para pescar com seis amigos quando o barco em que estava foi cercado por “milicianos fortemente armados, com armas de fogo e armas brancas, além de tochas”.
Ao tentar negociar para que seu grupo pescasse no local, os “milicianos” teriam tentado furtar objetos do bote e, de acordo com essa versão, Costa foi baleado no ombro, sem haver identificado de onde partiu o tiro. Como destaca Dallabrida, a partir de Schwade, em razão do episódio, o grupo de Costa prometeu retornar ao local e enfrentar os comunitários da região.
Em 03 de agosto de 2020, a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM) enviou policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE) e do Batalhão Ambiental da Polícia Militar do Estado do Amazonas (BPamb/PMAM) para realizar uma operação na região do rio Abacaxis. Segundo nota da Procuradoria da República no Amazonas (MPF/AM) divulgada no blog Combate Racismo Ambiental (21/08/2020), a operação policial da SSP-AM teria sido deflagrada sem qualquer planejamento conjunto ou participação dos órgãos federais de segurança, o que seria recomendável dada a existência de terras indígenas e assentamentos rurais federais naquela região. A notícia trouxe a informação de que os policiais militares utilizaram para a operação a mesma embarcação particular que transportara o grupo de pessoas que incluía o então secretário Saulo Costa em 24 de julho.
No mesmo dia da operação policial, 03 de agosto de 2020, lideranças do povo Maraguá entraram em contato com o MPF informando que a lancha “Arafat”, acompanhada de mais duas embarcações menores, trafegava no rio Abacaxis com homens armados que estariam cercando a comunidade em busca do “cara que deu o tiro” em Costa, de acordo com a versão do então secretário de Estado.
Conforme publicação a respeito de apuração realizada pelo MPF (06/08/2020), os agentes policiais informaram a alguns moradores que estavam em busca do autor do disparo contra o secretário. No entanto, apesar dessa alegação, a SSP-AM comunicou ao MPF que a operação tinha sido motivada por denúncias, cuja origem não foi identificada pela publicação do MPF, de tráfico de drogas, confirmando o uso da embarcação particular nos trabalhos.
Segundo depoimentos de alguns comunitários divulgados pelo blog Combate Racismo Ambiental (21/08/2020) com base na publicação da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Amazonas, os policiais da Polícia Militar (PMAM) não usavam uniformes e tampouco se identificaram mesmo após horas de atuação no território, causando pânico nas comunidades e aldeias. A ação policial foi vista pelos comunitários como sendo um ato de represália privada pelo ocorrido em 24 de julho. Nessa operação, dois policiais morreram durante o que foi oficialmente divulgado pela SSP-AM como uma suposta “emboscada a traficantes”.
O Cimi divulgou em seu site que, no mesmo dia desta operação, 03 de agosto de 2020, líderes dos Maraguá da aldeia Lago Grande (região localizada no rio Abacaxis no município de Nova Olinda do Norte) denunciaram que supostos turistas a bordo de uma lancha identificada por eles como “Dona Dora” dispararam tiros contra os moradores: “Eles prometeram que iam voltar e voltaram mesmo. Estão atirando contra nossos parentes lá” – disse Jair Seixas Reis, cacique do povo Maraguá em comunicação com agentes do Cimi.
Por conta da morte dos dois policiais militares, em 04 de agosto, a SSP-AM organizou uma nova operação no rio Abacaxis com cerca de 50 policiais, incluindo o coronel Ayrton Norte, então comandante da Polícia Militar do Estado do Amazonas (PMAM). Conforme Mário Manzi, da CPT (17/08/2020), após essa segunda operação policial foram registradas diversas denúncias ao MPF contra a PMAM por parte das populações ribeirinhas, indígenas e de outras comunidades da região.
A CPT, em sua nota, listou uma série de abusos e violências relatados pelos comunitários, desde o uso de armas de fogo para intimidar as pessoas, inclusive crianças e idosos; uso indevido de forças policiais para o que foi visto por eles como serviços particulares; torturas; cerceamento de liberdades individuais e coletivas; queima de casas; e até execuções, sendo mais precisamente denunciadas as mortes de um indígena Munduruku da TI Kwatá Laranjal e de três ribeirinhos moradores da comunidade Monte Horebe do Projeto de Assentamento Agroextrativista Abacaxis II.
Segundo Poliana Dallabrida (21/08/2020), os corpos do casal Anderson Monteiro e Vanderlania Araújo, e do adolescente Matheus Araújo, de 16 anos, filho de Vanderlania, foram encontrados dias depois na beira da aldeia Terra Preta.
[Ver reportagem da época no vídeo disponível em https://globoplay.globo.com/v/8872158/]
Em 05 de agosto de 2020, um grupo de indígenas Munduruku, utilizando pequenas embarcações chamadas de rabetas, saiu da aldeia Laguinho em direção à cidade de Nova Olinda do Norte. Quando a noite chegou, somente seis rabetas retornaram. Das sete que partiram, faltava uma que transportava dois jovens. Segundo notícias publicadas em fontes diversas (Cimi, CPT, MPF), houve denúncias por parte dos indígenas e de populações locais de que a rabeta teria sido interceptada pela PMAM, tendo-se escutado seis tiros: quatro seguidos e depois mais dois, sendo os jovens dados como desaparecidos.
De acordo com a apuração do MPF divulgada em seu site em 14 de agosto de 2020, a partir daí, o MPF passou a receber relatos diários de diversos atos de abuso e violações de direitos por parte da PMAM contra indígenas e extrativistas do rio Abacaxis, como torturas e homicídios. Após a repercussão das denúncias de violências contra as comunidades que vivem na bacia do rio Abacaxis, o MPF acionou a Justiça Federal e solicitou que a Polícia Federal (PF) investigasse as circunstâncias da operação policial organizada pela SSP/AM, ocorrida em 03 de agosto de 2020.
A notícia publicada pelo MPF (06/08/2020) dizia que a procuradoria também demandava que se assegurasse a livre circulação no rio Abacaxis para indígenas, ribeirinhos e demais moradores da região, especialmente no acesso aos serviços essenciais, enquanto durassem as atividades da SSP/AM. A ação de tutela cautelar ajuizada pelo MPF tramitou na 9ª Vara Federal no Amazonas, sob o nº 1013521-32.2020.4.01.3200.
Na ocasião, o MPF também encaminhou ofícios ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), ao Ministério da Justiça (MJ), à Polícia Federal no Amazonas (PF/AM) e à Coordenação da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI), informando os abusos ocorridos durante a operação policial no rio Abacaxis. Os ofícios tinham por objetivo criar uma rede de articulação tanto para coibir os abusos e violação de direitos humanos quanto para fortalecer as investigações das denúncias de ilegalidades e excessos policiais.
Em 07 de agosto de 2020 foi encontrado o corpo do indígena Munduruku Josimar Moraes da Silva, de 26 anos, que estava na rabeta desaparecida. O blog Combate Racismo Ambiental (11/09/2020), com base na publicação de J. Rosha, do Cimi, informou que o corpo foi encontrado próximo à aldeia Laguinho do Bem Assim, no rio Marimari, dentro da Terra Indígena Kwatá Laranjal.
O irmão do jovem morto, que o acompanhava, continuava desaparecido. De acordo com Alicia Lobato, da Amazônia Real (31/08/2021), apenas um crânio humano foi encontrado e levado pela PF para análise; no entanto, a reportagem divulgou que não houve retorno para a família se a ossada seria do jovem. Segundo a citada publicação do blog Combate Racismo Ambiental, moradores chegaram a fotografar uma lancha com policiais militares na área e teriam ouvido disparos nas proximidades do local onde fora encontrado o corpo do jovem Munduruku. Constatou-se que outros três corpos foram encontrados na região.
O site Correio da Amazônia (07/08/2020) relatou que Josimar Moraes da Silva era condutor da lancha que servia de transporte escolar na aldeia Laguinho do Bem Assim. Seu irmão, Josivan, era estudante. De acordo com Gelcimar Freire, cacique dos Munduruku na região, nenhum deles tinha envolvimento com atividades ilegais. “A polícia tem que fazer operações, mas não pode sair matando pessoas inocentes. Queremos saber por que entraram em nossa terra sem consentimento da Fundação Nacional do Índio, Funai”. Outro depoimento do líder Munduruku foi divulgado no Amazônia Real em 09 de agosto de 2020: “Mataram dois indígenas, dois jovens, inocentes, porque eles não estavam envolvidos com nada disso”.
A tia de um dos jovens, a liderança indígena Alessandra Munduruku, atribuiu as mortes e o desaparecimento do jovem aos policiais e pediu apoio para que os fatos fossem investigados: “A nossa dor é grande e eu quero que as pessoas me ajudem a fazer com que o MP investigue essa operação. Nós somos indígenas, nós vivemos no mato, mas ninguém é animal para morrer desse jeito. Eu preciso do apoio de vocês”.
Juntamente com outras organizações sociais, houve um posicionamento da Frente Amazônica de Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI) denunciando a ação da PMAM e as mortes de ribeirinhos e indígenas. Segundo dados publicados no site do Cimi (18/08/2020), Guenter Francisco Loebens, representante do Conselho Indigenista Missionário na Amazônia, argumentou “com indignação” que a polícia estava agindo “como milícia ao executar pessoas inocentes por vingança”:
“Essa preocupação da polícia em ir para a região com esse viés de vingança por causa dos policiais mortos fez com que todos se tornassem suspeitos naquela região e, por isso, usou de truculência contra as comunidades, acabou assassinando um Munduruku, deixando outro do mesmo povo desaparecido e três corpos de ribeirinhos jogados no rio. Esse é um aspecto inaceitável da ação da polícia”.
No dia em que foi encontrado o corpo de Josimar Moraes da Silva (07/08/2020), a Justiça Federal, por meio da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, divulgou documento sobre as tutelas antecipadas requeridas em caráter antecedente pelo MPF e pela Defensoria Pública da União (DPU) contra a União e o estado do Amazonas, em razão das violações de direitos contra ribeirinhos e indígenas que estariam sendo praticadas por policiais militares na região do rio Abacaxis.
A juíza federal Raffaela Cássia de Sousa, apesar de ter alegado que a 9ª Vara Federal Cível do Amazonas não possuía competência criminal, mas interpretando a conjuntura das denúncias e considerando a presença de terras indígenas no local em que os fatos estavam se desenvolvendo, decidiu, como medida de natureza preventiva, pela imediata intervenção da Polícia Federal e outras medidas:
“a) a União, por intermédio da Polícia Federal, adote as medidas cabíveis para proteção dos indígenas e populações tradicionais de Nova Olinda do Norte/AM e região (considerando as fronteiras com Borba e Maués/AM), com envio de efetivo à região, em face dos potenciais abusos e ilegalidades relatados na inicial; b) o Estado do Amazonas se abstenha imediatamente de impedir a circulação dos povos indígenas e ribeirinhos na região, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais)”.
