Comunidades tradicionais de Chapada Gaúcha e norte de Minas lutam para sobreviver ao ecocídio e à ameaça de genocídio cultural dos povos do Cerrado
UF: BA, MG
Município Atingido: Chapada Gaúcha (MG)
Outros Municípios: Arinos (MG), Bonito de Minas (MG), Carinhanha (BA), Cônego Marinho (MG), Correntina (BA), Januária (MG), Montezuma (MG), Rio Pardo de Minas (MG), São Francisco (MG), Vargem Grande do Rio Pardo (MG)
População: Agricultores familiares, Apanhadores/as de flores, Aquicultores, Comunidades de Fecho e Fundo de Pasto, Comunidades urbanas, Extrativistas, Geraizeiros, Moradores do entorno de unidades de conservação, Mulheres, Pescadores artesanais, Povos indígenas, Quilombolas, Ribeirinhos, Trabalhadores informais, Trabalhadores rurais assalariados, Trabalhadores rurais sem terra, Vazanteiros
Atividades Geradoras do Conflito: Agroindústria, Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Carvoarias, Especulação imobiliária, Extrativismo comercial, Implantação de áreas protegidas, Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas, Pecuária, Políticas públicas e legislação ambiental, Transgênicos
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas, Inundações e enchentes, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Precarização/riscos no ambiente de trabalho
Danos à Saúde: Acidentes, Contaminação por agrotóxico, Contaminação química, Doenças mentais ou sofrimento psíquico, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças respiratórias, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal, Violência psicológica
Síntese
Apresentamos uma sistematização de alguns casos de conflitos ambientais situados no norte de Minas Gerais, com foco especial naqueles do município de Chapada Gaúcha, que envolvem diversos povos e comunidades tradicionais que passaram a se autorreconhecer como os “Sete Povos do Norte de Minas Gerais”.
Entre a sociodiversidade característica desse grupo, destacam-se indígenas dos povos Xakriabá e Tuxá, comunidades quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, catingueiros, veredeiros e apanhadores de flores. As comunidades locais sofrem um processo de desterritorialização que envolve tanto o contexto de privatização de terras por grandes cooperativas agrícolas que exportam monoculturas de eucalipto, pinus e outras, quanto a implantação de Unidades de Conservação (UC) de Proteção Integral, como o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (Parna GSV) e o Parque Estadual da Serra das Araras (Pesa).
No final da década de 1960 e início de 1970, um movimento nacional de incentivo político-econômico para a produção agropecuária e ocupação do Cerrado foi iniciado com bastante força pela ditadura militar vigente após 1964. Esses planos de desenvolvimento não foram construídos sob uma lógica justa, sendo executados em detrimento de outros modelos de reprodução social e de relação com a natureza já existentes no Cerrado.
Especificamente do município de Chapada Gaúcha, antiga Vila dos Gaúchos, dez famílias vindas do sul do País iniciaram a ocupação em 1976, após loteamentos feitos pela hoje extinta Fundação Rural Mineira Colonização e Desenvolvimento Agrário (Ruralminas). A década de 1970 também foi marcada pela chegada de duas empresas de silvicultura na região: Plantar S/A Reflorestamentos (Grupo Plantar) e a Adiflor Agro Comercial e Industrial Ltda, responsáveis por implantar monoculturas de eucalipto e pinus.
A geógrafa Marília Raiane Rodrigues Silva identificou, em suas pesquisas de 2021, uma preferência pelas áreas de chapadas, por serem altas e planas e vistas como ‘terreno fértil’ para empreendimentos agroindustriais do eucalipto. Posteriormente, nas décadas de 1980 e 1990, as regiões das veredas foram alvo de devastação.
As chapadas são usadas pelos camponeses para o extrativismo e a criação de gado à solta, também sendo consideradas regiões “caixas d´água” devido a suas características geológicas. De acordo com Melo (1997 apud Silva, 2021, p. 73), os topos das chapadas funcionam como verdadeiras áreas de recarga de aquíferos e contribuem para manter a perenidade de córregos e rios.
Já as veredas são tidas como reguladores do equilíbrio dos cursos d’água da região do Cerrado, sendo reconhecidas popularmente como “mãe das águas”. Sendo assim, as comunidades reivindicam a identidade das veredas como patrimônio da humanidade.
Juntamente com os conflitos em Chapada Gaúcha, surgem movimentos de apoio ao Cerrado e seus povos. Destaca-se, no ano de 2007, a criação do Instituto Cultural e Ambiental Rosa e Sertão; em 2010, a Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas começa a atuar a região; em 2014, inicia-se o projeto “O Caminho do Sertão – De Sagarana ao Grande Sertão: Veredas”; em 2016, surge a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado; e, em 2019, foi criada a Associação Central das Comunidades Veredeiras (Acever).
Em 2020, o projeto Ticcas (sigla de “Territórios e Áreas Conservadas por Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais e Locais”) Sertão Veredas-Peruaçu realizou a análise química das águas em Chapada Gaúcha e os resultados indicaram a contaminação por agrotóxicos em todas as amostras analisadas.
A partir do uso de cartografias sociais, o Ticcas realizou o cadastro de duas comunidades no projeto “Tô no Mapa”, mantido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto Sociedade, Populações e Natureza (ISPN) e pela Rede Cerrado, que consiste em um aplicativo desenvolvido para que povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares realizem o automapeamento de seus territórios.
Em setembro de 2021, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado peticionou ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP) a realização de uma Sessão Especial para julgar crimes de ecocídio e a ameaça de genocídio cultural dos povos do Cerrado. Em julho de 2022, o júri do TPP apresentou seu veredito e condenou pelos crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos o Estado brasileiro, governos nacionais e estrangeiros, além de entidades, órgãos e empresas nacionais e internacionais. Um dos casos julgados é relativo às comunidades veredeiras do norte de Minas Gerais.
As comunidades tradicionais do Norte de Minas também intensificaram suas articulações em eventos como o X Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em setembro de 2023, e o 3º Encontro Nacional Vozes e Práticas das Mulheres do Cerrado, em outubro do mesmo ano. Em 2024, durante o Encontro em Defesa das Águas e dos Povos Tradicionais, foi apresentando o Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa Fé das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais, produzido por veredeiros e quilombolas, conforme dispõe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
As comunidades tradicionais de Chapada Gaúcha e dos demais municípios do norte de Minas persistem, resistem e re-existem nas lutas diárias. Nesse processo, nascem dos territórios importantes movimentos de articulação, definição de pautas coletivas e unificação de lutas que os fortalecem na caminhada em busca dos direitos aos territórios tradicionais, amplificando a legitimidade política e visibilidade pública: “Os povos do Cerrado são como as águas: crescem quando se encontram” (Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, s.d).
Contexto Ampliado
“Sendo se diz, que minha terra representa o elevado reservatório, a caixa d’água, o coração branco, difluente, multivertente, que desprende e deixa para tantas direções, formadas em caldas as enormes vias – o São Francisco, o Parnaíba e o Grande que fazem o Paraná, o Jequitinhonha, o Doce, o Pardo, os afluentes para o Parnaíba, o Mucuri, o Amazonas, ou ainda – e que desde a meninice de seus olhos d’água, da descrição dos brejos e minadouros, e desses monteses riachinhos com subterfúgios, minha terra é doadora plácida” (Guimarães Rosa, 1986, p. 274).
Iniciamos este caso com um trecho de uma das mais importantes obras da literatura brasileira, o romance “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, cujo título expõe e consagra as singularidades e riquezas do Cerrado e de seus povos. O cenário do romance de Guimarães Rosa é o norte de Minas, mais especificamente, os cerrados das margens direita e esquerda do rio São Francisco.
O grande sertão e as veredas “são unidades indivisíveis enquanto prática de reprodução camponesa” – tal como entende o geógrafo brasileiro (in memoriam) Carlos Walter Porto-Gonçalves (2019, p.36). Ele complementa que o não reconhecimento da condição de posse real de uso comum por parte dos grupos sociais dos Cerrados, “as expõe ao risco de sobrevivência e, com isso, a própria reprodução dos Cerrados, haja vista que as grandes extensões territoriais preservadas desse bioma se encontram justamente nas áreas em posse real de uso dessas comunidades”.
Ao trazer inicialmente a poética de Guimarães Rosa e a visão política de um geógrafo sobre os Cerrados, elucidamos, sobretudo, seus contrastes: de um lado, o grande sertão, suas chapadas, veredas, veredeiros, gados à solta, alimentos, geraizeiros, medicinas naturais, caixas d´águas, buritis, quilombolas, rios, babaçu, indígenas, culturas, quebradeiras de coco-babaçu e tantos outros elementos da sua sociobiodiversidade. De outro lado, monocultura, privatizações, concentração de riqueza, violência no campo, poluição, ameaças, secas, desmatamento, jagunços, monetarização da natureza.
Esse cenário, permeado de contradições sociais e disputas de poder, revela inúmeros casos de conflitos socioambientais que merecem a devida atenção. Como afirma Porto-Gonçalves (2019): “não há defesa do Cerrado sem a defesa dos territórios dos povos dos cerrados”.
O autor contextualiza:
“A desconsideração da riquíssima diversidade cultural e biológica dos Cerrados por parte das elites econômicas, políticas e, até mesmo, acadêmicas, autorizou que, nesses últimos anos, mais do que os Cerrados, suas áreas fossem ocupadas pela expansão de um processo de (des)envolvimento agrário/agrícola com base na quincentenária monocultura empresarial de exportação, cujo impacto socioambiental pode ser observado de diversas formas: na violência contra seus ocupantes tradicionais; no acentuado êxodo rural com suas sequelas de perda de diversidade cultural; na degradação das condições ecológicas – erosão genética (diminuição acentuada da fauna e da flora); na perda acentuada de solos; no desequilíbrio hídrico (rios perenes que se tornam intermitentes ou, simplesmente, deixam de existir; enchentes e secas mais acentuadas); na contaminação de rios e lagoas pelo uso de agrotóxicos e, ainda, em uma extrema concentração fundiária, de poder e de riqueza” (Porto-Gonçalves, 2019, p. 07-08).
O agrônomo e geógrafo Carlos Eduardo Mazzetto Silva (1955-2012), cientista que dedicou seus estudos ao Cerrado e à cultura de seus povos, chamou a atenção para o “equívoco desta visão ecológica parcial e reducionista” na qual se baseia o “desenvolvimento” da região:
“O inimigo, entretanto, é o processo expropriador e homogeneizante do modelo monocultor exportador de expansão da fronteira agrícola que vai desterritorializando as populações e liquidando com o Cerrado-hábitat (agri-cultura) para a afirmação do Cerrado-mercadoria (agro-negócio)” (Mazzetto, 2006 apud Porto-Gonçalves, 2019 p. 14).
Esse contexto revela um fenômeno crescente nos inúmeros casos de conflitos socioambientais no Cerrado, que, por sua vez, precisam ser sistematizados, analisados e publicizados, o que implica reconhecer que ali existe uma sociobiodiversidade que tende a se enfraquecer enquanto cresce um modelo de desenvolvimento pautado no avanço da fronteira agrícola e em medidas de preservação ambiental que excluem a dimensão social e cultural da natureza.
Outros casos no Cerrado foram analisados no Mapa de Conflitos e estão disponíveis no link a seguir: https://shre.ink/buk3. Ademais, apresentamos uma sistematização de casos de conflitos situados no norte de Minas que envolvem diversos povos e comunidades tradicionais como veredeiros, vazanteiros, geraizeiros, caatingueiros, quilombolas, indígenas, extrativistas, apanhadores de flores sempre-vivas, pescadores artesanais, sendo mais especificamente no município de Chapada Gaúcha que possui povos em luta: “Mexeu com a água, mexeu com eles” – conforme afirma Damiana Campos, do Instituto Rosa e Sertão.
Em busca de uma compreensão mais fidedigna sobre o conflito nesta região, seguimos a orientações do Carlos Walter Porto-Gonçalves ao dizer: “É preciso ouvir os Povos dos Cerrados, tal como o fez Guimarães Rosa!” Nesse caminho, a equipe deste Mapa de Conflitos entrevistou (entre maio e junho de 2022) Silvina Rodrigues Teixeira, comunitária, presidente da Associação Quilombola Santa Thereza do Buraquinho; Damiana Campos, do Instituto Cultural e Ambiental Rosa e Sertão; Jaime Alves dos Santos, presidente da Associação Central das Comunidades Veredeiras (Acever); e a pesquisadora Marília Raiane Rodrigues Silva, do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (PPgeo/UFMG).
Ao deliminar um recorte para o município de Chapada Gaúcha, que se localiza na margem esquerda do rio São Francisco, região norte de Minas, Lima (2014, p. 103) constata que as comunidades locais sofrem um processo de desterritorialização que envolve tanto o contexto de privatização de terras por grandes cooperativas agrícolas que exportam monoculturas (soja, capim, gado etc), quanto a implantação de Unidades de Conservação (UC) de Proteção Integral estaduais e federais.
A princípio, as UCs se apresentaram como instrumento para conter a expansão da soja e das carvoarias; no entanto, em se tratando de áreas de preservação integral, essa modalidade escolhida passou a impedir formas tradicionais de uso do território e, segundo Martins (2011 apud Lima, 2014), as atividades habituais das populações locais (como o cultivo em áreas devolutas) foram proibidas, e a queima dos gerais para a solta do gado, criminalizada, ocasionando conflitos com os órgãos de gestão ambiental, sendo eles: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e Instituto Estadual de Florestas do Estado de Minas Gerais (IEF-MG).
Sobre as UCs, estamos tratando, neste caso, do Parque Nacional Grande Sertão Veredas (Parna GSV), Parque Estadual da Serra das Araras (Pesa), Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari e a Reserva Particular de Proteção Natural (RPPN) Veredas do Pacari.
Muitas dessas populações se autoidentificam como Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) com base na legislação vigente, mais especificamente o Decreto Federal nº 6040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e que as reconhece por suas especificidades socioculturais e territoriais.
O Art. 3o deste decreto especifica Povos e Comunidades Tradicionais como sendo:
“Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.