Em resumo, após pedidos da DPU no Amazonas e do MPF, a Justiça Federal determinou que a PF acompanhasse a operação da PMAM na região do rio Abacaxis a fim de investigar as denúncias de atos de violência e abusos cometidos pela polícia militar contra ribeirinhos e indígenas. A Justiça Federal também analisou o caso do presidente da Associação Nova Esperança do Rio Abacaxis (Anera), Natanael Campos da Silva, que, segundo denúncia dos moradores, teria sido torturado por policiais militares na presença do então comandante da PMAM, Ayrton Norte.
Logo após a decisão do judiciário, a PF enviou uma equipe em 09 de agosto de 2020 ao município de Nova Olinda do Norte. Segundo informações publicadas no site Amazonas Atual (11/08/2020), a equipe composta por um delegado, agentes, escrivão e peritos contou com o apoio do Comando de Operações Táticas (COT/PF), grupo conhecido por atuar em casos complexos, como ações antiterrorismo.
Apesar de na ocasião não haver um inquérito conclusivo sobre as denúncias de atos abusivos e ilegalidades por parte da PMAM, nem sobre suas relações com o então secretário executivo do Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza do Governo do Estado do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, diante da repercussão dos casos no rio Abacaxis e de suspeitas de seu envolvimento com o início do conflito, em 11 de agosto de 2020, foi publicada no Diário Oficial do Amazonas (DOAM) a exoneração de Saulo Costa do seu cargo público.
Em 12 de agosto de 2020, conforme a publicação da Amazonas Atual (14/08/2020), o MPF recebeu novas denúncias de tiroteios na região do rio Abacaxis. A notícia informava que crianças foram baleadas enquanto viajavam com familiares em uma voadeira e receberam atendimento médico em Manaus.
Considerando o nível de violência do conflito, em 14 de agosto de 2020, 30 agentes da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) se uniram ao contingente da PF para reforçar a segurança na região. Segundo notícia do MPF (14/08/2020), além do objetivo de reforço, buscou-se com o apoio da FNSP garantir melhores condições para as investigações que envolviam violações cometidas contra os povos indígenas e as demais comunidades tradicionais. A previsão era de que os agentes da FNSP permanecessem na região por pelo menos 60 dias.
O dia 17 de agosto de 2020 foi marcado por um ato que repercutiu nacionalmente o ponto de vista de instituições representativas de coletivos e movimentos sociais que apoiavam as associações comunitárias, lideranças indígenas e familiares das vítimas do conflito na região do rio Abacaxis. Tratava-se de um manifesto assinado por mais de 50 movimentos sociais exigindo que cessasse “todo tipo de repressão e violência que vêm sendo cometidas contra comunidades tradicionais, o povo indígena Maraguá e povo indígena Munduruku, que habitam os rios Abacaxis e Marimari, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba”.
O documento intitulado “Manifestação contra a violência da Polícia Militar no Rio Abacaxis e na Terra Indígena Coata-Laranjal, nos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba” destacava dez pontos de reivindicação, e está disponível no link: https://shre.ink/gdjZ.
Segundo publicação do Cimi (18/08/2020), a procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara Nascimento Albuquerque, recebeu do Arcebispo Metropolitano de Manaus, Dom Leonardo Steiner, o manifesto público assinado pelas organizações sociais. Na ocasião da divulgação oficial do documento, houve uma coletiva convocada pela Arquidiocese de Manaus em que estiveram presentes representantes do Cimi, CPT, Conselho Nacional de Trabalhadores das Reservas Extrativistas (CNS), Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM) e MPF.
Maika Schwade, da CPT, destacou três aspectos da atuação das forças policiais do estado do Amazonas considerados gravíssimos, base da reivindicação de retirada da PM da região: “O primeiro aspecto é aquilo que já virou jargão popular: primeiro, atira. Depois, pergunta. O segundo: o uso das forças policiais para fins particulares. Terceiro é o fato de que muitos casos de execução acontecem depois que algum membro da polícia é morto”.
Em virtude das denúncias e da necessidade de investigações consistentes, o presidente do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura no Amazonas (CEPCT/AM), na época, o promotor João Gaspar Rodrigues, destacou que “toda alegação de tortura e violação de Direitos Humanos, segundo a Convenção Contra a Tortura das Nações Unidas, tem que ser investigada de forma célere e por órgãos imparciais”.
De acordo com a mesma notícia publicada pelo Cimi (18/08/2020), a procuradora-geral de Justiça do Amazonas anunciou que o MP/AM deslocou para Nova Olinda do Norte uma equipe do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para dar início ao trabalho de inteligência, contando com técnicos e dois promotores.
Na mesma data em que fora oficialmente divulgado o documento que exigia o cumprimento dos direitos para as comunidades do rio Abacaxis, a SSP/AM anunciou que quatro pessoas tinham sido presas em cumprimento aos mandados judiciais por participação nos homicídios dos policiais militares da COE. Entre os presos, estava o presidente da Associação Nova Esperança do rio Abacaxis (Anera).
A notícia publicada na Agência Amazonas (17/08/2020) informava que a SSP/AM pretendia “restabelecer a ordem e livrar as comunidades da opressão perpetrada por traficantes e lideranças locais”. Apesar das prisões e acusações no caso das mortes de policiais, o mesmo não ocorreu acerca das mortes de lideranças indígenas e das populações tradicionais, cujas investigações permaneciam inconclusas.
O conflito na região do rio Abacaxis ganhou outros contornos após decisão publicada em 20 de agosto de 2020, proferida pelo juiz federal Ilan Presser, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que determinou a suspensão imediata da operação policial realizada pela SSP/AM na área do rio Abacaxis.
De acordo com o relato de Isabel Santos, da agência Amazônia Real, publicado no blog Combate Racismo Ambiental em 22 de agosto de 2020, a liderança Alessandra Munduruku (moradora da comunidade Laguinho do Bem Assim, na Terra Indígena Kwatá-Laranjal, tia do indígena assassinado e do outro desaparecido durante o conflito na região do rio Abacaxis) estava indignada. Segundo ela, os jovens foram confundidos com traficantes e denunciou violações de direitos humanos por parte de policiais da PMAM.
Alessandra relatou que as autoridades não tomaram providências para encontrar o corpo do sobrinho desaparecido:
“Eu sei que a Justiça é lenta, que o sistema é lento, mas eu quero justiça pelos meus meninos. (…) Eu quero apoio da Funai e da Justiça! Ninguém está vindo me ajudar. Eu quero apoio de mergulhadores, da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, Corpo de Bombeiros, de tudo, porque não tem lógica os meus meninos que nasceram e foram criados comigo e morreram desse jeito, de dizer que eles eram envolvidos com drogas, mas eles nem frequentavam outras comunidades. Só saíam por necessidade e quase não saíam”.
Entre os dias 21 e 24 de agosto de 2020, uma comitiva formada por representantes do MPF, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Cimi e CPT realizou visita às comunidades do rio Abacaxis e obteve novas informações sobre as denúncias das violações ocorridas durante as operações da PMAM, bem como sobre a insegurança que permanecia entre os moradores. Segundo a publicação da CPT (08/09/2020), membros da comitiva “voltaram horrorizados com o tamanho da violência e do terror que se espalhou entre os ribeirinhos e indígenas com a presença da PM na região”.
Apesar de reconhecer empenho das autoridades federais na investigação dos crimes cometidos na região do rio Abacaxis, bem como a importância da presença de agentes da PF e da FNSP, a comitiva também relatou que, de acordo com depoimentos dos comunitários, continuava a haver casos de execuções, torturas, prisões ilegais, perseguições, destruição de patrimônio, entre outros crimes e ilegalidades.
Segundo a notícia, moradores da localidade disseram que não estavam mais se alimentando adequadamente, não conseguiam dormir direito e qualquer ruído de lanchas trafegando na localidade causava medo. O relatório da CNDH encontra-se aqui: https://shre.ink/gdjA.
Na mesma época, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se pronunciou oficialmente em apoio aos indígenas e comunidades tradicionais, reforçando as denúncias de envolvimento da PMAM nas mortes de ribeirinhos e indígenas. Bispos da Regional Norte 1 da CNBB, em nota divulgada em 25 de agosto de 2020, enfatizaram a importância de unir esforços junto aos órgãos competentes para o enfrentamento desse conflito, em defesa do povo no rio Abacaxis e comunidades adjacentes.
Além de assinarem o manifesto público juntamente com outras 50 organizações sociais, a organização eclesial se pronunciou por meio de nota pública:
“A truculência do mal isolou nossos povos lhes tirando o direito de comunicação, de alimentação e de água potável. Isso é grave! (…) Estamos tentando aliviar a situação, providenciando alimentação, água potável e outros meios de subsistência. Pedimos aos órgãos competentes que façam valer a justiça, ou seja, punindo quem deve ser punido e dando segurança aos inocentes dessa região. Exigimos que os fatos sejam elucidados. Que os desaparecidos sejam encontrados e os mortos sejam sepultados. E que nossas famílias possam viver e conviver na normalidade”.
Após avaliação do grupo que visitou a região, foi lançada uma nova nota pública em 28 de agosto de 2020, enfatizando a situação vivida pelos povos indígenas e comunidades tradicionais. A nota tratou das denúncias de crimes cometidos e da indignação pela ausência de ações por parte das autoridades estaduais (Governador, Corregedoria da PM, Comissão de Segurança Pública e Comissão de Direitos Humanos, Cidadania, Assuntos Indígenas e Legislação Participativa da Assembleia Legislativa do Amazonas – Aleam etc.), no âmbito de suas devidas competências.
Assinada por 53 organizações, manifestou apoio às investigações de todas as violações e crimes, além de enfatizar que os responsáveis fossem devidamente penalizados. Exigiu-se a proteção das comunidades e testemunhas, bem como o afastamento da PM e da SSP/AM, visando a garantir a apuração dos crimes cometidos no rio Abacaxis.
Dando continuidade ao acompanhamento desse conflito, o blog Combate Racismo Ambiental publicou, em 03 de setembro de 2020, entrevistas com Josep Iborra Plans, da CPT, e Dione Torquato, do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Segundo Torquato, a região do rio Abacaxis é uma área de risco cujas ameaças aos moradores têm, basicamente, duas origens:
“1) medo de retaliação por parte da polícia, de que a Polícia Militar volte a cometer novas violações de direitos contra as populações como vingança às denúncias feitas ao Ministério Público Federal; 2) medo de um possível ataque dos traficantes que atuam na região. Um dos motivos que levam os moradores a sentirem-se ameaçados nesse momento é a própria presença da Polícia, e os possíveis confrontos entre policiais e traficantes que podem ser entendidos, por parte dos traficantes, como possíveis denúncias dos moradores locais”.