Cabe ressaltar que essa reivindicação garante direitos específicos como, por exemplo, o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, tal como prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Damiana Campos, em entrevista concedida a este Mapa de Conflitos, ressaltou um aspecto importante sobre as comunidades tradicionais que se localizam na margem esquerda do rio São Francisco. Por se tratar de áreas isoladas e distantes dos centros urbanos, muitos conflitos “ficaram obscuros, não sendo identificados”. Ou seja, determinados grupos sociais se encontram invisibilizados diante dos conflitos, injustiças e racismo ambiental que existem na região do norte de Minas Gerais.
Para adentrarmos nas análises sobre os conflitos em Chapada Gaúcha, é importante ressaltar, de forma breve, o contexto histórico da dinâmica macropolítica que levou o Cerrado para a atual condição de “centro dinâmico do processo de acumulação de capital”, como define Porto-Gonçalves (2019, p. 26).
De acordo com dados do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG), referentes aos estudos do Plano de Manejo do Parque Estadual Serra das Araras (Pesa, 2005), no final da década de 1960 e início de 1970, um movimento nacional de incentivo político-econômico para a produção agropecuária e ocupação do Cerrado foi iniciado com bastante força, a partir de dois Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) estruturados e executados pelo governo federal.
No primeiro (1972/74), foram criados programas e projetos de atividades agropecuárias baseados na disponibilidade de crédito rural, por meio do decreto que criou o Programa de Desenvolvimento Centro-Oeste (Prodoeste). De acordo com informações deste Decreto-lei nº 1192 de 08/11/1971 / PE – Poder Executivo Federal, foi autorizada a abertura de crédito em favor dos Ministérios dos Transportes e do Interior por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e Banco Central do Brasil (BCB).
No segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/79), um incentivo na área econômica e outro na área de pesquisa foram marcantes para a região. Em 1975, a execução do Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Prodoeste) destinou créditos para a correção de solos e, no mesmo ano, foi criada a Empresa de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Dentro da implementação de políticas agropecuárias para o Cerrado, a região do noroeste mineiro foi foco de um programa de ocupação territorial chamado Projeto Agrário para o Desenvolvimento de Serra das Araras (PADSA), realizado pela Fundação Rural Mineira, depois renomeada como Fundação Rural Mineira Colonização e Desenvolvimento Agrário (Ruralminas) até sua extinção em 2016.
Esses planos de desenvolvimento para o Cerrado não foram construídos sob uma lógica justa, pois, na avaliação do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), “o governo legitimava as terras para os grandes grupos, que acessavam recursos financeiros para implantação de plantio de [monoculturas de] eucaliptos e pinus”. Esses incentivos foram executados em detrimento de outros modelos de reprodução social e de relação com a natureza já existentes nos Cerrados.
Cabe salientar também que se tratava do período histórico da ditadura empresarial-militar (1964-1985), em que prevalecia uma lógica de desenvolvimento a qualquer custo, pautada por ações antidemocráticas.
Nesse contexto e sob o olhar de Mário Guimarães Ferri, um dos mais renomados estudiosos da ecologia dos Cerrados, na década de 1970 se “iniciava o processo de expansão do bloco de poder financeiro midiático-empresarial-técnico-latifundiário com suas monoculturas de exportação invadindo os territórios dos povos dos Cerrados” (Ferri, 1977 apud Porto-Gonçalves, 2019, p. 09).
Tratando especificamente do município de Chapada Gaúcha, antiga Vila dos Gaúchos, dez famílias vindas do sul do País iniciaram a ocupação em 1976, após estudos topográficos específicos e loteamentos feitos pela Ruralminas com ajuda de técnicos mineiros. Esse foi o início do cenário do município de Chapada Gaúcha, que se localiza na margem esquerda do rio São Francisco, compondo a Microrregião de Januária, e que estabelece divisa com os municípios de Januária, Pintópolis, São Francisco e Urucuia, no norte de Minas, e com os municípios de Arinos e Formoso, na Mesorregião Noroeste de Minas. Cabe ressaltar que toda essa região se localiza sobre o Aquífero Urucuia.
De acordo com as análises de Lima (2014, p. 104), o surgimento do município de Chapada Gaúcha está associado a conflitos que inicialmente se caracterizavam pela diferença entre mineiros, em suas estratégias produtivas, cuja apropriação da região estava ligada ao autoconsumo, e os gaúchos, adaptados à economia de mercado e que em meados da década de 1970 ocuparam a região pelo Projeto PADSA.
Segundo dados publicados na pesquisa de Sílvia Laine Borges Lúcio (2013) sobre conflitos socioambientais em áreas protegidas no Cerrado mineiro, em Chapada Gaúcha o avanço da monocultura do capim, eucalipto, pecuária bovina (em pasto plantado) e soja foram as principais causas da conversão da vegetação nativa em carvão.
A mesma pesquisa de Lúcio (2013) revela que a década de 1970 também foi marcada pela chegada de duas empresas de silvicultura na região de Chapada Gaúcha: Plantar S/A Reflorestamentos (Grupo Plantar) e a Adiflor Agro Comercial e Industrial, responsáveis por implantar monoculturas de eucalipto e pinus. A Adiflor retirou a vegetação nativa de forma setorizada, utilizando para o desmate tratores e os “correntões”.
Com base em suas entrevistas com moradores de Chapada Gaúcha, Lúcio identificou que o primeiro local a ser desmatado foi próximo à vereda Porteira e o desmatamento ocasionou erosão e assoreamento de muitas veredas.
A título de explicação, indicamos um vídeo (disponível neste link: https://shre.ink/buTl) que mostra como o “correntão” funciona. De acordo com Carvalho, para o portal De Olho nos Ruralistas (13/08/2018), as correntes são fixadas em dois tratores, que percorrem o mesmo percurso paralelamente, arrancando toda a vegetação e matando toda a vida animal. Utilizando esse método, é possível desmatar até dez campos de futebol por dia.
Em termos legais, a proibição do uso do “correntão” é citada no Projeto de Lei (PL) n° 5.268, de 2020, da autoria da então deputada federal Rosa Neide, do Partido dos Trabalhadores de Mato Grosso (PT/MT). O PL propõe inclusão de dispositivo na Lei nº 12.651, de 2012 (Código Florestal) e na Lei nº 9.605, de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), para que a prática seja incluída como agravante de pena de crimes ambientais. No entanto, o PL tramita em processo de análise pelo Poder Legislativo desde sua criação. Enquanto isso, o uso do “correntão” continua sendo amplamente usado no Cerrado, na Amazônia e em outras regiões do País.
A geógrafa Marília Raiane Rodrigues Silva (2021), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou em suas pesquisas uma preferência pelas áreas de chapadas, por serem altas e planas e vistas como ‘terreno fértil’ para empreendimentos agroindustriais do eucalipto. Nesse contexto, a regularização fundiária foi realizada pela Ruralminas e beneficiou proprietários de terra interessados na produção do eucalipto em detrimentos de posseiros, sitiantes e agregados que tinham como foco a chamada agricultura familiar de excedentes (Martins, 1975 apud Silva, 2021, p. 20).
A pesquisadora ressaltou que as comunidades de Chapada Gaúcha sofrem de formas diversas, tanto pelos impactos dos agrotóxicos, o assoreamento de importantes rios da região, quanto pelos efeitos da destruição das chapadas e veredas.
Percebe-se que existe um histórico no processo de apropriação das terras da região de Chapada Gaúcha muito similar ao fenômeno que ocorre em outras áreas do Cerrado, conforme salientou Porto-Gonçalves (2019, p. 44):
“…existe uma apropriação violenta que vem sendo feita dessas terras, de início das chapadas e, mais recentemente, das veredas com a grilagem verde, por parte do agrobusiness que, com seus pivôs centrais para captar água nos profundos solos dessas paisagens, está dilapidando, não só esse recurso como, também, todo o potencial agrário-agrícola daqueles povos”.
Cabe salientar que as chapadas são usadas pelos camponeses para o extrativismo, a caça, coleta e criação de gado à solta. Já as veredas são consideradas importantes reguladores do equilíbrio dos cursos d’água da região do Cerrado, sendo reconhecidas popularmente como “mães das águas”. O documentário “Vereda: mãe das águas” retrata a singularidade e importância das veredas para a sociobiodiversidade do norte de Minas. O vídeo está disponível no link: https://shre.ink/bude.
Além de as veredas constituírem-se como regiões centrais para a produção e manutenção hídrica no Cerrado,
“Quando você vai chegando perto da vereda, você tá no Cerrado, aí você enxerga de longe os buritis. Aí, naqueles buritis, o mais importante é que há a existência da água, das nascentes. Porque lá, onde você viu os buritis, tem água. E quando você vê água, existe as comunidades, os veredeiros” (Museu Vivo dos Povos Tradicionais – MG, s.i).

Martins (2011) afirma que:
“Os veredeiros se fazem historicamente ligados aos Gerais e aos processos históricos de sua ocupação. No entanto, eles representam um modo de vida específico porque criaram estratégias culturais para territorializar e sociabilizar as determinações do ambiente. Nas Veredas, terra que é, ao mesmo tempo, espaço de cultivo e do extrativismo, forjam a gênese de uma territorialidade que é complementada pelo uso comum dos Gerais para a coleta de frutos, ervas e madeira e também na criação de gado”.
Silva (2021, p.21) complementa essas análises ao divulgar dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A CPT, em 2019, identificou que os conflitos por águas são os que mais crescem na região, devido aos usos concorrentes e inadequados, como a sua particular apropriação pelos grandes fazendeiros e a omissão de gestores públicos em reconhecerem os direitos dos veredeiros, geraizeiros e ribeirinhos, impedidos de acessarem um bem natural comum já escasso na região do semiárido.
Em contraponto ao modo de vida tradicional, está a apropriação capitalista dos campos e das águas. Um marco neste processo ocorre em 30 de julho de 1982, quando é fundada a Cooperativa Agropecuária Pioneira em Chapada Gaúcha, organizada por famílias que vieram do sul do País. De acordo com o site da cooperativa: “(…) bravos agricultores vindos de várias localidades da região Sul do país, em busca de melhores condições de vida para seus filhos, começaram a desbravar a região.”
Atualmente, ela é considerada uma das maiores produtoras de sementes de capim, cultivo de soja e beneficiamento de arroz no norte de Minas. Trata-se de uma cooperativa com forte atuação em Chapada Gaúcha, sendo reconhecida por causar impactos e conflitos com posseiros e comunidades tradicionais.
A partir desta breve contextualização das distintas formas de uso do território de Chapada Gaúcha e suas relações com o processo de “modernização conservadora” da agricultura (ver discussão sobre o conceito em Souza, 2011), é perceptível que as décadas de 1970 e 1980 foram marcantes por induzir o início do processo de desterritorialização de povos tradicionais e o acirramento dos conflitos e disputas por terra.
Como consequência, foi identificado que movimentos de resistência já emergiam naquele momento, a exemplo do líder sindical Eloy Ferreira da Silva, morador na Comunidade de Ribeirão de Areia (distrito Serra das Araras, no município de São Francisco, atualmente Chapada Gaúcha), nascido em 1º de dezembro de 1939. De acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), em 1978 ele foi escolhido delegado sindical de base, organizando os posseiros da região na luta pela posse da terra. Eleito em 1981 presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de São Francisco, foi reeleito em 1984, ano em que foi condecorado com a Medalha da Inconfidência, entregue por Tancredo Neves.
Segundo dados publicados pela Comissão da Verdade de Minas Gerais (s.d), após assumir a presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Francisco, Eloy se envolveu intensamente na liderança da resistência em conflitos pela posse da terra que se aguçavam na região, no período final da ditadura militar. Seu trabalho levou ao acirramento do conflito da fazenda Vereda Grande, onde moravam 36 famílias de pequenos posseiros, contrários à invasão de Antônio Luciano. Graças a tal resistência, houve uma importante vitória dos posseiros.
A título de complementação, de acordo com o Relatório Final da Comissão da Verdade em Minas Gerais (2017, p. 92), Antônio Luciano Pereira Filho foi responsável por expulsões de posseiros, assassinatos e outras violências no campo, casos relatados em diversos documentos e depoimentos analisados pela Comissão. Com grande poder econômico e influência política, uma das regiões mais visadas pelo grileiro Antônio Luciano era o norte de Minas Gerais.
A referida fazenda Vereda Grande foi a primeira área destinada à reforma agrária em Minas Gerais desapropriada por dispositivo do Estatuto da Terra, que previa a desapropriação de terra onde ficasse comprovado conflito de interesse social. O Cedefes descreve que Eloy denunciava as pressões, os despejos e a queima de casas a todas as entidades que podiam dar algum apoio, visando a combater violências que os trabalhadores sofriam: “Nossa arma é união, organização e a verdade” – dizia Eloy.
Em 16 de dezembro de 1984, Eloy Ferreira da Silva foi assassinado, deixando esposa e dez filhos. De forma detalhada, a Comissão da Verdade de Minas Gerais expõe que Eloy foi assassinado com quatro tiros: no peito, na garganta, no abdômen e na parte anterior ao braço, sugerindo que foram disparos pelas costas. O executor, Paulo Leonardo Pereira, tinha um cúmplice, José Mendes Amorim, também acusado pela morte do sobrinho de Eloy, Praxedes Ferreira da Silva, em 1978.
Dois dias antes de ser assassinado, Eloy havia denunciado à então Secretaria de Estado do Trabalho e Ação Social de Minas Gerais, por meio de carta, uma série de ameaças que vinha recebendo por parte de Paulo Leonardo Pereira. Segundo a denúncia, Pereira arrancara as cercas da propriedade de Eloy. Naquele final de semana, Eloy havia programado uma viagem a Belo Horizonte para denunciar pessoalmente, aos órgãos competentes, as ameaças de morte sofridas.
Ainda de acordo com dados da Comissão da Verdade, o delegado encarregado do caso, Márcio Lima Carence, indiciou como executores do sindicalista os grileiros Paulo Leonardo Pereira e José Mendes Amorim. Após dez dias do ocorrido, os acusados se apresentaram às autoridades na Delegacia de Homicídios de Belo Horizonte.