Na entrevista, ambos os entrevistados foram unânimes em afirmar que se tratava da “mais grave violação dos direitos humanos na região em mais de uma década”. Foram relatados casos de tortura e abusos, tal como do presidente de associação comunitária da região [a Anera], que teria sofrido torturas com saco plástico na cabeça; uma mulher teve gasolina despejada sobre o corpo, e uma criança foi colocada dentro de um freezer em funcionamento e quase morreu congelada.
Os entrevistados relataram as comunidades que estavam sofrendo ataques na região do rio Abacaxis, sendo elas: Axinim; Barra Mansa; Camarão; Guajará; Monte Horebe; Nova Esperança; Novo Peixinho; Paricá; Pedral; Pilão; Tucumã; Tumbira e Vila Abacaxis. Essas comunidades fazem parte do PAE Abacaxis I e II, e estavam organizadas em torno da Associação Anera.
Outras comunidades que também sofreram violências foram as aldeias Terra Preta (Nova Olinda do Norte) e Terra Preta (Borba) – onde aconteceram os atentados ao povo Maraguá. Essas comunidades estavam sob jurisdição da Associação do Povo Indígena Maraguá (Aspim). Por fim, Dione Torquato ressaltou que o CNS, a CPT, o Cimi, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), entre outros, estavam apoiando as famílias, tomando todas as medidas necessárias para que os casos de violência fossem apurados o mais breve possível.
A repercussão do conflito a partir do apoio de diversas entidades civis gerou efeitos no processo de investigação dos crimes cometidos na região. Segundo notícia publicada no site Amazonas Atual (09/11/2020), o procurador-geral da República, Augusto Aras, criou uma força-tarefa para atuar nas investigações do caso, e havia previsão dos trabalhos se estenderem até outubro de 2021.
Segundo a notícia, o grupo atuaria em 19 processos, incluindo inquéritos e representações, oriundos de denúncias sobre a operação que resultou na morte de policiais, indígenas e membros das comunidades tradicionais. Já no início dos trabalhos desse grupo, foi alertado que existia o risco de morte de testemunhas-chave de execuções e torturas no local.
Para Dione Torquatto, membra do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), em depoimento concedido para a Revista Cenarium (12/2020), a força-tarefa foi vista como motivo de esperança, haja vista a complexidade do caso e as denúncias de que houvera violação de direitos humanos. Segundo o depoimento da subprocuradora-geral da República Eliana Torelly: “Diante da gravidade e urgência dos fatos, vislumbra-se como medida mais adequada e conveniente a criação da força-tarefa por prazo determinado”.
Apesar da esperança depositada nesta força-tarefa, a continuidade deste caso revelou uma morosidade nas conclusões investigativas e o aumento no nível de vulnerabilidade das comunidades tradicionais e indígenas da região. Recomenda-se, para aprofundamento desse conflito, acesso ao vídeo: https://shre.ink/gH5d – Violência contra indígenas e ribeirinhos: Reportagem Maiká Schwade (CPT).
Instituições eclesiais e indigenistas como o Cimi, organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), vêm se tornando aliadas importantes para as lutas das comunidades ribeirinhas da região e dos povos Munduruku e Maraguá, que viviam um período intenso e contínuo de violência.
Ainda existe o agravamento das condições de vida dessas populações devido à falta de assistência pública no contexto da pandemia do coronavírus e a ausência de medidas resolutivas para o conflito instalado na região. Cabe ressaltar que, entre março de 2020 e agosto de 2022, foram confirmados mais de 14 mil óbitos por covid-19 no estado do Amazonas (dados do Projeto Brasil.io), e dois agentes do Cimi, Edina e Rosha, que atuavam no caso do rio Abacaxis, faleceram em 2021 em decorrência dos efeitos do coronavírus Sars-CoV-2.
Cumpre salientar que o caso específico do estado do Amazonas diante da pandemia do coronavírus mereceu especial atenção da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (Instituída pelos Requerimentos nos 1.371 e 1.372, de 2021), de acordo com Relatório Final da CPI da Pandemia. Segundo trecho publicado nas conclusões do relatório, foi possível observar que:
“O governo federal tinha ciência da alta probabilidade de colapso do sistema de saúde amazonense, inclusive com carência de insumos necessários ao funcionamento das atividades hospitalares. Surpreende, todavia, que a pasta da Saúde tenha optado por adotar ‘orientações de intervenção precoce para covid-19’ para lidar com o então caos sanitário, a despeito da inexistência de lastro científico que justificasse a sua adoção como política pública. Essas ações e omissões revelaram que, a um só tempo, o povo amazonense foi deixado à própria sorte e serviu de cobaia para experimentos desumanos” (Senado Federal, CPI Pandemia, 2021, p. 1.278).
Diante do agravamento da condição de vulnerabilidade e riscos à saúde dessas populações tradicionais e indígenas no Amazonas, em fevereiro de 2021, o frade dominicano, escritor e ativista frei Betto lançou uma campanha de arrecadação de recursos para ajudar as famílias em situação de maior vulnerabilidade na região do rio Abacaxis. Sensibilizado pela situação grave no estado do Amazonas durante a pandemia e em contato com entidades da região, frei Betto decidiu direcionar a Campanha da Quaresma aos povos e comunidades do rio Abacaxis. A campanha seguiu durante todo o período da Quaresma (entre dia 17 de fevereiro de 2021 e se encerrou na Sexta-Feira da Paixão, dia 2 de abril de 2021).
De acordo com a publicação do Cimi (23/02/2021), diversas organizações da sociedade civil que apoiam a luta desses povos e comunidades em defesa de seus direitos e territórios também se somaram à campanha de frei Betto. Entre elas, o Cimi Regional Norte 1, a CPT Amazonas, o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), o Conselho Nacional de Trabalhadores das Reservas Extrativistas (CNS) e o deputado federal Zé Ricardo, do Partido dos Trabalhadores (PT/AM).
Segundo trecho da mensagem de frei Betto publicada pelo Cimi, os escolhidos da campanha de 2021 foram as comunidades “cujos direitos humanos foram profundamente violados pela PM em agosto de 2020”. Frei Betto, em seu comunicado, fez uma retrospectiva do conflito e das ações de violência contra as populações locais, deixando um recado de que as entidades apoiadoras permaneceriam com as comunidades até que o processo de investigação fosse concluído, os culpados responsabilizados e a paz reestabelecida. Por fim, o frade ressaltou a importância de dar visibilidade ao caso e a necessidade de garantir comunicação, alimentação e segurança às comunidades do rio Abacaxis.
Apesar da medida anunciada em novembro de 2020 pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre a criação de uma força-tarefa para atuar nas investigações do caso, tudo indica que não houve avanços concretos, pois os dias 03 e 04 de agosto de 2021 foram marcados pela realização do seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: haverá Justiça?” Diante da impunidade e a contínua violência contra lideranças indígenas e comunidades tradicionais da região do rio Abacaxis, o seminário teve mesas de diálogo virtuais, coletiva de imprensa e uma celebração ecumênica em memória das vítimas do massacre.
Segundo publicação do blog Combate Racismo Ambiental e da CPT (03/08/2021), o evento foi organizado em decorrência da ausência de respostas, tanto dos processos judiciais instaurados quanto das investigações do massacre ocorrido em agosto de 2020. O seminário foi marcado por momentos em que os mais impactados pelo conflito (representantes indígenas e ribeirinhos) tiveram espaços de fala nas mesas de diálogo, buscando dar visibilidade à luta deles por justiça.
Representando os movimentos teológicos, estiveram presentes o bispo Dom Leonardo Steiner, da Arquidiocese de Manaus, o bispo Dom Zenildo Luiz Pereira da Silva, da Prelazia de Borba, e frei Betto, que também divulgou na ocasião a Campanha da Quaresma, direcionada aos grupos e familiares mais atingidos pelo massacre.
O evento foi organizado pela Arquidiocese de Manaus, o Cimi, a CPT, o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação (Sares) e Articulação das Pastorais do Campo. O seminário também contou com o procurador regional da República (MPF), Felício de Araújo Pontes Junior; Fernando Merloto Soave, do MPF/AM; defensor público do estado do Amazonas, Rodolfo Pinheiro Bernardo Lobo; Yuri Michael Pereira Costa, Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH); Carlos Veras, então deputado federal (PT/PE) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM/CD); Joenia Wapichana, na época deputada federal (Rede/RR); e José Ricardo Wendling, então deputado federal (PT/AM).
Cabe relembrar que, um ano após o ocorrido, foram confirmadas as mortes de dois indígenas Munduruku e de quatro ribeirinhos, além de outros dois desaparecidos, bem como a morte de dois policiais militares e, ainda, seis pessoas gravemente feridas.
A notícia publicada pelo blog Combate Racismo Ambiental e pela CPT (03/08/2021), apresentou dados importantes deste conflito, resgatando o fato de que, em agosto de 2020, a pedido da DPU e do MPF, a Justiça Federal determinou liminarmente que a União, por meio da Polícia Federal e da FNSP, adotasse medidas para a proteção dos indígenas e populações tradicionais dos municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, sem a presença da Polícia Militar do estado do Amazonas.
No entanto, cerca de dois meses depois da determinação, a PF e a FNSP deixaram a região e os territórios de indígenas e ribeirinhos voltaram a ser invadidos por garimpeiros, madeireiros e por ações de turismo ilegal. Essa situação colocou em risco o retorno da PM e o reinício dos conflitos. Devido ao descumprimento da decisão, o MPF solicitou, já em 2021, tanto o cumprimento dessa decisão quanto a criação de uma base móvel da PF para manter o monitoramento do território.
De acordo com a mesma fonte de informação, em junho de 2021, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) atendeu ao pedido do MPF e determinou o cumprimento imediato da decisão, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia de atraso. Apesar dessa determinação judicial, a publicação ressaltou que as comunidades continuavam em situação de insegurança e que o Governo Federal, pelo Ministério da Justiça, não cumpriu com a medida de enviar a PF e a FNSP para a região visando a resguardar a segurança e integridade física das comunidades e povos indígenas.