A partir do inquérito policial, a defesa dos acusados montou a tese de legítima defesa, acolhida pela Promotoria Pública e pelo Poder Judiciário. O executor do crime foi condenado a sete anos de prisão, porém recorreu da decisão e não foi preso. O cúmplice, José Mendes de Amorim, e o suposto mandante sequer foram indiciados, prevalecendo a impunidade.
A história de Eloy revela que a década de 1980 foi marcada pelo acirramento dos conflitos por terra e casos de violência no norte de Minas. No início dos anos 1990, surge um importante movimento em apoio aos povos do Cerrado, a organização Rede Cerrado, de base socioambientalista, que atua com projetos de conservação do bioma e na luta pela garantia de direitos dos povos e comunidades tradicionais. Atualmente, a Rede Cerrado é composta por mais de 50 entidades da sociedade civil.
Diante da expansão da monocultura, do aumento da produção de carvão e do agronegócio presentes em Chapada Gaúcha, uma das estratégias foi a delimitação de áreas protegidas a partir da criação de Unidades de Conservação (UC). Em 1989 é assinado, pelo presidente da República, José Sarney, o Decreto nº 97.658, criando o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (Parna GSV). Já em 1998, por meio do Decreto Estadual nº 39.400, foi criado o Parque Estadual da Serra das Araras (Pesa), inserido em sua totalidade no município de Chapada Gaúcha.
O histórico de criação do Parque Estadual da Serra das Araras (Pesa) foi exposto no Plano de Manejo da UC de 2005, elaborado pela Fundação Pró-Natureza (Funatura) e o IEF/MG. De acordo com este documento, em 1996 foram feitas denúncias de desmatamento ilegais em Chapada Gaúcha.
Assim, foi acionado o escritório do IEF em Montes Claros e diversas irregularidades foram constatadas. Com a ação de fiscalização do IEF, o órgão constatou a riqueza ecológica da região, dando início ao processo de criação do Pesa a partir da realização de estudos técnicos ambientais (IEF/MG, 2005, p. 61-62).
O Pesa situa-se no alto curso do rio Pardo, que provém da chapada existente ao sul do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, ocupando o chamado Vão dos Buracos, e deságua na margem esquerda do rio São Francisco. Considerada uma região de “caixa d´água”, todo o seu sistema hidrográfico situa-se no alto curso do rio Pardo, englobando parte das bacias do riacho Fundo, do córrego Santa Catarina e de outros afluentes menores da sua margem direita (IEF/MG, 2005, p. 14).
Tratando especificamente da UC denominada Pesa, Leite (2023, p. 114) identificou que o nome do parque se originou do fato de o local ser um berço de reprodução de araras vermelhas. Sem olvidar da relevância da medida conservacionista desta espécie de avifauna, a pesquisa revela que a criação do parque também significou a imposição de severas limitações dos usos e das atividades das comunidades que vivem na área da unidade de conservação.
Mais de 15 famílias residem no interior do parque, vivendo à base de agricultura familiar, produção e venda de produtos artesanais, como doces, feijão e farinha de mandioca (Lima, 2003 apud Leite, 2023).Também neste município encontram-se outras UCs, como a Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari e a Reserva Particular de Proteção Natural Veredas do Pacari, criada pela Portaria n° 26, de 08 de março de 2004, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama (IEF, 2005, p. 12).
A gestão do Parque Estadual da Serra das Araras está sob jurisdição do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF/MG), também responsável pela gestão da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari, criada em 2003, com a área de 60.975 ha, localizada entre os municípios de Chapada Gaúcha e Urucuia.
A criação de UCs nesta região gerou, sob o olhar de Martins (2011), Lima (2014) e Leite (2023), um elemento a mais de conflito em Chapada Gaúcha: o conservacionismo. Essa análise é potencializada com o olhar de Damiana Campos, do Instituto Cultural e Ambiental Rosa e Sertão, ao salientar em entrevista que a criação do Pesa, uma unidade de proteção integral sobreposta aos territórios tradicionais, em vez de uma unidade de conservação de desenvolvimento sustentável como o contexto de ocupação requeria, foi um marco temporal do início de um conflito entre o estado de Minas Gerais e as comunidades tradicionais de Chapada Gaúcha. Ela cita algumas das comunidades mais impactadas: Buraquinhos, Morro do Fogo, Ribeirão de Areia e São José do Barro Vermelho.
A pesquisa de Oliveira (2016) teve como objetivo compreender as mudanças no modo de vida tradicional da comunidade remanescente de quilombo Buraquinhos (localizada na região do Vão dos Buracos, município de Chapada Gaúcha), suas relações com o avanço do agronegócio, com as políticas conservacionistas e os impactos correlacionados. Para uma breve contextualização, Oliveira (2016, p. 29) relata que, em Buraquinhos, a comunidade se autodefine remanescente de uma história não de escravidão, mas de ocupação de terras para o desenvolvimento de práticas tradicionais.
Cabe salientar que a comunidade Buraquinhos está organizada pela Associação Quilombola Santa Thereza do Buraquinhos, possui a Certidão de Autodefinição emitida pela Fundação Cultural Palmares (FCP) desde 2008, e a etapa de titulação do território tramita no Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por meio do processo n° 54170.000108/2008-35 desde a mesma época.
A autora destaca que, apesar da implantação de UCs ter por objetivo a preservação do Cerrado ameaçado pela expansão do agronegócio, o fato trouxe um quadro de vulnerabilização aos povos tradicionais. Ela complementa:
“O Parque Nacional Grande Sertão Veredas foi criado graças à conservação exercida pelos moradores que há gerações ocupavam aquele território. A pesquisa revela que o embasamento na corrente preservacionista, na criação de uma UC, desconsidera o envolvimento das populações tradicionais e, consequentemente, deslegitima essa área diante desses povos e da população do entorno” (Oliveira, 2016, p. 73).
No caso específico de Buraquinhos, algumas práticas tradicionais foram perdidas e não só modificadas ou adaptadas, tal como a criação de bovinos, a caça e várias formas de extrativismo vegetal que eram realizadas nas áreas coletivas diminuíram de forma expressiva e, em alguns casos, não puderam mais ser executadas (Oliveira, 2016, p.79 – 80). A autora também destaca o impacto na diminuição do território tradicional devido às práticas de monocultura. Por isso, ocorre ainda a eliminação da vegetação nativa, processos erosivos, contaminação por agrotóxicos e assoreamento das áreas de baixadas e cursos d’água.
O Plano de Manejo do Pesa também destacou impactos indiretos desta UC em outra comunidade de Chapada Gaúcha, a comunidade quilombola São José do Barro Vermelho. Cumpre ressaltar que se trata de uma comunidade que recebeu da FCP a Certidão de Autodefinição em 2010, de acordo com a Portaria N° 59, de 27 de abril de 2010, publicada no Diário Oficial da União (DOU).
A exemplo do ocorrido na comunidade quilombola São José do Barro Vermelho, Vieira (2019 apud Leite, 2023, p. 120/121) registra alguns relatos dos moradores no sentido de que o parque foi feito onde ali habitavam há muitas gerações, com antepassados enterrados, sendo que nesse território se encontravam suas histórias, suas memórias e sua relação com o lugar. Ressalta também que o parque impôs uma nova perspectiva sobre aquele espaço ao impor regras rígidas, além de pressionar para que os quilombolas se mudassem, para “transferir a comunidade para outro lugar”.
Segundo o IEF/MG: “(…) parte ou totalidade desta comunidade na direita do rio Pardo está inserida nos limites do Pesa. Não há segurança nesta afirmação nem junto aos técnicos, muito menos junto à população” (2005, p. 124).
Apesar da indefinição desses limites apresentados pelo documento do IEF/MG, houve o destaque: “É certo que os moradores não desejam que a área onde vivem esteja localizada no interior do Parque, o que, na opinião deles, significa futuros problemas e conflitos. (…) Um líder de Barro Vermelho afirmou, categoricamente: daqui não saio e quero morrer aqui” (IEF/MG, 2005, p. 125).
Já na pesquisa realizada por Renata Guimarães Vieira (2018), pela UFMG, é apresentada uma outra versão: ou seja, existe uma clara sobreposição do Pesa com o território tradicional quilombola de Barro Vermelho. Segundo relatos dos moradores coletados ao longo de sua pesquisa, o parque foi feito “em cima de onde já tinha comunidade”. Eles contam que estão naquele local há muitas gerações e, por isso, afirmam: “nós somos raiz do lugar” (Vieira, 2018).
A UC, ao definir restrições ao uso do território conforme previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2002), além de impactar atividades de subsistência das famílias quilombolas, permanece como uma constante ameaça de serem remanejados para outra região. Além disso, alguns moradores foram acusados e multados por, teoricamente, desrespeitarem as regras impostas pelo IEF/MG, conforme identificado por Vieira (2018).
Em suas entrevistas com moradores locais, a pesquisadora alertou sobre o caso de um senhor da comunidade que teria adoecido após a multa e “morrido de depressão” – conforme relatado por mais de um morador de Barro Vermelho. Vieira concluiu em suas entrevistas que:
“As restrições impostas pelo IEF às atividades rotineiras é um tema muito presente nas conversas com os moradores. Embora seja possível encontrar entre os entrevistados uma considerável gama de interpretações para as regras ambientais que regem o Parque, de um modo geral todos compreendem que não é mais permitido caçar nem pescar, retirar madeira fora de seus respectivos terrenos, criar gado solto, coletar frutos fora de seu terreno, fazer queimadas sem aviso prévio, autorização e acompanhamento dos funcionários do Órgão, abrir novas áreas de plantio e reformar ou construir casas. Compreender as regras, no entanto, não significa que concordem com elas” (Vieira, 2018, p. 121).
Porto-Gonçalves (2019, p. 38) nos ajuda a compreender essa realidade vivida pela comunidade quilombola de Barro Vermelho ao salientar problemáticas em relação às leis ambientais:
“(…) na tentativa de se formular uma lei universal que sirva para qualquer lugar, ignorando, assim, os saberes locais, têm, ainda, servido de pretexto para criminalizar os camponeses que têm suas vidas estreitamente ligadas às veredas, várzeas, varjões, pântanos, córregos e corgões, lagos e lagoas, brejos e brejões”.
Com as medidas de restrição previstas nas UCs, aumentam os riscos de criminalização das populações tradicionais, conforme avaliamos em uma notícia publicada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPE/MG, 16/10/2013). De acordo com a notícia, em 02 de setembro de 2003, o MPE/MG, visando a garantir a conservação do Pesa e da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari (ambos localizados no município de Chapada Gaúcha), firmou com o estado de Minas Gerais um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Um inquérito apurou irregularidades na conservação das UCs e um dos pontos seria o desenvolvimento de agricultura e pecuária dentro dos limites das UCs. Não houve divulgação mais detalhada sobre esse inquérito, mas, no entanto, é possível inferir, a partir das entrevistas realizadas, que as comunidades tradicionais foram prejudicadas por essa medida.
Segundo a publicação do MPE/MG, o estado comprometeu-se a implantar estrutura de fiscalização e proteção, apresentar um projeto de recuperação das áreas degradadas e elaborar os planos de manejo das UCs. Ou seja, órgãos de fiscalização, ao não distinguirem as atividades tradicionais sustentáveis dos usos abusivos do território, especialmente aquelas ligadas ao agronegócio, acabam por aprofundar uma situação de injustiça e racismo ambiental.
Em alguns casos, até mesmo comprometem o objetivo de preservação ambiental, já que tais UCs raramente contam com pessoal suficiente para coibir práticas danosas em todo o perímetro. Não consideram que os povos e comunidades tradicionais são, por vezes, seculares a milenares guardiões do bioma, e poderiam ser seus parceiros nesse objetivo.
Damiana Campos, em depoimento oral concedido ao Mapa de Conflitos, ressaltou que os conflitos vivenciados pelas comunidades tradicionais estimularam a organização social de trabalhadores locais, quando, em 2006, foi criada a Cooperativa Sertão Veredas (Coopsertão).
De acordo com informações veiculadas no site Central do Cerrado (s.d), a Coopsertão tem como objetivo organizar a produção agroextrativista sustentável na região da Chapada Gaúcha e entorno. A Coopsertão conta com cerca de 110 cooperados de comunidades tradicionais, assentamentos da reforma agrária e comunidades quilombolas que incrementam sua renda com o beneficiamento e a valorização do Cerrado e da Caatinga. Esse é um exemplo do potencial que é perdido com a radicalização das políticas de gestão ambiental estaduais e a desconsideração da capacidade de agência das comunidades tradicionais locais.
Percebe-se que juntamente com os conflitos em Chapada Gaúcha surgem movimentos de apoio ao Cerrado e seus povos. Destaca-se no ano de 2007 a criação do Instituto Cultural e Ambiental Rosa e Sertão, conforme divulgado no site oficial do instituto. Foram diversos projetos e parcerias realizadas no período entre 2007 até 2017, tais como: Projeto Manuelzinho-da-Crôa (2008); Projeto Sertão dá flor: semeando saberes, cultivando saúde (2009); Ponto de Cultura seu Duchim: espaço geral de folias (2010); Projeto Turismo Ecocultural de Base Comunitária (2012); Cartografias do Velho Chico (2014); e Cine Baru: 1ª Mostra Sagarana de Cinema (2017). Outros projetos foram realizados após 2017 e estão descritos ao longo deste relato (Projeto Ticcas, Campanha Nutre Sertão e outros).
O Instituto Cultural e Ambiental Rosa e Sertão, que tem por característica o protagonismo de mulheres, ao adentrar nos territórios construindo junto com as comunidades projetos culturais busca “fortalecer espaços e tempos educativos e culturais em que os povos tradicionais do Cerrado norte mineiro se vejam representados e valorizados” (Instituto Rosa e Sertão, s.d). No entanto, o movimento se depara também com problemas e conflitos vivenciados pelos povos localizados na região.
Neste sentido, Damiana Campos, da equipe de coordenação do Instituto Rosa e Sertão, destacou em entrevista que as comunidades começaram a sentir os impactos ambientais por volta dos anos de 2008 e 2009, quando as práticas de monocultura expandiram suas fronteiras ocupando outras regiões. Neste mesmo período, Damiana denunciou que houve um caso de desmatamento ilegal na comunidade Buraquinhos.