O seminário resultou numa “Nota à Imprensa”, assinada por mais de 30 instituições, denunciando: “O massacre do Abacaxis é um exemplo emblemático da violência das forças policiais do Estado e também da impunidade quando essa violência ocorre contra as pessoas mais vulneráveis socialmente”. As instituições e coletivos que produziram e assinaram a nota exigiam ainda que:
“1. Que a Polícia Federal faça as diligências necessárias para conclusão das investigações, e seja oferecida denúncia pelo Ministério Público Federal – Procuradoria criminal – para responsabilização criminal dos autores e deem esclarecimentos sobre o caso; 2. Que haja retorno aos Mundurukus se o exame feito no crânio encontrado é de Josivan Moraes Lopes e seja devolvido para que seus familiares possam fazer sua despedida; 3. Que a Defensoria Pública da União e do Estado individualmente ou em parceria com o Ministério Público façam as defesas dos ribeirinhos acusados e promovam a reparação civil para as famílias das vítimas; 4. Que o Governo Federal, pelo Ministério da Justiça, cumpra a determinação da Justiça Federal e envie a Polícia Federal e Força Nacional para que permaneça na região para resguardar a segurança e integridade física das comunidades e povos indígenas da região. 5. Reafirmamos a necessidade do afastamento de toda a cúpula da Segurança Pública do Amazonas diretamente envolvida nas violações dos direitos dos indígenas e ribeirinhos, não somente do Secretário de Segurança Pública Louismar Bonates, mas também do coronel Ayrton Norte, para que as investigações sejam independentes e as vítimas não tenham nenhum risco de vida. 6. Apuração da responsabilidade do Governador do Estado, Wilson Lima, pela desastrosa operação policial. 7. Informamos que faremos o pedido formal de audiência pública ante a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados; 8. Novamente protocolaremos a sugestão de diligências que devem ser realizadas dentro do caso para determinar não somente os responsáveis, mas também os atos que foram perpetrados pela Polícia Militar na região do Abacaxis.”
De acordo com Dom Leonardo Steiner (06/08/2021), a carta denunciava “as marcas ainda gravadas na alma do povo” pela falta de respostas diante da perda dos entes queridos, falta de respeito pelos direitos fundamentais, pela tortura e humilhação.
Reportagem de Guilherme Guedes, publicada pela Band News Difusora (04/08/2021), destacou que o procurador do MPF Fernando Soave defendeu que, havendo denúncias em andamento sobre as violações aos direitos humanos, seria justo que o Governo do estado do Amazonas determinasse a suspensão da operação da PM na região.
A reportagem informava que, por meio de uma nota oficial, a SSP/AM informara que a Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança acompanhou a operação e instaurou procedimentos criminais para apurar as denúncias, ouvindo familiares de pessoas que morreram e supostas vítimas de tortura. Segundo a mesma reportagem, a SSP/AM informou ainda que em todos os casos foram abertos inquéritos policiais e que nenhuma hipótese foi descartada. No entanto, existia a suspeita de que os crimes haviam sido praticados por um bando criminoso local e, por isso, as investigações ainda estavam em curso.
A Agência de Notícias do Vaticano lançou publicação em 06 de agosto de 2021 sobre o seminário ocorrido. Segundo Dom Leonardo Steiner, era esperado que o seminário pudesse ajudar a alertar a sociedade sobre o conflito no rio Abacaxis, destacando o esforço das organizações da Igreja Católica “para não deixar silenciar essa tragédia que aconteceu”. O arcebispo reforçou sua esperança de que as pessoas fossem responsabilizadas e os corpos dos desaparecidos, encontrados.
Em 26 de outubro de 2021, o Senado Federal, por meio da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, lançou o Relatório Final da CPI Pandemia. Na conclusão desse relatório, foi apontado que as informações recebidas pela CPI sobre o impacto da pandemia nos povos indígenas foram preocupantes.
Denúncias sobre a ocorrência de crimes contra a humanidade praticados contra povos indígenas começaram a surgir ainda em 2019, e fatos novos trazidos à CPI durante a pandemia constituíam, de acordo com o relatório, “indícios fortes de que esses crimes estejam, de fato, em curso”. Especialistas em saúde, demógrafos e renomados juristas trouxeram dados que respaldavam essa imputação.
Segundo o relatório:
“Quando a pandemia chegou, o vírus foi mais uma arma, a mais mortífera, nessa campanha que já estava em curso. Estudos demográficos mostram como os indígenas, que são uma pequena parcela dos mortos em termos absolutos, foram mais intensamente atingidos em todas as faixas etárias que o restante da população, com exceção da que vai de 30 a 39 anos. O governo se recusou a fornecer insumos vitais, como a água, e usou a pouca assistência oferecida como álibi para tentar esconder as omissões deliberadas no seu dever de proteger. Sempre que foi instado, mesmo judicialmente, a criar planos robustos de proteção, manteve uma atitude ambígua e recalcitrante” (Senado Federal, CPI Pandemia, 2021, p. 1.284).
Devido ao posicionamento do Estado brasileiro desde o início do governo de Jair Bolsonaro sobre a grave situação dos povos indígenas no Brasil, em janeiro de 2022, o Cimi apresentou um relatório abarcando questionamentos ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com a nota de Adi Spezia, da assessoria de comunicação do Cimi (18/02/2022), o Comitê favorece a participação das organizações da sociedade civil que ocorre por meio do envio de relatórios informativos, os chamados “relatórios-luz”, para subsidiar informações ao Comitê sobre o contexto de um determinado acontecimento/período/região.
Na ocasião, o Brasil passava pela Revisão Periódica Universal (RPU) do Comitê de Direitos Humanos da ONU, órgão técnico que que supervisiona o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) pelos países que o ratificaram. A adesão do Brasil ao Pacto ocorreu em 1992, tornando-o um dos países cujas falhas nas políticas de Direitos Humanos são denunciadas por entidades da sociedade civil brasileira ao Comitê, por ele analisadas em uma das suas três reuniões anuais e, consideradas admissíveis, encaminhadas ao governo federal para que se posicione a respeito.
Assim como todos os países que ratificaram o PIDCP, o Brasil tem por obrigação apresentar relatórios periódicos ao Comitê (normalmente a cada quatro anos ou quando solicitado pelo comitê), no qual deve expor como esses direitos estão sendo implementados no País. A título de informação, segundo Spezia (18/02/2022), o Brasil enviou um de seus relatórios em 2020 com 11 anos de atraso, e foi fortemente contestado pela sociedade civil naáépoca.
Já no relatório apresentado ao Comitê em janeiro de 2022, foram destacados os seguintes temas: “Demarcação de Territórios Indígenas”; “Violações de Direitos Indígenas no Contexto da Covid-19”; “Execuções Sumárias contra Povos e Líderes Indígenas”; “O Avanço da Mineração e do Agronegócio Afetando a Vida dos Povos Indígenas”; e o “Discurso de ódio do mais alto nível do governo”. O informe foi feito a partir de casos concretos já denunciados à entidade, alertando para o aumento do número de execuções de indígenas e citando o massacre na região do rio Abacaxis como exemplo concreto.
A 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH 49) da ONU foi iniciada em 28 de fevereiro e se estendeu até 1º de abril de 2022. De acordo com publicação do Cimi (09/03/2022), naquela ocasião, lideranças indígenas tiveram oportunidade de reforçar denúncias ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre o aumento da violência contra os povos originários no Brasil.
Houve a participação de Tatiane Kaiowá, representante dos povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul; Adriano Karipuna, do povo Karipuna em Rondônia; e Jair Maraguá, tuxaua geral do povo Maraguá, no Amazonas. As intervenções aconteceram no espaço destinado aos “Diálogos Interativos”, com a presença de especialistas e os respectivos relatores especiais do Conselho para o assunto.
Ainda nesse contexto, em 11 de março de 2022, com a presença do relator especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, houve a intervenção de Jair Maraguá, liderança do povo Maraguá ameaçada após o massacre ocorrido na região do rio Abacaxis. A notícia do Cimi destacou que indígenas e ribeirinhos seguiam denunciando a negligência do Estado brasileiro nas investigações e a ausência de proteção às comunidades afetadas. Além dessas intervenções, Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do Cimi, apresentou o grave contexto dos povos originários no Brasil e denunciou a política anti-indígena do governo de Jair Bolsonaro.
O site Brasil Popular (18/03/2022) detalhou trechos do pronunciamento de Jair Maraguá na sessão da ONU: “Nossa água foi contaminada pelos corpos dos mortos deixados pela Polícia. Tivemos sede, fome e nosso povo ficou com muito medo. (…) As invasões continuam e as ameaças também. Queremos ajuda da ONU para seguir protegendo nosso povo e a natureza”.
De acordo com a cobertura do site, por falta de tempo, a fala de Jair Maraguá não pôde ser veiculada durante o evento como havia sido programada, mas iria compor os anais da 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Em junho e julho de 2022 houve a 50ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU, em Genebra, na Suíça, e novamente o Cimi denunciou a violência contra os povos originários no Brasil, citando o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, do The Guardian, emboscados e assassinados no Vale do Javari, no Amazonas.
Outro caso que trata de um conflito no Vale do Javari está disponível neste Mapa de Conflitos: https://shre.ink/gdGI.
De acordo com a notícia do Cimi (29/06/2022), nessa nova sessão da ONU, o caso do rio Abacaxis foi relembrado. A denúncia foi feita por Paulo Lugon Arantes, assessor internacional do Cimi, durante o painel de debates sobre “Efeitos adversos das mudanças climáticas sobre os direitos humanos das pessoas em situação de vulnerabilidade”.
Na abertura do evento, a Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU, a ex-presidenta chilena Michelle Bachelet, inseriu o Brasil num grupo de 30 países que têm “situações críticas que exigem ação urgente”, e pediu às autoridades brasileiras que “assegurem o respeito pelos direitos fundamentais e instituições independentes”.
De acordo com publicação da Procuradoria da República no Amazonas veiculada no blog Combate Racismo Ambiental (05/08/2022), o MPF cobrou a adoção de medidas concretas por parte de órgãos públicos das três esferas de poder para resguardar, física e mentalmente, povos indígenas e comunidades tradicionais afetados pelo conflito no rio Abacaxis, considerando que a condição desses grupos permanecia em estado crítico por conta da omissão governamental.
Por meio de um ofício, foram instados pelo MPF o Ministério da Cidadania, por meio da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social; a Secretaria Nacional de Assistência Social; a Secretaria Nacional de Segurança Pública; a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; a diretoria-geral da Polícia Federal; as presidências do Incra e da Funai, além da Secretaria Estadual de Assistência Social e prefeituras e secretarias municipais de saúde e assistência social dos municípios de Borba e Nova Olinda do Norte.
O MPF exigiu dos órgãos o esclarecimento das medidas de segurança adotadas e a realização urgente dos estudos técnicos, bem como elaboração e implementação de um plano de assistência psicossocial às comunidades indígenas e ribeirinhas impactadas pela atuação policial no rio Abacaxis.
Também foi ressaltado pelo MPF que não houve o cumprimento da decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para que a União, por intermédio da Força Nacional de Segurança Pública e da Polícia Federal, realizasse a proteção e instalação de mecanismos físicos de segurança no rio Abacaxis.
De acordo com a mesma nota, diante do cenário, o MPF no Amazonas pediu à Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) que solicitasse ao TRF1 intervenção imediata com medidas mais severas para que as determinações judiciais fossem respeitadas e cumpridas. Por fim, foi pedido que as instituições governamentais assumissem suas responsabilidades com os povos indígenas e populações tradicionais e a instalação de uma base de proteção nesta região.
Um coletivo organizado da sociedade civil, que acompanhava o caso desde o início, reiterou o apoio às comunidades mais impactadas da região do rio Abacaxis, buscando condições para a resolução do conflito. O posicionamento desse coletivo foi publicado em 05 de agosto de 2022, por meio do documento “Carta Denúncia: dois anos depois do massacre do Abacaxis, comunitários vivem sob ‘lei de ameaça’”, assinado por 37 organizações.
Segundo trecho desse documento publicado pelo Cimi (08/08/2022), passados dois anos do massacre perpetrado contra indígenas e ribeirinhos do rio Abacaxis, a situação continuava crítica, exigindo em caráter de urgência as medidas de reparação e de proteção dessas comunidades frente às intimidações e agressões que continuavam acontecendo. A carta na íntegra está disponível no link: https://shre.ink/gdGc.
Um mês após a divulgação da Carta Denúncia, indígenas e ribeirinhos participaram do 28º Grito dos Excluídos, na cidade de Manaus/AM, pelos dois anos de impunidade do massacre no rio Abacaxis. De acordo com Lígia Apel, do Cimi (09/09/2022), a carta e a participação das lideranças indígenas e ribeirinhas no Grito dos Excluídos foram tentativas conjuntas e espaços de manifestação da sociedade para que a justiça fosse feita e que os crimes no rio Abacaxis não ficassem impunes. Segundo Apel, “A vida em primeiro lugar” não foi apenas o lema do Grito dos Excluídos de 2022, mas foi o grito pela continuidade da existência dos povos Maraguá e Munduruku e das comunidades ribeirinhas dessa parte da Amazônia.
A publicação divulgou trecho do depoimento de uma liderança maraguá (nome não divulgado) realizado durante o encontro: “Estamos ameaçados de morte, corremos riscos porque tem pessoas grandes envolvidas, mas não podemos parar porque se pararmos eles ficarão impunes e continuarão matando a gente”.
Cumpre destacar que o Grito dos Excluídos e Excluídas é uma realização da Igreja Católica em conjunto com movimentos sociais que acontece todos os anos no mês de setembro, desde 1995. Em Manaus, foi organizado pelas Pastorais Sociais da Arquidiocese de Manaus e a Caritas Arquidiocesana de Manaus.
Em abril de 2023, a PF indiciou dois ex-integrantes da cúpula da segurança do Amazonas por envolvimento nos crimes ocorridos no rio Abacaxis: o ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas, coronel Louismar Bonates, e o coronel da PMAM Airton Ferreira do Norte. De acordo com notícia de Alexandre Hisayasu, da Rede Amazônica, republicado pelo G1 (28/04/2023), a PF concluiu que o então secretário usou o cargo para ordenar e viabilizar uma operação policial, “determinando execuções sumárias, torturas e outros crimes hediondos” (Hisayasu, 2023).
Bonates foi indiciado pelos crimes de homicídio, tortura, associação criminosa, cárcere privado, obstrução, entre outros delitos. A PF também indiciou o coronel Airton Norte pelos mesmos crimes. A PF ainda investigava cerca de 130 policiais, entre civis e militares, suspeitos de participar das ações.
Após o anúncio dessa ação da PF, houve a publicação de uma Nota Pública em tom de denúncia e esperança. “Reconhecemos a relevância destes indiciamentos por entender que a mão da Justiça começa a tocar as comunidades desta região, depois de tanto sofrimento presente nos corpos, na alma e na memória de quem viveu este massacre”.
Assinada em 17 de maio de 2023 pelo Coletivo Pelos Povos do Abacaxis, a nota, na íntegra, está disponível aqui: https://shre.ink/gTSX.
Apesar do caráter esperançoso proferido no documento, o manifesto denunciava a existência de uma “manobra maliciosa” para retirar o delegado Umberto Ramos da PF da condução do inquérito do massacre do rio Abacaxis. Segundo Gabriel Abreu, da Agência Cenarium (28/08/2024), Ramos assumiu a gestão em março de 2023.
“Os primeiros indiciamentos mostram que uma equipe capacitada e comprometida está acompanhando esta questão tão complexa. É importante que toda sociedade saiba que na investigação – que já dura quase três anos – houve rotatividade de seis delegados, diversos juízes e, na semana seguinte após a reportagem que anunciou o indiciamento do ex-secretário de segurança e do ex-comandante da polícia militar, houveram (sic) rumores da existência de uma manobra maliciosa para retirar o atual delegado da condução do inquérito, delegado este que também preside o inquérito do duplo homicídio de Bruno Pereira e Dom Phillips. Repudiamos e denunciamos as manobras que objetivam esvaziar a continuidade da investigação e privilegiar a impunidade e a injustiça. Como Coletivo que acompanha o caso desde o início, clamamos ao Ministério da Justiça e à Polícia Federal que mantenha a equipe atual nas investigações, forneçam todas as condições para que sigam com seus trabalhos, para que as investigações sejam finalizadas com o indiciamento de todos os envolvidos, sem novas interferências e com imparcialidade, até a sua conclusão” (Coletivo Pelos Povos do Abacaxis, maio de 2023).
A título de complementação, o Coletivo Pelos Povos do Abacaxis é integrado pelas seguintes organizações: Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro Residentes em Manaus (Amarn); Casa da Cultura do Urubuí (Cacuí); CPT-AM e Nacional; Cimi; Conferência dos Religiosos (as) do Brasil Regional Amazonas e Roraima (CRB-AM/RR); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Espaço Feminista URI HI; Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (Foreeia); Fórum Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM); Frente Amazônica de Mobilização e Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI); Laboratório Planejamento e Gestão do Território na Amazônia (Dabukuri); Movimento de Mulheres Negras da Floresta (Dandara); Organização de Mulheres Indígenas Mura de Autazes (Omim); Organização de Lideranças Mura de Careiro da Várzea (OLMCV); Rede um Grito pela Vida e Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares).
Em menos de um mês após a PF ter indiciado os coronéis Louismar Bonates e Ayrton Ferreira do Norte pelos crimes no rio Abacaxis, em maio de 2023, o então governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), condecorou os dois “como prova do reconhecimento das suas qualidades e valores” – segundo reportagem do Amazonas Atual (26/05/2023). O governador concedeu aos dois e a mais 12 oficiais da PMAM a medalha comemorativa do aniversário da PM do Amazonas. Também receberam o prêmio oito oficiais das Forças Armadas e 50 autoridades civis, entre as quais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em 05 de junho de 2023, a PF fez uma operação em Nova Olinda do Norte para cumprir mandados contra envolvidos no caso do rio Abacaxis. De acordo com Alexandre Hisayasu, da Rede Amazônica (05/06/2023), o hotel, supostamente usado por policiais militares para torturar uma das vítimas, e uma casa, que pertencia ao mesmo empresário do hotel, foram alvos dos agentes. Segundo o Jornal do Amazonas (s.d), o referido hotel chama-se Jardim Paiva Hotel.
A investigação concluiu que o proprietário do local entregou aos agentes imagens adulteradas de câmeras de segurança, que não mostravam imagens daquele período e nem as agressões. A PF apreendeu todos os discos rígidos (HDs) dos computadores do hotel e esperava recuperar as imagens. Ao todo, o judiciário expediu sete mandados de busca e apreensão. Entre os alvos estavam empresários do hotel e um advogado suspeito de participar de uma possível farsa nas imagens de câmeras de segurança. A reportagem não divulgou os nomes dos suspeitos.
Sob o tema “Haverá Justiça e Reparação?”, o Laboratório Planejamento e Gestão do Território na Amazônia (Dabukuri), vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (Degeog/Ufam), realizou em agosto de 2023 um evento para debater e divulgar a memória do massacre ocorrido no rio Abacaxis, bem como para realizar atualizações sobre o andamento dos procedimentos investigatórios.
De acordo com Steffanie Schmidt, colaboradora do Cimi Regional Norte I (03/08/2023), o evento reuniu autoridades e representações da sociedade civil organizada, tal como o representante da PF, delegado Jonathas Simas; a coordenadora geral de Prevenção de Conflitos no Campo e na Cidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Daniela Reis; e o membro do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Marcelo Chalré.
Na ocasião, Paulo Barausse, padre jesuíta e membro do coletivo que participou das escutas junto à comunidade na época do massacre, disse que o fato de a PF ter indiciado duas pessoas mostrava a existência de provas para acusar os indiciados. E completou: “O MPF se encontra em demora para apresentar a acusação e houve troca de procurador do caso.”
Naquele período (2023), o caso estava na 2ª Vara Criminal da Justiça Federal à espera da denúncia. Na Procuradoria do 9º Ofício, responsável pela parte Criminal, Controle Externo da Atividade Policial, além de Custos Legis Tributário e Custos Legis Previdenciário, o caso estava sem procurador responsável, conforme divulgado por Schmidt.
Pela primeira vez, a PF admitiu, publicamente, que o caso envolvia a investigação de 130 policiais, o que tornava o inquérito complexo e evidenciava a dimensão do envolvimento da estrutura de segurança pública. De acordo com o delegado federal Jonathas Simas, dezenas de pessoas poderiam ser indiciadas. Simas afirmou também que o inquérito estava em fase de finalização e que a conclusão poderia ocorrer ainda em 2023, mas por um novo delegado que seria designado para o caso.
Na mesma ocasião, um representante indígena do povo Munduruku denunciou: “Apareceram alguns drones e não sabemos a quem pertence ou por que estão ali, se é do governo ou da Policia Federal. As crianças, a gente, não têm mais liberdade de cair na água. Quando olhamos para cima, já pensamos que vão nos matar, que vamos morrer”.
O delegado da PF afirmou que desconhecia qualquer ação policial que envolvesse o monitoramento por meio de drones por parte da instituição, e sugeriu a formalização da denúncia, pois ele não era o responsável pelo caso. Sobre sua participação, ele explicou que coordenara a operação de apreensão de material de circuito de TV no Jardim Paiva Hotel, em Nova Olinda do Norte, conforme divulgado em outra reportagem de Steffanie Schmidt (08/08/2023).
O Coletivo pelos Povos do Abacaxis questionou o prazo dado pela PF para finalizar os trabalhos. Além disso, as organizações que acompanhavam o caso cobravam do MPF a denúncia à Justiça Federal contra os dois indiciados pela PF. Em reportagem de Wérica Lima, da Amazônia Real (17/08/2023), o Coletivo pelos Povos do Abacaxis afirmou: “Só falta agora a ação do Ministério Público Federal de denunciar essas pessoas para que aconteça o processo” – explicou uma das advogadas do Coletivo, que preferiu não se identificar por receber ameaças de morte ao prestar apoio às vítimas.