Silvina Rodrigues Teixeira, presidente da Associação Quilombola Santa Thereza do Buraquinhos, em entrevista concedida para este Mapa de Conflitos, além de reforçar situações de desmatamento ilegal na comunidade, relatou que o território onde se situa a comunidade Buraquinhos está cercado pela monocultura. Para ela, essa condição traz impactos diretos às nascentes, córregos e rios da região e, por consequência, riscos à saúde da população associados, principalmente, à exposição ambiental crônica aos agrotóxicos.
A observação de Damiana sobre a expansão das fronteiras agrícolas condiz com as análises de Porto-Gonçalves que, ao salientar as práticas de monocultura de exportação nos territórios do Cerrado, retrata que inicialmente essas ocupavam extensas áreas das chapadas e, posteriormente, expandiram suas áreas de produção:
“Esses latifúndios capitalistas monocultores de exportação fogem das terras acidentadas e mesmo suavemente onduladas, haja vista que o subir e o descer de seus tratores e máquinas aumentam o consumo de combustível. Com isso, esses latifúndios capitalistas separaram o uso das chapadas do uso das veredas e, mais, com seus pivôs centrais captam em profundidade aquela água que Guimarães Rosa dizia que ‘não empoçava’; limitam o uso das veredas, seja porque seus córregos, riachos, lagoas e pântanos secam ou porque as águas chegam poluídas pelo intenso uso de agrotóxicos” (Porto-Gonçalves, 2019, p. 37).
Essa configuração também é percebida pela pesquisadora Marília Raiane Rodrigues Silva (2022), ao salientar em depoimento oral as mudanças no equilíbrio ecológico das chapadas e veredas a partir de décadas de plantio de monoculturas e seus impactos correlacionados. Em depoimento concedido ao Mapa de Conflitos, ela reforçou que boa parte dessa região do Cerrado (no norte de Minas) já é uma área em regeneração devido aos impactos históricos das práticas de monocultura, abertura de estradas e outros fatores, o que fragiliza ainda mais esses ecossistemas.
Como forma de apoiar a região norte de Minas, o WWF-Brasil inicia, em 2010, o Programa Cerrado Pantanal. De acordo com o site oficial, em sua primeira fase (2010-2014), as ações do projeto focaram principalmente no incentivo à adoção de boas práticas de produção agropecuária (BPAs); na implementação e gestão integrada de UCs; na comunicação social; e no planejamento territorial para conservação no bioma. Cabe ressaltar que o programa promove ações em Chapada Gaúcha e, em 2011, apoiou cerca de 20 comunidades do município que se organizaram para colher e comercializar produtos feitos com variados frutos nativos da região.
Outro importante movimento político e de organização social dos povos situados no norte de Minas é a Articulação Rosalino de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas, criada em 2010, após a organização da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). Trata-se de uma rede que representa geraizeiros, veredeiros, quilombolas, vazanteiros, catingueiros, apanhadores de flores Sempre Vivas e indígenas Xakriabá e Tuxá.
De acordo com dados do site Povos Indígenas no Brasil, as Terras Indígenas (TIs) Xakriabá e Xakriabá Rancharia localizam-se no município de São João das Missões, no norte de Minas Gerais. A TI Xakriabá foi homologada em 1987 e, posteriormente, em 2003, foi acrescentada em área contínua a TI Xakriabá Rancharia.
O Mapa de Conflitos apresenta um caso que envolve indígenas Xakriabá no município de São João das Missões (MG) e está disponível em: https://shre.ink/buei.
De acordo com o blog da Articulação Semiárido Mineiro (ASA Minas,2019), a Articulação Rosalino se constituiu formalmente em 2010 com a proposta de: “(…) abarcar diversas lutas e estratégias conjuntas de enfrentamento entre os diversos povos, que começaram a conversar entre si e perceber que a unificação de luta fortalece a caminhada em busca de direitos e cuidado com os territórios tradicionais”.
Considerando a diversidade de pautas que envolve todos esses grupos, populações tradicionais e indígenas do norte de Minas, a Articulação Rosalino busca a valorização identitária e a manutenção e/ou reapropriação de seus territórios ameaçados pelo agronegócio, mineração, monoculturas e UCs.
O nome Articulação Rosalino relembra a luta indígena, pois o movimento foi batizado com o nome do cacique Xakriabá Rosalino Gomes, assassinado por fazendeiros da região em 1987, tornando-se mártir da luta de seu povo e inspiração para os demais povos e comunidades tradicionais do norte de Minas Gerais (Magalhães, 2015). Nesse caminho, o coletivo expõe que:
“A luta pelo território tradicional no Norte de Minas é histórica. Diversas comunidades sentem frequentemente o direito pela terra ameaçado por grandes empreendimentos, como mineradoras e monoculturas, que aos moldes de um modelo desenvolvimentista agride a terra e destrói a biodiversidade. Os Povos e Comunidades Tradicionais também sofrem ameaças por parte do Estado, que deveria assegurar uma vida digna e de qualidade. Entretanto, com propostas de criação de parques de preservação integral, propõe expulsar os PCTs de seus territórios ancestrais” (Articulação Rosalino, 2019).
Como forma de enfrentamento aos conflitos com UCs, a Articulação Rosalino apoiava a proposta de criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras como alternativa para compatibilizar áreas preservadas com a subsistência dos povos tradicionais. Cabe ressaltar que essa proposta foi regulamentada por meio do Decreto s/n, de 13 de outubro de 2014, no qual houve a criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras, localizada nos municípios de Montezuma, Rio Pardo de Minas e Vargem Grande do Rio Pardo.
Mais um caso de conflito que abrange os municípios citados acima está disponível no link: https://shre.ink/bueQ.
Para Eliad Gisele, jovem quilombola e apanhadora de flor que compõe a articulação e participa da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex), a troca de experiências e a união das lutas foram essenciais para algumas das conquistas dos povos tradicionais do norte de Minas. Em suas palavras: “Sem a Articulação Rosalino, nem ser reconhecido como quilombola a gente seria, e nem mesmo saberia a situação que a gente se encontra lá”.
Decorridos mais de dez anos da assinatura do TAC que visava medidas de conservação do Pesa e da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari (Chapada Gaúcha), o MPE/MG, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, propôs, em outubro de 2013, uma Ação Civil Pública (ACP) exigindo que o estado de Minas Gerais (por meio do IEF/MG) cumprisse com as medidas do TAC assinado em 2003. Dentre as ações acordadas, estava previsto o aumento da fiscalização e o combate aos crimes ambientais nas regiões dessas UCs.
De acordo com notícia do MPE/MG (16/10/2013), um inquérito apurou irregularidades na conservação do Pesa e da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari. Ao IEF/MG foi exigido, no prazo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, designar guardas para atuação exclusiva nas UCs, implantar aceiros para evitar a propagação de incêndios, sinalizar adequadamente as reservas, e adotar medidas efetivas impedindo o acesso de bovinos, o desmatamento e o tráfico de animais silvestres.
A medida alertava que as UCs foram criadas com a finalidade de proteger fragmentos do Cerrado; no entanto, durante as investigações, foram constatadas diversas circunstâncias que colocavam em risco a conservação das unidades: incêndios florestais, erosões, assoreamento de corpos d’água, desmatamento, tráfico de animais silvestres, bem como desenvolvimento de agricultura e pecuária dentro dos limites das unidades.
Ao cruzarmos esses dados com depoimentos recolhidos na pesquisa de Vieira, é possível que as famílias da comunidade quilombola de Barro Vermelho tenham estado sujeitas a punições com essa exigência do MPE/MG. Em 2016, durante as investigações na comunidade realizadas por Vieira, surge o relato de uma comunitária chamada Francisca:
“Ele já foi multado, mas tá errado, porque fez a roça de mandioca perto do córrego onde tinha pau grosso, mas era no terreno dele. A polícia chegou aí, teve que vender umas coisas pra pagar. 200 reais que foi o valor que ficou depois que recorreu. Tem que trabalhar agora só aqui dentro do cirquinho, a capoeira tá fraquinha pra trabalhar. Não pode saltar mais pra lá porque senão a gente vai ser multado” (depoimento de Francisca apud Vieira, 2018, p. 122).
A pesquisa de Lúcio (2013) também traz mais um elemento que explica o acirramento dos conflitos entre as comunidades locais e os órgãos gestores das UCs. Por exemplo, algumas práticas tradicionais, como a pecuária à solta, sempre estiveram presentes no Cerrado, mas não foram incorporadas nas políticas de conservação ambiental. Segundo sua pesquisa, devido à crescente privatização do espaço rural e à criação de unidades de conservação, as comunidades locais estão sendo “encurraladas” para não desenvolverem essas práticas.
Um importante marco regulatório que favorece os direitos territoriais das comunidades tradicionais desta região diz respeito a Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, regulamentada por meio da Lei nº 21.147, de 14 de janeiro de 2014. Considerando a presente discussão sobre a sobreposição de UCs com os territórios tradicionais em Chapada Gaúcha, destaca-se um trecho da Lei:
“§ 5º – No caso de sobreposição das áreas de povos e comunidades tradicionais com unidades de conservação estaduais, o Estado encaminhará à Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais projeto de lei que disporá, alternativamente, sobre: I – a recategorização da unidade de conservação, reconhecendo e possibilitando a permanência e cogestão pelas comunidades; II – a desafetação da área, nos casos em que esta medida se mostrar mais eficaz, conforme a Lei Federal nº 12.651, 25 de maio de 2012, e o art. 6º da Lei Federal nº 11.284, de 2 de março de 2006”.
É nesse cenário que se observa o agravamento dos conflitos ambientais na região norte de Minas e a busca das comunidades tradicionais pelos direitos aos seus territórios. Um caso emblemático foi destacado pelo sr. Jaime Alves dos Santos, presidente da Associação Central das Comunidades Veredeiras (Acever), durante entrevista concedida à equipe deste Mapa de Conflitos. Segundo ele, representantes das comunidades veredeiras do norte do estado viveram um conflito intenso com a retomada da Fazenda Alegre: “As comunidades tradicionais se posicionaram! Lá é território Veredeiro, o berço d´águas!”
De acordo com pesquisa de Silva (2018, p.09) que detalhou o conflito em questão, em 2014 houve um processo de mobilização das comunidades veredeiras e geraizeiras a partir da retomada de uma área antes de uso comum, a Fazenda Alegre, localizada na comunidade de Barra do Tamboril, em São Joaquim, distrito de Januária (MG). A fazenda, tida como de propriedade da Empresa Plantar S/A, na época (2014) estava em negociação por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao MPE/MG e o IEF/MG, referente a multas por crimes ambientais. Silva (2018) detalhou:
“Inicialmente as discussões sobre o TAC propunham a criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável na área da Vereda Alegre e a ampliação do Parque Estadual Serra das Araras, sendo que em todas as hipóteses o IEF exigiu ser o responsável pela gestão. Essas negociações se arrastaram de 2005, ano da denúncia, até meados de 2014, onde MPE, PLANTAR S/A e IEF triangulavam como únicos agentes da negociação. Todavia, na madrugada de 29 de setembro de 2014, sabendo do trâmite do processo, 130 famílias das comunidades de Barra do Pindaibal, Poções, Brejinho, Capoeirão, Barra do Tamboril, Cabeceira de Mocambinho e Capivara, apoiados pelas comunidades geraizeiras, montaram o Acampamento Geraizeiro do Alegre”.
Neste contexto, deu-se início à retomada do território tradicional das comunidades veredeiras e geraizeiras expropriadas durante a década de 1980 por empresas do setor siderúrgico, entre elas a Plantar S/A. Cabe ressaltar que o grupo Plantar S/A atua principalmente com práticas de silvicultura (monoculturas de eucalipto e pinus) e tem como clientes as maiores indústrias nacionais de celulose, siderurgia, painéis de madeira e fabricação de lápis.
De acordo com o fascículo do Tribunal Permanente dos Povos sobre o caso dos veredeiros do Norte de Minas Gerais (2023), a Plantar S/A foi fundada em 1967 e expandiu do setor florestal para o de siderurgia a carvão vegetal. Posteriormente, o Grupo Plantar, por meio da Plantar Carbon Ambiental, foi responsável pela emissão dos primeiros Certificados de Emissões Reduzidas (CERs) no mundo, emitidos com base no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), acessando recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). É desta condição que surge a relação da Plantar S/A com o setor siderúrgico.
Em depoimento oral, sr. Jaime relatou que na ocasião as comunidades foram coagidas por jagunços e outras pessoas criminosas que ameaçaram queimar a estrutura do acampamento para desarticular o movimento. Tendo o apoio da Articulação Rosalino, do Centro de Agricultura Alternativo do Norte de Minas (CAA-NM) e sob a bandeira do movimento geraizeiro, as referidas comunidades (que mais tarde passaram a se denominar comunidades veredeiras do norte de Minas) fortaleceram o envolvimento, a organização política e as lutas por seus direitos territoriais.
No mesmo ano da promulgação da Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, em 2014 surge o projeto “O Caminho do Sertão – De Sagarana ao Grande Sertão: Veredas”, criado pelo Instituto Rosáceas, que constitui um trajeto de 186 km a ser percorrido a pé, em sete dias, saindo do distrito de Sagarana, no município de Arinos (MG), para chegar à cidade de Chapada Gaúcha, onde se situa parte do Parque Nacional Grande Sertão Veredas.
De acordo com o site oficial do projeto, os caminhantes fazem a travessia no território que compreende o Parque Estadual de Sagarana, Morrinhos, Vila Bom Jesus (Igrejinha), Fazenda Menino, Barra da Aldeia, Serra das Araras, comunidades quilombolas (Morro do Fogo, Barro Vermelho, Buraquinhos e Buracos) em Chapada Gaúcha, e o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, situados no Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu.
Oliveira (2022) ressalta que as áreas protegidas no município de Chapada Gaúcha fazem parte do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu (MSVP), um conjunto de áreas protegidas localizadas na margem esquerda do rio São Francisco, entre as regiões norte e noroeste de Minas Gerais e parte do sudoeste da Bahia. Com área total de 1.783.799 hectares e perímetro de 1.210 km, o Mosaico abrange UCs, comunidades tradicionais e a Terra Indígena Xakriabá.
A realização do projeto envolve uma série de entidades, tais como: Agência de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Vale do Rio Urucuia (ADSVRU); Cooperativa de Agricultores Familiares em Bases Solidárias (Copabase); Centro de Referência em Tecnologias Sociais do Sertão (Cresertão); Central Veredas de Produção e Comercialização do Artesanato; Instituto Rosáceas; Movimento Nativista Baiangoneiro/Movimento Cultural União Filomática, Autoral e Multidisciplinar (Unifam); Fundação Pró-Natureza (Funatura); Associações Comunitárias e o Instituto Rosa e Sertão.
Existe a colaboração das prefeituras de Arinos e Chapada Gaúcha, do IEF/MG, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado de Minas Gerais (Sebrae/MG), do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMG) e do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG – Campus Arinos). Recomenda-se o vídeo que apresenta imagens e depoimentos dos participantes de “O Caminho do Sertão – De Sagarana ao Grande Sertão: Veredas”, edição de 2019, disponível no link https://shre.ink/buq5.
Ainda sobre projetos que acontecem na região, em 2014 começa a segunda fase do projeto executado pelo WWF (período de 2014 a 2018), o qual previa uma ampliação de suas linhas de ação, incluindo o fortalecimento ao extrativismo vegetal sustentável dos frutos do Cerrado.
Além dessa, de acordo com a Funatura (2012), algumas das ações realizadas no Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu (MSVP) são resultado de uma consultoria contratada para execução do projeto “Turismo Ecocultural de Base Comunitária do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu”, executado pelo Instituto Rosa e Sertão em parceria com a Associação Casa Comum ao longo de 2015.
Tratando especificamente do processo de regularização fundiária do território quilombola Buraquinhos, em Chapada Gaúcha, anos após a emissão da Certidão de Autodefinição pela FCP em 2008, o Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) entrou, em 30 de junho de 2015, com uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Incra, exigindo a elaboração do Relatório Antropológico e Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (Rtid) da comunidade. Essa informação foi publicada na pesquisa de Oliveira (2016, p. 29). Posteriormente, conforme já ressaltado, esse processo tramitava no Incra sob o n° 54170.000108/2008-35.
Movimentos para dar visibilidade ao Cerrado ganham repercussão devido à emergência de maior consciência social sobre a importância socioambiental deste vasto território. Segundo dados divulgados por Porto-Gonçalves (2019), mais de 50% dos Cerrados foram derrubados, sobretudo para a expansão dos latifúndios empresariais voltados principalmente para exportação de grãos, como milho, soja e sorgo, eucaliptais para a silvicultura e pasto para pecuária extensiva.
Como forma de enfrentamento a esse cenário, em 2016 surge a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, que, por meio da articulação com outros movimentos, vem contribuindo para mostrar ao Brasil e ao mundo a importância do bioma, tal como exposto no site oficial da Campanha: “O Cerrado é o berço das águas e promove o encontro por meio das águas. Da mesma forma, os povos do Cerrado são como as águas: crescem quando se encontram”.
Também nesse movimento de encontro, em setembro de 2016 é lançada a primeira edição da Revista Manzuá, produzida pelo Instituto Rosa e Sertão. Trata-se de uma publicação do instituto editada pela Lira Cultural e pelo Mosaico Sertão Veredas Peruaçu, que possui relevante contribuição para as lutas dos povos tradicionais e o resgate de suas práticas culturais. A produção da revista contou com apoio financeiro do Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal por meio do edital de financiamento do Plano Territorial de Base Conservacionista do Mosaico Sertão Veredas Peruaçu.
Marília Raiane Rodrigues Silva, que esteve no lançamento da revista, retratou em sua pesquisa a estratégia de articulação política deste movimento:
“O encontro destes sujeitos em comemoração à primeira edição da Manzuá deslindava uma operação de resistência, que tinha como fio condutor o uso da cultura e da tradição, como instrumentos de reivindicações políticas” (Silva, 2021, p. 15).
De acordo com o site da Revista Manzuá, a primeira edição fez um apanhado da memória do povo indígena Xakriabá, trouxe relatos de experiências de arranjos produtivos alternativos no norte de Minas Gerais, provocou uma reflexão sobre a situação da bacia do rio São Francisco, apresentou aspectos da medicina popular das mulheres sertanejas, além da história do Vão dos Buracos e um ensaio fotográfico sobre veredas.
A importância da história do Vão dos Buracos divulgada na Revista Mazuá é reforçada pelo depoimento de Silvina Rodrigues Teixeira, liderança quilombola da comunidade Buraquinhos, ao ressaltar que essa região passa por graves impactos ambientais devido ao uso de agrotóxicos em plantações de monocultura que cercam o Vão dos Buracos. Segundo seu depoimento ao Mapa de Conflitos, existem inúmeros casos de pessoas doentes na comunidade e possivelmente (conforme suspeita a comunidade, sem confirmação de estudos a respeito) esse quadro esteja associado aos contaminantes químicos que comprometem nascentes e cursos d´água da região do Vão dos Buracos.
O depoimento da liderança Silvina de Buraquinhos traz tanto um aspecto de denúncia do processo de vulnerabilização a que foram historicamente submetidos quanto o anúncio da dimensão ontológica ligada aos rios ao enfatizar a relação entre as águas (rios, nascentes, córregos) e a manutenção das formas de vida da comunidade.
Essa relação de afetividade com os rios da região foi bem retratada pelo cineasta Dêniston Diamantino no documentário “Terras de Januária”, de 2016. Ao tratar das belezas naturais do norte de Minas Gerais, o curta metragem traz imagens do rio Carinhanha e suas veredas, do rio Pardo, rio Pandeiros, o Peruaçu e suas cavernas, bem como do majestoso rio São Francisco.
Dêniston Diamantino, em entrevista à Revista Mazuá (2020), diz que existe uma clara relação de afetividade com o Velho Chico (rio São Francisco), sendo o rio considerado como um ente querido, e que essa relação ajuda na sobrevivência do povo ribeirinho. “As pessoas tomam a benção do Rio, conversam com ele, são apaixonadas por ele” – ressaltou Dêniston. Essa produção está disponível no link https://shre.ink/buRS.
Tratando especificamente do citado rio Peruaçu, Marília Raiane Rodrigues Silva, em sua pesquisa pelo Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (PPgeo/UFMG) (2021), buscou compreender o processo de seca do rio Peruaçu, que fica no extremo norte do município de Januária, e que antes era perene e tornou-se intermitente. Durante sua pesquisa, ela percebeu a clara relação da escassez hídrica no território e o aumento do nível de vulnerabilização social das comunidades da região.
A situação hídrica em Minas Gerais ganhou repercussão nacional quando, ao longo de dez meses, de outubro de 2016 a 23 de julho de 2017, aconteceu a 20ª Romaria das Águas e da Terra do estado de Minas Gerais. Fruto de várias reuniões de articulação, o tema da romaria foi “Povos da Cidade e do Sertão, clamando por Água, Terra e Pão”; e o Lema “Povos, Rios, Veredas e Nascentes são Dons de Deus em Romaria e Resistência”, organizada pela CPT.
De acordo com o blog Combate Racismo Ambiental (28/07/2017) na divulgação do texto de frei Gilvander Moreira, da CPT, todo esse processo da romaria teve participação de cerca de seis mil pessoas, dentre elas, representantes de Chapada Gaúcha.
Para a realização das Romarias das Águas e da Terra, a CPT contou com a participação das dioceses, paróquias, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Cáritas, Pastorais Sociais, STRs e Movimentos Sociais Populares (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA, Levante Popular da Juventude) e outros. Segundo a notícia, as romarias consistem em espaços importantes de reflexão, de celebração e posicionamento frente à concentração de terras, privatização das águas, dos direitos negados aos povos do campo e das cidades.
Como ponto marcante desta 20ª Romaria, a notícia ressaltou que foi possível dar visibilidade ao violento projeto que assola o norte e o noroeste de Minas:
“O agronegócio com hidronegócio, em grandes monoculturas, com uso abusivo de agrotóxicos, se continuar, irá exterminar todos os rios e já secou praticamente todos os córregos, além de matar milhares de nascentes, veredas e grotas. Em nome das crianças, das próximas gerações, em nome da dignidade humana e da dignidade de todos os biomas, a 20ª Romaria levantou a mensagem que diz: só teremos futuro se frearmos os grandes projetos devastadores do meio ambiente, se pararmos de considerar terra e água como mercadorias, se nos tornarmos, de fato, cuidadores/ras das nascentes, das matas ciliares e empreendermos processos práticos de revitalização de todas as bacias e microbacias hidrográficas. Todos somos corresponsáveis por essa luta de revitalização e cuidado com nossa Casa Comum. Para isso, compreender que a terra é mãe sagrada é imprescindível” (Frei Gilvander Moreira, CPT, 2017).
Tratando especificamente da comunidade Ribeirão de Areia de Chapada Gaúcha, no dia 05 de julho de 2017, foi promulgada a Lei Estadual n° 22.571, que declarou de utilidade pública a Associação Comunitária Ribeirão de Areia (Acra). Damiana, do Instituto Rosa e Sertão, em pronunciamento oral, destacou que a comunidade de Ribeirão de Areia (onde as famílias se autodenominam geraizeiras e veredeiras) estão sendo extremamente impactadas pelas práticas de monocultura de eucalipto, pois existe uma apropriação das terras para fins da agricultura extensiva nesta região.
Damiana Campos, em depoimento concedido ao Mapa de Conflitos, ressaltou que:
“O conflito agora que estou percebendo não é nem tanto pela contaminação da água, mas pela possibilidade de eles usarem as águas destas regiões para irrigação das grandes monoculturas. (…) Porque essa região é o grande reservatório d´água do território. É ali que vamos segurar a onda das mudanças climáticas. Então também existe a necessidade de um debate sobre as questões climáticas”.
Durante o período de 2 a 14 de julho de 2017, aconteceu uma importante ação em Minas Gerais chamada de Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) na Bacia Hidrográfica do rio São Francisco. De acordo com dados publicados pelo MPE/MG (05/07/2017), o objetivo da FPI é a preservação e recuperação do rio São Francisco, diagnosticando danos ambientais e promovendo fiscalização para conter crimes ambientais. Diversos órgãos públicos integraram essa iniciativa, que teve apoio do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco e da Agência Peixe Vivo, por meio do emprego de recursos oriundos da cobrança pelo uso da água do rio São Francisco.
Para o coordenador regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos rios Pardo e Verde Grande, o promotor de Justiça, Lucas Marques Trindade, em depoimento divulgado pelo MPE/MG: “(…) a atuação interdisciplinar é o grande diferencial da FPI, gerando a elaboração de laudos mais abrangentes em razão do aporte da visão de vários órgãos, de modo a permitir que a reparação dos danos ambientais ocorra de forma integral.”
A FPI foi realizada em 18 municípios do norte do estado que integram a sub-bacia do rio Pandeiros, na região do médio São Francisco. São eles: Bonito de Minas, Brasília de Minas, Chapada Gaúcha, Cônego Marinho, Formoso, Itacarambi, Januária, Japonvar, Juvenília, Lontra Manga, Miravânia, Montalvânia, Pedras de Maria da Cruz, Pintópolis, São Francisco, São João das Missões e Urucuia. De acordo com notícia do MPE/MG, por se tratar de uma “região muito vasta e com grandes vazios”, todo o trabalho do FPI foi amparado pelas forças policiais.
A ideia de “grandes vazios” nesta região do norte de Minas chama atenção para uma problemática apontada por Porto-Gonçalves e Quental (2011). Há de se considerar que existem discursos que embasam projetos de integração regional na América Latina, marcados por uma lógica de desenvolvimento que considera grandes áreas como “vazios demográficos” ou “terras disponíveis”. Com essa visão, legitima-se determinadas ações para “desenvolver” estas áreas supostamente inabitadas.
Essa forma de entendimento dos territórios pode vir a desconsiderar que, nessas áreas ditas “vazias e/ou disponíveis”, vivem vários grupos sociais, que conformam múltiplas territorialidades e práticas sociais, que precisam ser reconhecidos e visibilizados, e que dependem justamente da sustentabilidade das áreas ditas “vazias”. Porto-Gonçalves argumenta: “…práticas essas que permanecem invisíveis justamente porque não estão na esfera da ‘produção’ para troca ou venda, mas sim na esfera da reprodução” (2019, p. 38).
Por exemplo e como já salientado, no norte do estado de Minas, perto das chapadas, topos de morro e veredas, vivem povos tradicionais. De acordo com o levantamento de Silva (2018), entre esses grupos destacam-se os indígenas do povo Xakriabá e Tuxá, comunidades quilombolas, além de um número ainda desconhecido de geraizeiros, vazanteiros, catingueiros, veredeiros e apanhadores de flores, que passaram a se reconhecer como os “Sete Povos do Norte de Minas Gerais”.
Apenas para contextualizar, de acordo com o portal Ypadê, uma iniciativa da Comissão Nacional para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), os veredeiros possuem características específicas:
“A identidade veredeira está ligada ao território, na forma de criação, plantio e extração de itens diversos e na relação equilibrada estabelecida com o ecossistema das Veredas, Cerrado e Caatinga. Os veredeiros vivem próximos dos cursos d’água, áreas inundáveis e das chapadas, de onde extraem, principalmente do buriti, subsídios imprescindíveis à constituição de suas vidas” (Portal Ypadê, Ministério do Meio Ambiente, s.d).
Apesar dessa caracterização relativamente simplista, na medida em que esses grupos tradicionais são identificados e são divulgadas informações sobre eles, as organizações que lutam pelos direitos desses povos ganham maior visibilidade e força. A exemplo disso, ocorreu nos dias 04 e 05 de novembro de 2017 o 1° Encontro de Comunidades Tradicionais Veredeiras do Norte de Minas Gerais, na comunidade de Poções, município de Januária.