A advogada complementou: “O que poderia provocar um mandado de prisão seria a comprovação de que eles estariam ameaçando pessoas, testemunhas ou outras razões. E por que não foi pedido nenhum tipo de prisão para eles? Isso tudo porque são gente grande mesmo e em regra porque se responde a processo em liberdade. Essa é a regra, mas os pobres geralmente respondem presos, os ricos e poderosos respondem soltos e quase nunca vão presos”.
Naquele período (2023), a Procuradoria-Geral da República (PGR) era responsável pelo caso, mas o delegado Jonathas Simas afirmou que existia a possibilidade de pedir transferência para Procuradoria da República no Amazonas (PR/AM), com o objetivo de acelerar o processo. A PGR disse à Amazônia Real que o caso seguia tramitando em sigilo e por isso não era possível divulgar informações detalhadas.
Ainda de acordo com Wérica Lima, da Amazônia Real (17/08/2023), a população da região enfrentava também as consequências da grilagem, do tráfico de drogas, do garimpo ilegal e de ameaças de caçadores e pescadores ilegais. Conforme relatos, esse cenário de criminalidade ficou ainda mais intenso nas comunidades.
Segundo uma liderança ouvida pela reportagem, o rio Abacaxis seguia sendo saqueado: “Quando a Polícia Federal saiu do rio Abacaxis, eles prometeram que iam construir uma base para que se controlasse o tráfico, as invasões, mas até hoje foi só uma promessa” – ressaltou a liderança.
Um questionamento frequente era o motivo de a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), enviada pelo Ministério da Justiça para proteger os moradores, ter ficado na cidade de Nova Olinda do Norte e não na área ameaçada, onde aconteceu o massacre. De acordo com Daniela Reis, coordenadora geral de Prevenção de Conflitos no Campo e na Cidade do Ministério da Justiça, a presença da FNSP não supria a demanda por proteção nos conflitos.
Para ela, era preciso ir além da presença policial, incluindo estruturas políticas comunitárias e ações sociais que garantissem proteção duradoura. “A Força Nacional tem um caráter tão excepcional que não supre essa demanda de proteção complexa que a gente tem em diversos conflitos” – disse Reis à reportagem da Amazônia Real.
Outra reivindicação era sobre a construção da base móvel da Polícia Federal, bem como a indenização às vítimas e o acesso a acompanhamento psicológico: “Acho fundamental um acompanhamento psicológico dessas pessoas que sofreram torturas. É importante sempre frisar que não foram somente os mortos, mas torturas que ocorreram contra comunidades inteiras, sem excluir qualquer pessoa, desde bebês, crianças, até idosos, o que requer um apoio psicológico para que essas pessoas possam superar esses traumas vividos” – explicou Tiago Maiká, que trabalha com conflitos territoriais e é professor na Ufam.
Segundo Maiká, a luta do Abacaxis não deveria ser isolada por se tratar de violações cometidas por órgãos públicos: “Esse caso é um divisor de águas. Se a gente consegue dar uma resposta e afastar pessoas que têm utilizado a instituição pública para o cometimento de crime, a gente consegue dar um salto de qualidade no serviço de segurança que é oferecido no Estado do Amazonas” – ressaltou o professor da Ufam.
Entre os dias 16 e 19 de abril de 2024, membros do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) visitaram a região do rio Abacaxis e, após averiguação, pediram providências imediatas do poder público. Em entrevista a jornalistas em Manaus, Maria Dermamm, então presidente do CNDH, disse que o cenário era de abandono, insegurança e medo na região do rio Abacaxis, e sugeriu a inclusão de algumas vítimas que estavam sendo ameaçadas no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita).
A comitiva que acompanhou o CNDH foi composta por sua presidenta, Marina Dermmam; pelo conselheiro do órgão que representa a Apib, Junior Pankararu; os relatores Marcelo Chalréo e Daniel Maranhão Ribeiro; José Roberto Tambasco, da Defensoria Pública da União (DPU); bem como por representantes do MPF, PF, da Ufam e da sociedade civil.
O CNDH divulgou uma nota pública com o resumo da expedição, relatando que os comunitários denunciaram “graves ameaças à vida de defensoras e defensores de direitos humanos, bem como compartilharam a dor e angústia predominante na região por falta de respostas e impunidade”. E o conselho complementou: “Os modos de viver tradicionais e ancestrais amazônicos estão ameaçados por garimpos ilegais, pesca e caça ilegais e exploração ilegal de madeira e o tráfico de drogas, que, além de esbulharem a terra, as águas e as florestas e delas sugarem todas as suas riquezas, ameaçam quem defende os territórios e os povos que nela vivem e sobrevivem”. O documento na íntegra está disponível aqui: https://shre.ink/g2AL.
De acordo com publicação de Felipe Campinas, do Amazonas Atual (22/04/2024), as lideranças também relataram para o CNDH uma série de situações que envolviam a falta de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, regularização territorial, segurança, trabalho e economias comunitárias. De acordo com Maria Dermamm, as investigações no âmbito criminal estavam paradas e continuavam em segredo de justiça.
A situação seria a mesma na esfera cível para reparação e indenização das vítimas e coletivos afetados. José Roberto Tambasco, que também integrou a viagem ao rio Abacaxis, afirmou que a Defensoria Pública da União (DPU) avaliava a possibilidade de ajuizar ações cíveis para obrigar o pagamento de pensão por morte aos familiares e reparações cíveis por danos.
Em abril de 2024, a PF também esteve na região do rio Abacaxis para dar seguimento às investigações, segundo notícia veiculada pelo G1/AM (24/04/2024). Um representante da PF, não identificado, declarou ao portal G1: “Pretende-se congregar esforços institucionais e sociais que produzam um espaço de articulação intersetorial e interfederativa para que se crie uma agenda de trabalho de mediação de conflitos e de fortalecimento de políticas públicas territoriais e sociais, voltadas às comunidades tradicionais da região”.
Após a visita da CNDH, a DPU relatou que estava providenciando a expedição da certidão de óbito de um indígena munduruku e de um ribeirinho assassinado, bem como as Certidões de Exercício de Atividade Rural dos indígenas (Cear) junto à Funai para compor o requerimento das pensões pós-morte devidas aos familiares junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
De acordo com Steffanie Schmidt, do portal O Varadouro (08/05/2024), outras providências, como o cadastramento do CPF de um dos indígenas assassinado, acompanhamentos da demarcação do território indígena Maraguá na Funai e da titulação dos Projetos de Assentamento Agroextrativistas Abacaxis I e II, além de medidas de proteção às comunidades indígenas e ribeirinhas a serem propostas ao Ministério da Justiça, também estavam sendo acompanhadas pela DPU.
A reportagem de Steffanie Schmidt, em maio de 2024, retrata que o massacre mudou a rotina de ribeirinhos e indígenas e a relação deles com o rio Abacaxis. “Em algumas comunidades, a população reduziu à metade” – afirmou a presidente do CNDH, Marina Dermmam, para a reportagem. As consequências da desestruturação atingiram famílias que vinham perdendo, inclusive, o direito ao programa Bolsa Família.
“Após o massacre, a população foi condenada a um completo abandono, com acesso precário à educação, à saúde… vacinas não chegam às comunidades e crianças e indígenas estão sendo desligadas de programas sociais do governo federal. (…) A gente acredita que o Estado cometeu um crime e o massacre continua. É uma ação que vai, mata, tortura e depois abandona a comunidade à própria sorte.” – completou Dermmam.
Diante da aproximação dos quatro anos do “Massacre do rio Abacaxis”, o Coletivo pelos Povos do Abacaxis, formado por diversas organizações da sociedade civil do Amazonas, se reuniu em 29 de maio de 2024, na Faculdade de Estudos Sociais (FES) da Ufam em Manaus, com o objetivo de elaborar um pedido formal conjunto à PF, MPF e ao Judiciário Federal solicitando providências em relação ao massacre, a quebra do sigilo da investigação, bem como a resposta da apuração do crime e punição aos criminosos.
De acordo com um trecho da Nota Pública, divulgada pela CPT (30/05/2024):
“Esse episódio cadavérico permanece em contínua invisibilidade coletiva. As constantes Notas sobre o Massacre, protestos, reivindicações por parte de representatividade dos Povos Originais da Amazônia, Instituições/Coletivos Religiosos/Sociedade Civil e dos Povos do Rio Abacaxis e da sociedade Amazonense e Brasileira, receberam apenas coletivas de imprensa após cada visita por parte da Equipe de Investigação, quando volta das visitas investigativas aos Povos do Rio Abacaxis e sempre alegam que tudo está em segredo de justiça. (…) Para a apuração e punição dos criminosos desse massacre, se tem claro quem ordenou a operação: a secretaria das forças de segurança do Amazonas, o comandante da operação e os 50 policiais executores da operação desdobrada em massacre. O que falta para a Justiça Estadual e Federal Brasileira dar visibilidade coletiva desse Massacre do Rio Abacaxis à sociedade brasileira e punir os culpados? O fato de ter sido executado pela ação da Polícia Militar do Amazonas não se justifica”.
Em julho de 2024, a Justiça Federal da 1ª Região, por meio do Processo Judicial Eletrônico, divulgou documento da Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF em face da União, do estado do Amazonas e da Funai, requerendo a condenação desses ao pagamento de indenização e ao cumprimento de obrigações, em decorrência de ações e omissões que resultaram em “diversas violações de direitos humanos em desfavor dos moradores de comunidades indígenas e ribeirinhas localizadas na região do rio Abacaxis”.
Mais especificamente, a ACP solicitava medidas em favor de: 1) Aldeia do Laguinho do Bem Assim, localizado na Terra Indígena Kwatá-Laranjal (demarcada); 2) Aldeias Terra Preta, São José e Aldeia Mereré, do Povo Maraguá (área não demarcada – território indígena pretendida em sobreposição ao Projeto Agroextrativista Abacaxis); 3) Comunidade Monte Horebe, localizada dentro do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Abacaxis, em Borba/AM; 4) Comunidade Camarão; 5) Comunidade Curva do Vento/Nova União , localizadas dentro do PAE Abacaxis, em Borba/AM; e 6) Comunidade Santo Antônio do Lira, dentro do PAE Abacaxis II, em Nova Olinda do Norte/AM (MPF, 2024).
A partir do depoimento de diversas testemunhas do massacre, a ACP descreveu um relato minucioso sobre os fatos ocorridos desde 2020 e apurou a continuidade da omissão da União após o conflito até os dias atuais [2024]. Trecho do documento revela: “Assim, a União, além de não ter agido para impedir a ação da Polícia Militar, que ficou na região de 03/08/2020 até 25/08/2020, permaneceu omissa no período seguinte ao massacre, não tendo implementado ações de segurança a fim de evitar novos ataques, inclusive de criminosos que igualmente habitam a região (traficantes, garimpeiros, madeireiros etc)” (MPF, 2024, p. 17).