O sr. Jaime Alves dos Santos, da Acever, ressaltou, em depoimento oral concedido ao Mapa de Conflitos, que se trata de um encontro importante para o fortalecimento das comunidades tradicionais e para estabelecer articulações com outros grupos, movimentos sociais e instituições parceiras. Ele entende também que esse encontro ajudou na conscientização das pessoas sobre a importância do autorreconhecimento como povos veredeiros.
Silva (2018, p.12), em suas pesquisas de campo no norte de Minas, entendeu que o reconhecimento em “ser veredeiro” possui um desafio, pois as famílias passam de uma mentalidade vinculada à categoria “pequeno produtor rural” para a noção de “Povos e Comunidades Tradicionais”. Na visão do pesquisador, não se trata de mudar somente a classificação, mas sim o status perante o próprio território.
Em relação à autoidentificação como povos e comunidades tradicionais realizada pelas pessoas da região, os geraizeiros são tidos como os habitantes dos gerais. Seus territórios continuam sendo expropriados pelas grandes monoculturas, pela mineração e pela criação de parques de proteção integral, que impedem o acesso de comunidades geraizeiras em suas áreas de manejo tradicional.
O Portal Ypadê caracteriza os geraizeiros como grupos que:
“Desenvolveram a habilidade de cultivar às margens dos pequenos cursos d’água uma diversidade de culturas como a mandioca, cana, amendoim, feijões diversos, milho e arroz. Além das aves, o gado bovino e mesmo o suíno eram criados soltos, até em período muito recente, nas áreas de chapadas, tabuleiros e campinas de uso comunal. E são nestas áreas, denominadas genericamente como gerais, que vão buscar o suplemento para garantir a sua subsistência: caça, frutos diversos, plantas medicinais, madeiras para diversos fins, mel silvestre etc.” (Portal Ypadê, Ministério do Meio Ambiente, s.d).
Com uma longa história de luta pelo reconhecimento de seus direitos como povos tradicionais, nos dias 06 a 08 de abril de 2018 foi realizada a 5ª Conferência Geraizeira, na comunidade de Catanduva, município de Vargem Grande do Rio Pardo (MG). Com o tema “Água e Território”, a atividade contou com a participação de 57 comunidades geraizeiras e 577 participantes vindos de 15 municípios da região do alto rio Pardo e norte de Minas Gerais. Também participaram lideranças da Articulação Rosalino Gomes e representantes de diferentes instituições da sociedade civil e universidades.
Segundo Carlos Dayrell (2019 apud Leite, 2023, p. 16), do CAA/NM, na ocasião da 5ª Conferência, os geraizeiros denunciaram que: “Seus territórios continuam sendo expropriados pelas grandes monoculturas, pela mineração e pela criação de parques de proteção integral que impedem o acesso de comunidades geraizeiras às suas áreas de manejo tradicional”.
Ao analisar o papel do Estado e suas ações no processo de implementação de sete UCs localizadas na mesorregião do Norte de Minas, Leite (2023, p. 16-17) ressalta que esses povos e comunidades têm suas histórias marcadas pela exclusão, não somente por fatores étnico-raciais, mas, sobretudo, pela impossibilidade de acessar as terras por eles tradicionalmente habitadas, em grande medida usurpadas por grileiros, fazendeiros, empresas, interesses desenvolvimentistas ou até mesmo pelo próprio Estado.
De acordo com a Carta Final da Conferência, o evento teve como objetivo: o compartilhamento de experiências, possibilitando espaços de trocas e denúncias relacionadas às violações de direitos; avaliação da situação das lutas por território e água; reflexões sobre a importância das águas dos gerais (nascentes, córregos, rios e ribeirões); e promoção de debates sobre propostas de regularização fundiária dos territórios a partir do marco legal de povos e comunidades tradicionais. O documento na íntegra está disponível no link: https://shre.ink/bhqo.
Em 2019, a Fundação Pró-Natureza (Funatura) publicou documento referente ao Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista (DTBC) do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, projeto que tem por objetivo promover o desenvolvimento da região com bases sustentáveis. O plano também buscou criar mecanismos de integração do manejo das UCs com o desenvolvimento comunitário territorial com foco em três linhas de ação: extrativismo vegetal, turismo ecocultural e gestão integrada das áreas protegidas.
Cabe salientar que o território do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu possui 38 áreas protegidas, sendo 11 que constam da portaria que reconheceu o Mosaico em 2009, duas Terras Indígenas, 17 unidades incorporadas ao Mosaico por meio de proposições aprovadas em reuniões do Conselho do Mosaico, e oito RPPNs que fazem parte do território, porém sem estarem oficialmente incorporadas ao Mosaico (Funatura, 2019, p. 05). Para conhecer o Mosaico e todas as áreas protegidas que o compõem, recomendamos a leitura do Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista (DTBC) do Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, disponível aqui: https://shre.ink/bhqT.
Para implementação desse Plano foram formados seis grupos de trabalho temáticos com representantes de instituições e comunidades de Chapada Gaúcha. A partir de um detalhado diagnóstico socioambiental e econômico de todo o território que abrange o Mosaico, a publicação destacou um item voltado para os conflitos existentes na região, no qual consta o seguinte trecho:
“O território do Mosaico Sertão Veredas Peruaçu é uma região propícia para analisar conflitos socioambientais envolvendo principalmente comunidades tradicionais, porque ali vários grupos tradicionais permaneceram nas suas comunidades e resistiram à pressão da monocultura. Os casos de conflitos socioambientais envolvendo a monocultura de eucalipto e comunidades tradicionais na região podem ser enquadrados como casos de injustiça ambiental, pois a monocultura da produção de carvão para abastecer as siderúrgicas foi implantada onde residiam comunidades com pouco poder econômico e político, gerando impactos ambientais que atingiram diretamente o sustento dessas comunidades, suprimindo a vegetação nativa que possibilitava o extrativismo sustentável e produção agroecológica” (Funatura, 2019, p. 45).
O Plano faz alusão ao processo de resistência das comunidades frente aos conflitos existentes, sobretudo na organização dos geraizeiros, quilombolas e vazanteiros. Segundo o diagnóstico, esses grupos se posicionam criticamente frente às disputas por terra, dando visibilidade aos conflitos socioambientais que refletem o processo histórico do Cerrado.
Sobre os vazanteiros, eles são chamados assim porque praticam uma agricultura associada aos ciclos dos rios; abrindo roças nas áreas férteis que ficam expostas por alguns meses do ano, durante as chamadas “vazantes” que ocorrem nos períodos de estiagem. Para destacar alguns dos problemas existentes no território, o Plano resume os conflitos em Chapada Gaúcha da seguinte maneira: “Unidade de Conservação x agronegócio; Comunidades tradicionais x monocultura de capim” (Funatura, 2019, p. 46).
Apesar de não apresentar maiores detalhes sobre os conflitos em Chapada Gaúcha, o fato de a publicação considerar esse contexto já aponta para uma possibilidade de incluir no referido plano ações que possam contribuir com a mediação dos conflitos. Por se tratar de uma publicação extensa e com riqueza de detalhamento, recomendamos a leitura do Plano DTBC disponível no link acima.
Tratando especificamente das Comunidades Tradicionais Veredeiras do norte de Minas, desde quando começaram a se organizar politicamente (em meados de 2017, conforme já salientado), acumularam experiências e conquistaram espaços importantes de visibilidade e articulação política. Em 2019, foi criada a Associação Central das Comunidades Veredeiras (Acever), firmando a organização deste grupo tradicional em busca do reconhecimento de seus direitos, além da luta pela proteção e recuperação das veredas e águas.
Como presidente da Acerver, o sr. Jaime destacou em entrevista concedida ao Mapa de Conflitos que conseguiram indicar um conselheiro ao Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT) e na Comissão Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (CEPCT/MG).
Destacou também importantes articulações com organizações sociais e centros universitários, tal como o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CCA-NM), Caritas Regional de Belo Horizonte, Articulação Rosalino Gomes, além de pesquisadores vinculados à Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e mais recentemente com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Ao trazer seu ponto de vista sobre os conflitos em Chapada Gaúcha, o presidente da Acerver denunciou que as comunidades do município começaram a sentir os impactos ambientais nos rios Pardo e Pandeiros há cerca de 10 anos. Ele destacou que os conflitos nesta região atingem os municípios de Bonito de Minas, Chapada Gaúcha, Cônego Marinho, Januária e São Francisco. Por essa razão, as comunidades começaram a se organizar criando uma rede de articulação. Questões como segurança alimentar e riscos à saúde são temas debatidos entre esses grupos, de acordo com o sr. Jaime.
Entre 06 e 14 de julho de 2019, aconteceu a sexta edição do projeto “O Caminho do Sertão – De Sagarana ao Grande Sertão: Veredas”. De acordo com a publicação de Nathália Gameiro, da Fiocruz de Brasília (24/07/2019), a edição selecionou 60 pessoas, entre eles os pesquisadores Rafael Petersen e Fátima Cristina Maia, do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT), da Fiocruz Brasília. Essa edição trouxe como tema principal o “Diálogo”, e lembrou os 30 anos da criação do Parque Nacional Grande Sertão Veredas.
Segundo a publicação, o pesquisador Rafael Petersen disse que vivenciar essa experiência e estar no território foi importante para entender as diferentes formas de vida dos povos e comunidades tradicionais daquela região, bem como os problemas enfrentados por eles e seus desafios.
Para Petersen, a experiência o fez mudar como pesquisador: “É preciso observar os problemas, construir indicadores que realmente refletem a realidade das comunidades e pensar em como transformar o território em saudável e sustentável”. Nas conversas com os anfitriões, os pesquisadores da Fiocruz ouviram histórias sobre a cultura da região e a luta pela terra.
A observação da realidade local trouxe subsídios para que a Fiocruz Brasília realizasse atividades com a população que abrange o território do projeto “O Caminho do Sertão”. Visando a construir um processo de diálogo, conscientização e organização social, o Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) realizou uma roda de conversa com os moradores sobre saúde, saneamento e água, com base na Política Nacional de Saneamento Rural (PNSR).
Integraram a roda o coordenador do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho da Fiocruz Brasília (PSAT), Jorge Machado (Fiocruz Brasília); a pesquisadora da Fiocruz Brasília, Gislei Knierin; a representante da UFMG, Bárbarah Silva; e a representante da Fiocruz Minas Gerais – Instituto René Rachou (IRR), Josiane Matos. Cerca de 60 moradores e autoridades dos municípios envolvidos participaram da atividade.
Ainda de acordo com a mesma publicação da Fiocruz, a roda de conversa surgiu de uma imersão em cinco comunidades locais, por meio do projeto “Construção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis”, no Mosaico Grande Sertão Veredas-Pandeiros-Peruaçu. Foi identificado que, além de questões relacionadas às águas, a região enfrenta uma condição socioeconômica vulnerável, dificuldade de acesso às políticas públicas e analfabetismo adulto. Apesar da grande biodiversidade da região, com plantas medicinais, uma série de potencialidades artesanais, agricultura familiar e agroecologia, foi identificado um quadro de insegurança alimentar nas comunidades.
A ação da Fiocruz por meio do PSAT teve por intenção a implantação de uma governança em rede para incorporar ações intersetoriais, programáticas e participativas no Sistema Único de Saúde (SUS), aprovado no edital “Ideias Inovadoras” da Fiocruz. O coordenador do projeto, Jorge Machado, avaliou que a roda de conversa ampliou o horizonte do território de ação da Fiocruz.
Tratando especificamente da comunidade quilombola de Buraquinhos, Silvina Rodrigues Teixeira, presidente da associação local, disse em entrevista concedida ao Mapa de Conflitos que a atuação da Fiocruz, por meio do projeto “Construção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis”, foi bastante reconhecida pela comunidade local. Silvina relatou que existe um conflito na comunidade com o poder público do município. Segundo ela, a comunidade é frequentemente desassistida em suas reivindicações, e costumam enviar ofícios solicitando melhorias e serviços públicos na região, mas não são atendidos.
Para comprovar essa denúncia, Silvina demonstrou um ofício datado de 1º de outubro de 2019, endereçado ao então prefeito, Jair Montagner, do partido Avante, de Chapada Gaúcha. Nesse ofício, a associação local solicitava a manutenção do campo de futebol da comunidade, visando o incentivo ao esporte e atividades físicas, que como se sabe são importantes na promoção da saúde; no entanto, não houve atendimento ao pedido.
Entre 18 e 20 de outubro de 2019, aconteceu em São Joaquim, município de Januária, o 2º Encontro de Comunidades Tradicionais Veredeiras do Norte de Minas Gerais. De acordo com o documento de “Memória” do referido encontro, a mesa de abertura do evento foi composta por membros da Articulação Rosalino Gomes e representantes das Comissões Nacional e Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais.
O sr. Jaime, como presidente da Acever, esteve presente juntamente com Orlando, representante das comunidades vazanteiras; Cícero, das comunidades caatingueiras; a sra. Eva, representando as comunidades extrativistas apanhadoras de flores; Eliade, das comunidades quilombolas; Antônio, na representação das Comunidades Indígenas; Alvino, vice-cacique Xakriabá; além de Braulino Caetano dos Santos, diretor geral do CAA-NM.
O encontro teve como objetivo criar estratégias de fortalecimento, articulação e integração das lutas dos Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas. Cabe ressaltar que as informações descritas acima foram retiradas do documento “Memória”, do 2º Encontro de Comunidades Tradicionais Veredeiras do Norte de Minas Gerais, disponibilizado pelo sr. Jaime para a equipe do Mapa de Conflitos. Os sobrenomes dos participantes não estavam descritos nesse documento.
De acordo com o depoimento oral concedido ao Mapa de Conflitos, o presidente da Acever destacou que esses encontros buscam fortalecer “a identidade das veredas como patrimônio da humanidade”. Portanto, há necessidade de medidas para a recuperação e revitalização das áreas degradadas e para a luta pelo reconhecimento e titularidade dos territórios tradicionais das comunidades veredeiras.
Durante o encontro, representantes dos veredeiros dos municípios de Bonito de Minas, Chapada Gaúcha, Januária, São Francisco e outros grupos denunciaram conflitos relacionados com a implantação de UCs que limitam o extrativismo tradicional. O sr. Jaime afirmou: “A demanda de um grupo é a mesma que do outro, apesar de suas diferenças, por isso existe a necessidade do povo se unir”.
A Ata do encontro, cedida pelo presidente da Acerver, registrou que houve na ocasião a entrega do Plano Comunitário de Enfrentamento às Mudanças do Tempo, elaborado pelas comunidades veredeiras de Pandeiros e São Joaquim, solicitando apoio ao MPE/MG e à deputada estadual Leninha Alves, do Partido dos Trabalhadores (PT/MG).
Em resposta, a deputada Leninha destacou a previsão da alocação de emendas parlamentares no valor de R$ 3 milhões para recuperação ambiental do rio Pandeiros, entre outras ações previstas para os territórios veredeiros. Sobre a alocação de recursos de emendas parlamentares, não foi identificado, nessa pesquisa, nenhum projeto posterior com subsídios desta origem.
Em outra mesa de debate, o representante do MPF, Ricardo Monteiro, destacou a importância da união promovida nesse encontro, o aumento das demandas dos Povos e Comunidades Tradicionais junto ao MPF, e a necessidade de se efetivar os direitos garantidos por meio da implantação de políticas públicas. O vice-prefeito de Januária fez breve fala ressaltando a importância das parcerias e colocando-se à disposição para trabalhar em conjunto com os Povos e Comunidades Tradicionais.
Também houve a participação da pesquisadora Cláudia Luz (Unimontes), que ressaltou a importância de se engajar na luta em defesa da educação pública e apresentou o Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (Niisa). Ela divulgou o trabalho realizado pela universidade para o registro do conhecimento e da história dos Povos e Comunidades Tradicionais, que busca subsidiar a elaboração de futuros marcos legais e de políticas públicas.
Por fim, o representante do mandato do deputado federal padre João Carlos Siqueira (PT/MG), conhecido por sr. Butula, destacou a atuação do parlamentar em defesa das comunidades tradicionais e a previsão de recursos oriundos de emendas parlamentes para a região.
Ainda tratando das articulações que envolvem as comunidades veredeiras do norte de Minas, de acordo com a publicação do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM, 06/04/2020), essas comunidades possuem uma relação de interdependência com as veredas, sendo este o fator principal de suas identidades. Inclusive, cada comunidade é reconhecida e nomeada pelo rio ou vereda a que pertence.
A publicação ressaltou que um passo importante é garantir a regularização dos territórios tradicionais onde vivem e das quais dependem as comunidades veredeiras. Por isso, reivindicam do Estado a devolução das terras que foram griladas, a elaboração de planos de manejo e de conservação das áreas degradadas, além da realização de ações de restauração e recuperação das veredas e chapadas. “Nossas comunidades existem porque a água existe. Onde tem vereda, tem água e o povo está lá” – disse sr. Jaime em depoimento oral concedido ao Mapa de Conflitos.
Buscando dar visibilidade para as lutas dos povos veredeiros, o CAA-NM lançou em 15 de abril de 2020 o documentário “Vereda Viva é Liberdade”, que, além de expor momentos do II Encontro de Comunidades Veredeiras, faz um apelo pela necessidade de unir os povos e suas lutas pelos territórios. O filme está disponível no link: https://shre.ink/bhCS .
A condição de vulnerabilidade socioambiental dos povos do Cerrado é historicamente construída, e foi acentuada em meio à pandemia do coronavírus Sars-CoV-2 (causador da doença conhecida como covid-19), iniciada no Brasil em meados de março de 2020. A revista Manzuá (2020) trouxe a informação de que, desde o início do isolamento físico exigido pela Ciência como condição de prevenção à covid-19, redes de apoio e solidariedade movimentaram a região de Chapada Gaúcha para atender às demandas alimentares e sanitárias, além de levar informações seguras, mobilizar a circulação da renda e promover a identificação e os cuidados com grupos mais vulnerabilizados.
Nesse contexto, surgiram campanhas como a “Nutre Sertão Veredas”, promovida pelo Instituto Rosa e Sertão em parceria com a Manzuá, Lira Cultura e CineBaru – Mostra Sagarana de Cinema. A partir de uma articulação com recursos de doações de pessoas físicas e jurídicas, além de parceria com a Fundação Banco do Brasil, o Rosa e Sertão adquiriu produtos da agricultura familiar junto à Cooperativa Sertão Veredas, organizou uma rede de voluntários e distribuiu alimentos, materiais de higiene e limpeza, além de materiais de artes para crianças em 40 comunidades tradicionais do território.
A campanha carregou a identidade da instituição na sua relação com as comunidades, tendo como marcas o afeto, a linguagem poética e musical e o protagonismo feminino. De acordo com Damiana Campos, em depoimento publicado na revista Manzuá (2020), a campanha “nutre-se não apenas de alimentos, mas de atenção, respeito e verdadeiro afeto pelas pessoas, fundamental neste momento de incertezas e violência em tantos âmbitos da vida”.
Segundo informações publicadas no site da revista Manzuá (18/06/2020), na primeira fase da campanha “Nutre Sertão Veredas” houve a arrecadação de mil cestas básicas, além de materiais de limpeza e higiene. Durante os meses de maio e junho de 2020, a campanha atendeu cerca de 40 comunidades, dentre elas, famílias de Acari, Angical, Barra das Lages, Barra do Pequi, Barreiro Novo, Barro Vermelho, Buracos, Buraquinhos, Cachimbo, Cajueiro, Calengue, Cangussu, Catarina, Cedro, Gaieiro, Gairn, Gavião, Lages, Mangai, Marimbas, Morro do Fogo, Para Terra I, Para Terra II, Patos, Pequi, Quati, Quatis, Quilombo da Lapinha, Quilombo São Félix, Retiro dos Bois, Retiro Velho, Riachinho, Riacho Fundo, Ribeirão de Areia, São Joaquim, Serra das Araras, Sitio Pequeno, Vereda Ruim e Veredinha.
Ainda nesse movimento de rede de apoio devido ao período pandêmico, em 22 de maio de 2020, a Campanha em Defesa do Cerrado iniciou uma série de bate-papos virtuais centrados nos povos que promovem a conservação da sociobiodiversidade do Cerrado: os povos indígenas, comunidades quilombolas, tradicionais e assentadas de reforma agrária do bioma.
O sentido da série foi propiciar um lugar de escuta dos representantes dos diversos povos e comunidades do Cerrado sobre sua leitura política a respeito de seus modos de vida, suas práticas de manejo, tradições socioculturais, conflitos e problemas socioambientais. Essa série de bate-papos com os povos do Cerrado está disponível no link: https://shre.ink/bhXP.
Neste contexto, a Campanha em Defesa do Cerrado publicou o livro eletrônico “Saberes dos povos do cerrado e biodiversidade”, organizado por Diana Aguiar Orrico Santos e Helena Rodrigues Lopes (2020). Em artigo específico sobre as comunidades geraizeiras, fechos de pasto e apanhadoras de flores sempre-viva, que vivem entre as chapadas e vales do oeste da Bahia e norte de Minas Gerais, a publicação ressaltou o “saber-fazer” desses grupos tradicionais sobre o manejo das chapadas, serras, vales e veredas, bem como a promoção e conservação das águas e da biodiversidade do Cerrado. A publicação na íntegra encontra-se no link: https://shre.ink/bhXN.
Entre os dias 20 e 23 de agosto de 2020, uma importante ação foi realizada em Chapada Gaúcha, mesmo em meio ao período da pandemia de covid-19: o 19º Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas. Trata-se de um evento anual que celebra a riqueza da sociobiodiversidade do Cerrado e a valorização da cultura das comunidades tradicionais que vivem na região do Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Em 2020, por conta da pandemia, pela primeira vez em 19 anos o evento foi realizado de forma digital.
De acordo com notícias publicadas pelo WWF-Brasil (14/08/2020) e a Prefeitura Municipal de Chapada Gaúcha (21/08/2020), o encontro teve como tema “Mulheres do Sertão: cultura, sustentabilidade e geração de renda”, homenageando a vida de Antonina Pereira Nunes, conhecida como dona Antonina, da comunidade Ribeirão de Areia, Chapada Gaúcha. Celebrando 92 anos em 2020, dona Antonina criou 13 filhos e um neto, sendo reconhecida por ser: “exemplo de mulher sertaneja, pessoa forte, guerreira, dançadeira de roda, rezadeira, parteira, mãe de leite, viúva e trabalhadora rural” – conforme publicado pelo WWF-Brasil.
Segundo a mesma publicação, dona Antonina participa das apresentações culturais desde o primeiro Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas, mantendo vivas e passando de geração em geração sua cultura, identidade e tradição. Kolbe Soares, analista de conservação do WWF-Brasil (14/08/2020), disse que, mesmo sendo em formato virtual, a 19ª edição do encontro contribuiu para manter o compromisso de celebrar a riqueza cultural dos povos do Sertão e dos Gerais.
Diante dos aprendizados que o Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas proporciona, cabe ressaltar Porto-Gonçalves (2019), quando diz: “Não há defesa do Cerrado sem a defesa dos territórios dos povos dos Cerrados, onde suas riquezas são conservadas, nutridas e multiplicadas”. Esse é o compromisso que vem guiando pessoas das comunidades de Chapada Gaúcha, como vemos a partir dos relatos de Silvina Rodrigues Teixeira (liderança quilombola da comunidade Buraquinhos).
Em entrevista concedida ao Mapa de Conflitos, Silvina relatou que todas as comunidades de Chapada Gaúcha estão sofrendo com a diminuição e a contaminação das águas:
“Todas as nascentes estão cercadas pela monocultura e isso é muito complicado porque a gente depende das águas para sobreviver. O principal é o rio Pardo, mas na comunidade tem o córrego Buraquinhos, córrego Lagoa Verde e as grotas que abastecem toda a comunidade e a escola… A gente tinha uma desconfiança de que as águas estavam contaminadas pelos agrotóxicos e isso se confirmou com a análise das águas. (…) O pessoal de lá tem sentido muitas dores de barriga, tendo diarreia e nós achamos que isso tem a ver com a água. E existem pessoas que estão morrendo por causas desconhecidas. Não pode afirmar que tem relação com os agrotóxicos, mas pode ser que sim. Eu perdi uma cunhada que morreu por causa desconhecida e isso aconteceu com outras pessoas daqui da comunidade”.
A fala de Silvina é complementada ao analisarmos os relatos de Damiana Campos, em depoimento concedido ao Mapa de Conflitos. Na visão dela: “Mexeu com a água e agora eles entenderam que não estão mais seguros como antes”. Ao citar “eles”, ela está se referindo às comunidades tradicionais de Chapada Gaúcha, que sofrem cada vez mais com a expansão da fronteira agrícola sobre seus territórios, provocando violência e devastação.
Silvina, ao falar sobre a análise das águas, se refere ao processo realizado por meio da participação das comunidades no projeto “Ticcas Sertão Veredas-Peruaçu: cartografia social, água e feminino”, que tinha em um de seus eixos de ação a análise química das águas de rios do núcleo Pandeiros e Grande Sertão do Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu.
De acordo com o relatório de Rhaul de Oliveira, pesquisador colaborador da UFMG e diretor científico do Centro de Referência em Tecnologias Sociais do Sertão (Cresertão), responsável técnico pelos estudos do projeto Ticcas Sertão Veredas-Peruaçu, foram analisadas amostras das águas do município de Chapada Gaúcha, em especial as águas da Bacia do rio Pardo, a fim de averiguar a presença de agrotóxicos.
Para fins de esclarecimento, o projeto “Ticcas Sertão Veredas-Peruaçu: cartografia social, água e feminino” nasceu da convocação do 30º Edital Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-Ecos) do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), no qual o Instituto Rosa e Sertão foi contemplado. Tratava-se de um edital para apoiar iniciativas voltadas para beneficiar comunidades tradicionais do Cerrado que promovem a conservação de seus territórios e modos de vida. Ticcas é um conceito internacional que reconhece os modos de vida, os locais de vivência e os direitos de povos e comunidades tradicionais. Nessa seleção, 14 propostas foram contempladas.
Com base em informações divulgadas no site do ISPN, desde 1994 o PPP-ECOS recebe o apoio do Small Grants Programme (SGP), programa do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) implementado por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e, a partir de 2012, de outros doadores, como o Fundo Amazônia, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Laudes Foundation, União Europeia e U.S. Agency for International Development (Usaid).
O projeto “Ticcas Sertão Veredas-Peruaçu” ocorreu de agosto de 2021 a fevereiro de 2022. O Plano de Trabalho cedido por Damiana Campos para a equipe do Mapa de Conflitos explicitava que o projeto se estruturou a partir de três dimensões (Águas, Cartografias e Comunicação), e tinha por objetivo fortalecer os territórios para a soberania das águas e reconhecer o potencial de conservação por povos e comunidades tradicionais.
Na “Dimensão 1 – Cartografias” foram realizados nove encontros em comunidades de Chapada Gaúcha, sendo elas: Barro Vermelho, Buraquinhos, Morro do Fogo e Ribeirão de Areia. A partir do uso de cartografias sociais, o projeto Ticcas realizou o cadastro de duas comunidades no aplicativo “Tô no Mapa”, sendo elas: Barro Vermelho e Buraquinhos. Para saber mais, acesse: https://tonomapa.org.br/mapa/.
Para fins de esclarecimento, o “Tô no Mapa” é um aplicativo desenvolvido para que povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares brasileiros realizem o automapeamento de seus territórios. Uma ferramenta acessível e gratuita, construída a partir do diálogo entre diversas comunidades e organizações sociais. Essa é uma iniciativa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) junto ao ISPN, com apoio da Rede Cerrado.
Já na “Dimensão 2 – Águas” do projeto “Ticcas Sertão Veredas-Peruaçu” foi realizada a análise química das águas e um estudo sobre seus usos. Para isso, foram realizadas oficinas e caminhadas ecopedagógicas nos territórios de Buraquinhos, Morro do Fogo e Ribeirão de Areia. A metodologia contou com facilitação do professor Rhaul Oliveira, que mobilizou parte da equipe para inserir, dentro da aula prática de análise química, os conhecimentos tradicionais e usos da água. O território de Barro Vermelho foi visitado por meio de uma parceria com o projeto “O Caminho do Sertão” e a Fiocruz Brasília e do Instituto René Rachou (IRR – Fiocruz Minas), por ocasião das oficinas do projeto “Territórios Saudáveis e Sustentáveis”.