Sobre a competência da Justiça Federal para apreciar o caso, o MPF defendeu:
“As comunidades atingidas são indígenas e comunidades tradicionais residentes em projetos de assentamento federais (PAE ABACAXIS), o que também atrai a competência da Justiça Federal e o interesse da União. Os atos da polícia estadual e omissões dos órgãos federais aqui narrados importaram em graves danos e consequências ao modo de vida coletivo das populações indígenas Munduruku e Maraguá, bem como aos ribeirinhos do PAE. Ademais, a própria omissão da União e da FUNAI atraem a competência da Justiça Federal para julgar os fatos” (MPF, 2024. p. 21-22).
A ACP teve como objetivo a responsabilização estatal, não individual, e versou sobre direitos coletivos. Ou seja, não se tratava apenas de indenização para vítimas individualmente consideradas, mas sim de reparação por danos coletivos, com o objetivo de compensar, por meio da obrigação de pagar e de obrigações de fazer, as comunidades atingidas coletivamente. Ante o extenso relato exposto da ACP, entre outras medidas, o MPF requereu:
“A condenação do estado do Amazonas, da União e da FUNAI ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, solidariamente, em decorrência dos danos causados pelas violações, por ação e omissão, respectivamente, dos direitos à vida, à incolumidade física, ao devido processo legal, à segurança, à saúde, ao direito de não ser torturado, ao direito a vedação do desaparecimento forçado, no valor mínimo de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), devendo obrigatoriamente ser utilizado em ações que beneficiem as comunidades do local atingido pelo massacre; (…) O reconhecimento público da responsabilidade pelo massacre, por parte da União, da FUNAI e do Estado do Amazonas, através de divulgação da sentença em jornal de circulação nacional.” (MPF, 2024, p. 40).
O MPF, por meio desta ACP, propõe a condenação da União, da Funai e do Estado do Amazonas, para compensação dos danos, na obrigação de implementar um plano de segurança territorial na região do Abacaxis, de modo integrado, e que fosse estruturado com a participação das populações indígenas e tradicionais locais, a partir de uma perspectiva intercultural, para atender as especificidades da área.
Detalhadamente, o MPF requereu a condenação da União para:
“(…) compensação dos danos, na obrigação de fazer consistente na implantação de base fluvial de segurança na região do rio Abacaxis, conforme Dec. 11.614/2023; c.5) A condenação da União, para compensação dos danos, na obrigação de fazer consistente na construção de um planejamento de assistência à saúde e psicossocial perene às vítimas indígenas do massacre do Abacaxis, com objetivos, metas, ações locais e cronograma de execução, através de diálogo intercultural e interssetorial, incluindo capacitação dos agentes de saúde dos DSEIS [Distrito Sanitário Especial Indígena] no âmbito das EMSI [Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena] para manejo dos agravos de saúde mental específicos das comunidades indígenas vítimas do massacre, vigilância epidemiológica em saúde mental, planejamento das ações com participação das comunidades e monitoramento de indicadores de saúde mental e bem viver” (MPF, 2024, p. 41).
No que tange ao cumprimento dos deveres do estado do Amazonas, o MPF descreve:
“c.6) A condenação do estado do Amazonas na obrigação de fazer consistente na instalação obrigatória de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos; c.7) A condenação do estado do Amazonas na obrigação de fazer consistente no fornecimento de cursos obrigatórios periódicos aos policiais militares sobre redução da letalidade policial e direitos humanos”.
O documento da ACP foi assinado pela procuradora da República, Janaina Gomes Castro e Mascarenhas, datado em 22 de julho de 2024, e está disponível aqui: https://shre.ink/g2zG.
Os quatros anos do massacre do rio Abacaxis foram relembrados em um seminário realizado, nos dias 08 e 09 de agosto de 2024, pelo Grupo de Pesquisa Dabukiri e pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEOG) da Ufam. O evento contou com a participação de lideranças de comunidades indígenas e ribeirinhas. Marcado por debates com representantes da sociedade civil, MPF, DPU e CNDH, o Seminário “Massacre do Rio Abacaxis e Mari-Mari: Memória e luta por justiça!” registrou o quarto ano sem respostas concretas das autoridades às vítimas e para com a sociedade.
De acordo com a CPT (21/08/2024), segundo o procurador Fernando Merloto Soave, que atuava no ordenamento fundiário e pesqueiro do caso pela 6ª Câmara do MPF, os próximos passos do seu trabalho, como resultado do Seminário, seriam marcar uma reunião com o Incra, Funai, ribeirinhos e indígenas para alinhar a regularização fundiária, intimamente ligada a invasões e turismo ilegal.
Presente no Seminário, Janaina Mascarenhas explicou a natureza da indenização de 20 milhões de reais, solicitada na ACP. “Quando o Estado ou a União, algum ente público comete uma violação de direitos, ele precisa reparar e essa reparação ela pode se dar de várias formas. A forma mais simples é a reparação pecuniária, ou seja, eu violei o seu direito e eu vou te pagar um valor X por essa por essa violação” – disse a procuradora da República.
O Manifesto “Um ato de covardia da polícia e do Estado do Amazonas para não esquecer”, lido durante o encontro, ressalta a falta de confiança das famílias no Estado, e chama de “arsenal humano de guerra do Estado” as forças policiais utilizadas contra as comunidades ribeirinhas e indígenas do rio Abacaxis. O Manifesto está disponível aqui https://shre.ink/g2RA.
O documento destaca um resumo das investigações que foram divulgadas na ACP:
“Essa operação policial na região do Rio Abacaxis e Mari-Mari culminou em diversas formas de violações de direitos humanos, dentre as quais destaca-se da ação civil pública: a condução forçada, violação ao direito ao devido processo legal e tortura do então presidente da Associação Nova Esperança do Rio Abacaxis (ANERA); na execução dos indígenas Josimar Moraes Lopes e Josivan Moraes Lopes, indígenas do Povo Munduruku, moradores da Aldeia Laguinho do Bem Assim, localizada na Terra Indígena Coatá Laranjal; na violação de domicílio, ameaças, violação ao direito ao devido processo legal e liberdade de ir e vir dos moradores da Comunidade Monte Horebe, localizada no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Abacaxis II; na execução de três ribeirinhos (Vandrelânia de Souza Araújo, Matheus Cristiano de Souza Araújo e Anderson Barbosa Monteiro) e no desaparecimento forçado de Admilson Silva dos Santos (conhecido como Macaco) da mesma comunidade; na violação de domicílio, ameaças, violação ao direito ao devido processo legal e liberdade de ir e vir dos moradores da Comunidade Curva do Vento; nas ameaças e tortura de três pessoas da mesma comunidade; na violação de domicílio, ameaças, violação ao direito ao devido processo legal e liberdade de ir e vir dos moradores da Comunidade Camarão; na tortura de uma pessoa da mesma comunidade; na violação e destruição de domicílios, violação ao direito ao devido processo legal, liberdade de ir e vir e direito de praticarem seus modos de vida tradicionais do Povo Maraguá, moradores das Aldeias Mereré, da Aldeia Terra Preta e da Aldeia São José; na violação de domicílios, violação ao direito ao devido processo legal, ameaças aos moradores da comunidade Santo Antônio do Lira, na execução de Eligelson de Sousa Nogueira e na tortura de pessoas da mesma comunidade.” (Manifesto Massacre do Abacaxis, 2024).
Em 26 de agosto de 2024, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) manifestou, por meio de Nota à Imprensa, preocupação com as mudanças ocorridas na PF no Amazonas e nos inquéritos que investigavam crimes ambientais e violação aos direitos humanos na região. Dentre as investigações, a organização citou o caso do rio Abacaxis. Trecho da nota revela:
“…recebemos com extrema preocupação a redistribuição dos inquéritos que estavam sob a presidência do delegado que investiga o massacre no Rio Abacaxis, em que autoridades do alto escalão amazonense estão sob investigação. (…) A redistribuição do inquérito a outro delegado só prejudica as investigações que avançam com a possível elucidação dos crimes e têm como alvos, possivelmente, autoridades amazonenses que dão sustentação às práticas criminosas no Estado…” (Univaja, 2024).
Sobre essa manifestação, de acordo com reportagem de Camila Bezerra, republicada pelo Instituto Humanitas Unisinos (28/08/2024), desde março de 2023, o delegado Umberto Ramos Rodrigues chefiava a superintendência da PF amazonense e, com a mudança, quem passou a responder pela região foi o delegado Paulo Garrido Pimentel. Segundo a publicação, para os povos originários, a mudança causou extrema preocupação, tendo em vista a redistribuição de inquéritos que estavam sob o acompanhamento do delegado, entre eles as investigações do caso do rio Abacaxis em questão, bem como os casos Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips e do colaborador da Funai, Maxciel Pereira dos Santos, assassinado em setembro de 2019, na região da TI Vale do Javali.
Em Nota, a Univaja questiona o porquê das mudanças, reforça preocupação com as alterações na PF no Amazonas e provoca uma manifestação do Ministério da Justiça sobre o fato em questão. O documento encontra-se disponível aqui: https://shre.ink/gcB4.
Por meio da decisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em setembro de 2024 aconteceu mais uma mudança significativa que envolvia o andamento deste caso. Segundo a Nota Pública assinada por movimentos indígenas e indigenistas do Amazonas e demais organizações da sociedade civil, estas manifestaram preocupação com a redistribuição de Inquéritos Policiais que apuravam os mesmos casos citados acima. Segundo a Nota (27/09/2024), houve a transferência dos inquéritos que tramitavam em Brasília para a Superintendência da PF no Amazonas e a retirada do delegado Francisco Vicente Badenes Júnior e de sua equipe do comando das investigações.
O documento esclarecia que, desde o fato ocorrido no rio Abacaxis, houve a troca constante de delegados, sendo Badenes Júnior o sexto a atuar no caso. No entanto, segundo o mesmo documento, foi justamente sob a coordenação dele que se verificaram avanços nas investigações, tal como o indiciamento de dois coronéis da segurança pública do Amazonas. Trecho da nota dizia:
“Neste momento de angústia e incerteza, reiteramos a importância de um olhar diferenciado sobre o tema. Requeremos, publicamente, que o Ministério da Justiça e Segurança Pública promova a revisão da decisão tomada. Entendemos como fundamental que se assegure a manutenção dos inquéritos em Brasília e o retorno do delegado Badenes Júnior à frente das investigações, junto com sua equipe, e que lhe seja concedida toda a estrutura possível para finalizar os casos e enviá-los para o processamento e julgamento pela Justiça. Em nome da idoneidade do processo investigatório, avaliamos que a continuidade do delegado natural do caso é fundamental para a imparcialidade, a independência, efetividade e eficácia das investigações criminais, assegurando que o trabalho seja realizado de forma contínua e transparente”.
Por fim, os coletivos que assinaram a Nota Pública ressaltaram que a transferência dos inquéritos que tramitavam em Brasília para a Superintendência da PF no Amazonas e a retirada do delegado Francisco Vicente Badenes Júnior, sem despacho fundamentado e sem nenhuma motivação expressa, lançava sombras sobre o real motivo dessas mudanças e fazia crer numa possível “interferência política”.
Deve-se esclarecer que, segundo divulgado no artigo de Gabriel Vilardi, no blog Combate Racismo Ambiental (14/10/2024), o caso do rio Abacaxis foi levado à capital federal para permitir que as investigações fossem efetivas e seguissem sem ameaças ou perseguições de qualquer tipo. Na visão de Vilardi, caberia ao diretor-geral da PF e ao seu chefe na época, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, darem explicações sobre o ocorrido: “Caso contrário, a situação dará ensejo para que se acredite na tese de que políticos influentes do estado estão negociando com o governo federal a obstrução das investigações, para assegurar que o massacre siga impune” (Vilardi, 2024).
Atualização: fevereiro de 2025
Cronologia
2018 – Inicia-se o processo de ordenamento territorial e pesqueiro dos Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) Abacaxis I e II, com o acompanhamento do Ministério Público Federal (MPF).
2019 – É celebrado um termo de compromisso entre o povo indígena Maraguá e assentados, regulando provisoriamente o uso da área para o turismo de pesca esportiva.
Fevereiro de 2020 – O MPF reúne membros das comunidades indígenas e tradicionais para dar continuidade à construção de termo de compromisso e do Plano de Utilização dos PAEs Abacaxis I e II.
24 de julho de 2020 – O ex-secretário executivo do Fundo de Promoção Social do governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, entra com um grupo de pessoas na região do rio Abacaxis para a realização de pesca esportiva. Membros das comunidades realizam ação de fiscalização e o representante do governo estadual, de acordo com relato do próprio em boletim de ocorrência, é ferido no braço.
03 de agosto de 2020 – A Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM) envia policiais do Comando de Operações Especiais (COE) e do Batalhão Ambiental da Polícia Militar (BPAmb) para operação na região do rio Abacaxis. Dois policiais são mortos em suposto confronto com traficantes.
03 de agosto de 2020 – Lideranças do povo Maraguá denunciam ao MPF que foram cercados por homens armados que buscavam “o cara que deu o tiro”, e que supostos turistas a bordo de uma lancha dispararam tiros contra os moradores da aldeia Lago Grande.
04 de agosto de 2020 – Por conta da morte dos policiais, a SSP-AM organiza uma operação no rio Abacaxis, com cerca de 50 policiais, incluindo o comandante da Polícia Militar do Estado do Amazonas (PMAM). Na ocasião, são assassinados um indígena e três ribeirinhos. Os corpos do casal Anderson Monteiro e Vanderlania Araújo e do adolescente Matheus Araújo são encontrados dias depois na beira da aldeia Terra Preta.
05 de agosto de 2020 – Um grupo de indígenas do povo Munduruku, utilizando pequenas embarcações, sai da aldeia Laguinho em direção à cidade de Nova Olinda do Norte/AM. Uma embarcação, que transportava dois jovens, desaparece.
06 de agosto de 2020 – O MPF aciona a Justiça Federal e solicita que a Polícia Federal (PF) investigue as circunstâncias da operação policial organizada pela SSP/AM.
07 de agosto de 2020 – É encontrado o corpo de Josimar Moraes, mas seu irmão, Josivan, continua desaparecido. Indígenas Munduruku pedem apoio do MPF para investigar a morte e o desaparecimento dos jovens.
07 de agosto de 2020 – A Justiça Federal defere pedido de liminar feito pela Defensoria Pública da União no Amazonas (DPU/AM) e pelo MPF, determinando a imediata ação da PF no caso.
09 de agosto de 2020 – A PF envia equipe ao município de Nova Olinda do Norte.
11 de agosto de 2020 – É publicada no Diário Oficial do estado do Amazonas (DOAM) a exoneração de Saulo da Costa do seu cargo público.
12 de agosto de 2020 – O MPF recebe denúncias de novos tiroteios na região do rio Abacaxis; crianças teriam sido baleadas quando viajavam com familiares em uma embarcação.
14 de agosto de 2020 – 30 agentes da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) se unem ao contingente da PF para reforçar a segurança na região do rio Abacaxis.
17 de agosto de 2020 – É divulgado um manifesto assinado por mais de 50 instituições sobre as violências cometidas contra comunidades tradicionais e os povos indígenas Maraguá e Munduruku.
18 de agosto de 2020 – A Procuradora-Geral de Justiça do Amazonas (PGJ/AM) anuncia que o Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) deslocou para Nova Olinda do Norte uma equipe do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para dar início ao trabalho de inteligência.
20 de agosto de 2020 – Após o pedido realizado pela DPU/AM, a Justiça Federal determina a suspensão imediata da operação policial realizada pela SSP/AM na região do rio Abacaxis.
Entre os dias 21 e 24 de agosto de 2020 – Comitiva formada por representantes de organizações sociais visita comunidades do rio Abacaxis e reúne outras denúncias de ilegalidades e abusos perpetrados pelas forças policiais amazonenses.
28 de agosto de 2020 – É lançada uma nova nota oficial, dessa vez assinada por 53 organizações, em apoio às investigações aos crimes cometidos no rio Abacaxis.
Novembro de 2020 – O procurador-Geral da República, Augusto Aras, cria força-tarefa para atuar nas investigações do caso; a previsão era de que os trabalhos se estendessem até outubro de 2021.
Fevereiro de 2021 – É lançada a Campanha da Quaresma de 2021 pela Igreja Católica, e frei Betto direciona as doações aos grupos tradicionais e indígenas envolvidos nos conflitos na região do rio Abacaxis.
Junho de 2021 – O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) atende ao pedido do MPF e determina o cumprimento da decisão sobre medidas de proteção dos indígenas e populações tradicionais, sem a presença da PMAM.
03 e 04 de agosto de 2021 – Acontece o seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: Haverá Justiça?”, evento organizado pela Arquidiocese de Manaus, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação (Sares) e Articulação das Pastorais do Campo.
04 de agosto de 2021 – O Vaticano lança nota cobrando medidas de proteção aos povos da região e conclusão nas investigações dos conflitos no rio Abacaxis.
26 de outubro de 2021 – O Senado Federal, por meio Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, lança o relatório final da Comissão, que tratou também do impacto da pandemia nos povos indígenas e da ocorrência de crimes contra a humanidade praticados durante o governo de Jair Bolsonaro.
Janeiro de 2022 – O Cimi apresenta relatório ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (CDH/ONU) denunciando o aumento da violência contra os povos originários no Brasil; o massacre do rio Abacaxis é um dos exemplos concretos citados.
28 de fevereiro até 1º de abril de 2022 – Ocorre a 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH 49) da ONU, com o objetivo de revisar os informes sobre diversas questões de direitos humanos; o caso do rio Abacaxis é citado.
11 de março de 2022 – Acontece a intervenção de Jair Maraguá, liderança do povo Maraguá, durante a 49ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH 49) da ONU denunciando o massacre ocorrido na região do rio Abacaxis.
Junho e julho de 2022 – Ocorre a 50ª sessão ordinária do CDH/ONU e o Cimi denuncia a violência contra os povos do rio Abacaxis.
Agosto de 2022 – O MPF cobra a adoção de medidas concretas por parte de órgãos públicos das três esferas de poder para resguardar povos indígenas e comunidades tradicionais afetados pelo conflito no rio Abacaxis.
05 de agosto de 2022 – 37 organizações da sociedade civil publicam a “Carta denuncia: dois anos depois do massacre do rio Abacaxis comunitários vivem sob ‘lei de ameaça’” e exigem medidas de reparação e proteção das comunidades.
Setembro de 2022 – Indígenas e ribeirinhos participam do 28º Grito dos Excluídos, em Manaus/AM, pelos dois anos de impunidade dos crimes no rio Abacaxis.
Abril de 2023 – PF indicia o ex-secretário de segurança pública do Amazonas, coronel Louismar Bonates, e o coronel da Polícia Militar, Airton Norte, por envolvimento nos crimes ocorridos no rio Abacaxis. Ambos são indiciados pelos crimes de homicídio, tortura, associação criminosa, cárcere privado, obstrução, entre outros.
17 de maio de 2023 – Coletivo Pelos Povos do Abacaxis lança Nota Pública sobre os indiciamentos dos coronéis e denuncia a existência de uma “manobra maliciosa” para retirar o delegado da PF da condução do inquérito.
Maio de 2023 – O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), condecora os dois coronéis acusados pela PF, Louismar Bonates e Airton Norte, com prêmio de “reconhecimento das suas qualidades e valores”. Na ocasião, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) também é premiado com a mesma medalha.
05 de junho de 2023 – PF faz uma operação em Nova Olinda do Norte para cumprir sete mandados de busca e apreensão contra possíveis envolvidos no caso do rio Abacaxi.
Agosto de 2023 – Laboratório Planejamento e Gestão do Território na Amazônia (Dabukuri), vinculado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas (Degeo/Ufam), realiza evento para debater o caso do rio Abacaxis.
16 e 19 de abril de 2024 – Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) visita a região do rio Abacaxis, lança Nota Pública denunciando cenário de abandono na região e sugere inclusão de vítimas no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita).
Abril de 2024 – PF volta à região do rio Abacaxis e relata que pretende fazer uma articulação intersetorial e interfederativa para favorecer investigações.
Abril de 2024 – DPU providencia certidões de óbito e certidões de Exercício de Atividade Rural dos indígenas (Cear) junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para compor o requerimento das pensões pós-morte aos familiares das vítimas do rio Abacaxis.
29 de maio de 2024 – Coletivo pelos Povos do Abacaxis elabora Nota Pública solicitando providências ao massacre, a quebra do sigilo da investigação, bem como a resposta da apuração do crime e punição aos criminosos.
Julho de 2024 – Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelo MPF em face da União, do estado do Amazonas e da Funai requer a condenação destes ao pagamento de indenização e ao cumprimento de obrigações em favor das comunidades indígenas e ribeirinhas da região do rio Abacaxis.
08 e 09 de agosto de 2024 – Grupo de Pesquisa Dabukiri do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPgeo) da Ufam realiza o seminário “Massacre do Rio Abacaxis e Mari-Mari: Memória e luta por justiça!”
Agosto de 2024 – União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) manifesta preocupação com mudanças ocorridas na PF no Amazonas e nos inquéritos que investigam o caso do rio Abacaxis.
Setembro de 2024 – Movimentos indígenas e indigenistas do Amazonas e outras organizações da sociedade civil manifestam preocupação com a redistribuição de inquéritos policiais que apuravam o caso do rio Abacaxis, levando o inquérito do rio Abacaxis, que tramitava em Brasília, para a Superintendência da PF no Amazonas.
Fontes
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