De acordo com o relatório da análise das águas produzido pelo dr. Rhaul de Oliveira, o objetivo era verificar a presença de agrotóxicos na água do município de Chapada Gaúcha, com ênfase nas seguintes amostras: Águas da Bacia do rio Pardo; Águas de abastecimento público destinada para crianças em espaços de educação formal; Águas de nascentes; Águas de áreas protegidas pelo Parque Nacional Grande Sertão Veredas; Águas de poços artesianos e cisternas de captação das chuvas; e Águas da Comunidade Tradicional do Ribeirão de Areia (2022, p. 01).
Os resultados indicaram a contaminação por agrotóxicos em todas as amostras analisadas. Assim, de acordo com as análises de Oliveira (2022), considerando que os agrotóxicos são compostos sintéticos que não deveriam ocorrer naturalmente naqueles sistemas, concluiu-se que:
“Nascentes estão contaminadas; Minas e Poços artesianos contaminados indicam contaminação do lençol freático; Água captada pela chuva contaminada; Águas distribuídas nas escolas contaminadas; A contaminação do rio Pardo é observada da sua nascente à foz; Área estudada no Parque Nacional Grande Sertão Veredas contaminada” (p. 04, 05).
As análises indicaram que os agrotóxicos mais detectados foram 2,4-D, atrazina, fipronil e produto de transformação fipronil-sulfona em todas as amostras (100%), carbendazin, simazina e tebuconazol em 72 % das amostras e azoxistrobina (68%).
Buscando exemplificar os riscos destes agrotóxicos à saúde, encontramos na bula do químico Atrazina (um dos agrotóxicos detectados nas amostras de águas em Chapada Gaúcha) que este produto é considerado “muito perigoso ao meio ambiente (Classe II)” e “altamente tóxico”, sendo indicada a não aplicação do produto próximo de escolas, residências e outros locais de permanência de pessoas e de áreas de criação de animais. Já o agrotóxico fipronil foi considerado como “extremamente tóxico” nos testes de toxicidade aguda realizadas por Gomez Manrique (2009).
A partir destes dados, é possível considerar que havia indícios de que as suspeitas de Silvina Rodrigues Teixeira e das comunidades quilombolas de Buraquinhos poderiam estar, de fato, corretas. Rios e nascentes da região se encontram com contaminantes químicos que podem provocar sérios riscos à saúde da população.
Ademais, conforme ressaltou Oliveira (2022), devem ser considerados tanto os dados científicos quanto os saberes tradicionais que apontam para o agravamento da escassez de água na região, incluindo a extinção local de espécies de pescado, esgotamento das águas subterrâneas devido à expansão do monocultivo e mudanças no regime das águas devido às mudanças climáticas globais. Esses achados indicam uma condição de exaustão hídrica em Chapada Gaúcha, apontando para a gravidade das ameaças em curso.
A pesquisadora Marília Raiane Rodrigues Silva, em depoimento concedido ao Mapa de Conflitos, relatou que, conversando com alguns moradores de Chapada Gaúcha, percebeu que a questão das águas é central, e que as comunidades sofrem de formas diversas com a diminuição da qualidade das águas.
Na sua observação, o ribeirão de Areia e o rio dos Bois se encontram extremamente assoreados, e as chapadas onde nascem alguns dos rios da região sofrem com o desmatamento provocado pelas monoculturas, o que contribui tanto com o quadro de escassez hídrica quanto para o desequilíbrio ecológico das veredas.
A questão hídrica também pautou os discursos dos deputados em plenário durante uma Reunião Ordinária realizada na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) em 22 de setembro de 2021. A preocupação era com a região do norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, as duas regiões do estado mais afetadas pelas secas nessa época.
Segundo notícia publicada pela ALMG (22/09/2021), a então deputada estadual Andréia de Jesus, do Partido Socialismo e Liberdade (Psol/MG), lembrou das dificuldades de comunidades quilombolas e de outros povos tradicionais. De acordo com seu pronunciamento: “A plantação de eucalipto e o uso predatório da água por latifundiários deixaram os pequenos agricultores em situação gravíssima”. Ela disse que cobraria providências da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), que, na sua avaliação, “pratica racismo estrutural (e ambiental) contra os quilombolas”.
Na época, o deputado estadual Carlos Pimenta, do Partido Democrático Trabalhista (PDT/MG), denunciou que os mananciais de água do norte de Minas estavam sendo destruídos pelas queimadas provocadas por grupos organizados. “As pessoas descem do carro na calada da noite, com maçarico na mão, colocam fogo na mata, entram no carro e vão embora. As consequências são dramáticas: nascentes morrendo, rios e barragens secando” – completou o deputado, de acordo com notícia da ALMG (22/09/2021).
Diante do agravamento das ameaças ao Cerrado brasileiro, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado peticionou ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP) a realização de uma Sessão Especial para julgar o crime de ecocídio em curso contra o Cerrado e a ameaça de genocídio cultural dos povos do Cerrado. De acordo com dados publicados no site oficial da Campanha (05/09/2021), a acusação foi apresentada durante o lançamento on-line do TPP, em 10 de setembro de 2021, e apontou como responsáveis pelos crimes Estados e entes nacionais, Estados estrangeiros, organizações internacionais e agentes privados, como empresas transnacionais e fundos de investimento.
Segundo o documento “Peça de acusação – sessão em defesa dos territórios do Cerrado do Tribunal Permanente dos Povos” (setembro, 2021), a Campanha em Defesa do Cerrado argumenta:
“Em diálogo com a tipificação do crime de ecocídio pelo TPP, denunciamos o processo em curso de ecocídio contra o Cerrado, que entendemos como os históricos e graves danos e vasta destruição que resultaram da intensa expansão da fronteira agrícola sobre essa imensa região ecológica (cerca de 1⁄3 do território nacional) ao longo do último meio século – desenhada e dirigida pelo Estado brasileiro, em articulação com Estados estrangeiros e agentes privados nacionais e estrangeiros, com os quais compartilha a responsabilidade nesta acusação” (TPP, 2021, p. 45).
Para dar ainda maior consistência à acusação, foram apresentados alguns conflitos no Cerrado, a partir de casos representativos:
“O TPP do Cerrado apresentará 15 casos, distribuídos entre Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí e Tocantins. Os casos apontam a sistematicidade geográfica e no tempo de certas violações que permitem falar em ecocídio para o conjunto do Cerrado e também em ameaça de genocídio cultural dos povos. Os casos foram selecionados a partir de um amplo processo de escuta e análise envolvendo lideranças comunitárias e organizações de assessoria membros da Campanha. Lideranças dos territórios impactados falarão de cada uma das violações em diferentes ocasiões ao longo das atividades online do Tribunal” (TPP, 2021, p. 61).
Um dos casos selecionados trata dos “Veredeiros do Norte de Minas Gerais x empresas do complexo siderúrgico/florestal”. Em resumo, o caso apresenta as comunidades veredeiras dos Territórios Buriti Grosso e Berço dos Águas/Alegre, no município de Januária, que lutam contra a degradação ambiental e o encurralamento promovido pelas políticas desenvolvimentistas a favor do complexo siderúrgico florestal de empresas como a Plantar e Rima Industrial, implantadas desde a ditadura empresarial-militar dos anos 1964/85.
Enfrentam também restrições ao uso tradicional provocadas pela política ambiental e criação de unidades de conservação sobre seus territórios. Propõem a regularização fundiária e a recuperação socioambiental de seus territórios e de suas economias.
Cabe ressaltar que a Sessão do TPP como estratégia coletiva de publicização das violações de direitos humanos e do ecocídio em curso não substitui as ações judiciais específicas de cada caso, sendo lideradas pelas comunidades e suas assessorias jurídicas (sejam as defensorias públicas, os ministérios públicos ou assessores/as jurídicos/as populares), mas busca complementá-las, amplificando sua legitimidade política e visibilidade pública.
De acordo com publicação da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG, 18/10/2021), comunidades quilombolas do norte e nordeste de Minas participaram de uma audiência pública em 18 de outubro de 2021. Organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (CDH/ALMG), a audiência teve o objetivo de debater o quadro de desabastecimento de água e a necessidade de regularização fundiária dos territórios tradicionais. Na ocasião, foi denunciado por representantes dessas comunidades que a omissão do poder público em garantir o abastecimento de água ameaça inviabilizar e destruir comunidades quilombolas do norte e nordeste de Minas Gerais.
Daiane Cardoso, representante da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N’Golo), destacou que o êxodo rural forçado pela falta de água dificulta ainda mais a regularização das terras. “A gente sabe que, para ter a demarcação de um território, tem que ter cultura. Daqui a alguns anos não vai ter cultura nenhuma, e eles ganham. Mas ainda dá tempo de mudar essa história” – denunciou Cardoso.
Já a presidenta da Comissão de Direitos Humanos, a então deputada estadual Andréia de Jesus (Psol/MG), disse que não se trata de êxodo rural, mas sim de uma expulsão dos povos tradicionais de seus territórios, alegando que isso é uma escolha política do Estado.
As estratégias para a desterritorialização das comunidades tradicionais do norte de Minas aparecem de maneiras diversificadas e perversas. Especificamente em Chapada Gaúcha, de acordo com uma publicação da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG, 25/11/2021).
Em 24 de novembro de 2021, na comunidade rural Rio dos Bois, a PMMG prendeu dois homens que estavam utilizando um carro oficial da frota do estado de Minas Gerais para reuniões com o propósito de oferecer gratuitamente “pedaços de terras” e a liberação de crédito fundiário com a inclusão de novos associados na “Associação Terra Prometida Nova Aliança”.
Ainda de acordo com as informações publicada no site da PMMG, eles exigiam a contribuição de R$130 por pessoa, com a promessa de entregar terras em local não definido e a liberação de um crédito de R$158.000; porém, não ofereciam nenhum recibo dos pagamentos das contribuições. Os policiais militares se deslocaram até a comunidade Rio dos Bois, onde acontecia uma reunião, e os homens foram presos sob acusação de estelionato, fraude e falsidade ideológica.
Algumas análises sobre a política de devastação dos Cerrados publicadas na obra “Saberes dos povos do cerrado e biodiversidade”, da Campanha em Defesa do Cerrado (2020), nos ajudam a compreender o caso dessa natureza ocorrido em Chapada Gaúcha. Mesmo tratando de outra região (oeste da Bahia), existem as mais variadas modalidades de fraude para se apropriar de terras tradicionais, tal como analisado por Porto-Gonçalves (et al., 2020) no trecho a seguir:
“Desde a década de 1970, as comunidades vêm sofrendo com a grilagem das chapadas, tendo seu acesso a essas áreas de uso comum frequentemente interditado pelo erguimento de cercas, fechamento de antigas estradas e pelo desmatamento. As chapadas são estratégicas para o agronegócio não somente pelo tipo de solo, menos arenoso que nos vales, por serem planos e favorecerem a mecanização, mas principalmente pelo volume de chuvas que caem sobre elas (entre 800 e 1.600 mm anualmente). Com a chegada das grandes empresas transnacionais do agronegócio, sedentas por terra, grupos mais ou menos profissionais da grilagem de terras passaram a falsificar títulos de propriedade em cartórios, usando as mais variadas modalidades de fraude, para se apropriar de milhões de hectares de terras dos chapadões do Oeste da Bahia. Embora tradicionalmente ocupadas por essas comunidades, a condição jurídica atual é de terras devolutas, ou seja, ainda são formalmente domínio público” (Porto-Gonçalves et al., 2020, p. 41, 42).
Nesse contexto de disputa por terras, o sr. Jaime denunciou um caso ocorrido em 2021, no município de Januária, onde parte do território tradicional dos veredeiros vinha sendo ocupado ilegalmente por estrangeiros do Paraguai, inclusive havendo cercamento de área comuns, desmatamentos e a utilização de documentos falsos.
Representantes das comunidades tradicionais denunciaram as invasões para o MPE/MG e para Polícia Ambiental. No entanto, as investigações não prosseguiram. Segundo depoimento oral concedido pelo presidente da Acever, essas denúncias resultaram em casos de ameaças de morte que ele e o sr. Antônio Cigano, da comunidade Cabeceira de Mandins, sofreram.
Em meio a tantas ameaças e conflitos, afirmam-se movimentos de resistência que, por vezes, passam despercebidos. Neles, percebemos um protagonismo das mulheres do sertão. A reportagem de Carolina Cunha, publicada na National Geographic (05/11/2020), revela a história das mulheres fiandeiras, tecelãs e tintureiras, que a partir do resgate de tradições do sertão estimularam a organização social de mulheres em espaços de encontro, partilha de saberes e afetos femininos.
De acordo com Cunha (2020), o renascimento dos antigos processos artesanais só aconteceu com ajuda da Central Veredas, cooperativa que atua como braço comercial das artesãs no vale do rio Urucuia. Sua fundação, em Sagarana (MG), é resultado de um trabalho desenvolvido pela ONG Artesol.
O projeto ofereceu oficinas de capacitação e estimulou a organização das artesãs em associações. Atualmente, as mulheres estão organizadas em associações nas cidades de Bonfinópolis, Buritis, Chapada Gaúcha, Natalândia, Riachinho, Sagarana, Uruana e Urucuia.
Os tecidos são confeccionados de forma totalmente artesanal e o trabalho é feito em rede com núcleos de produção que envolvem cerca de 180 mulheres nos processos de fiação, tingimento natural, tecelagem e bordados. Com a formação dos grupos de produção, as artesãs passaram a vivenciar momentos importantes como a realização de mutirões de trabalho, sempre motivadas com músicas e poesias regionais. Os mutirões viraram arte e as mulheres passaram a ser convidadas a se apresentar em festivais de cultura em todo o Brasil, de acordo com a reportagem da National Geographic (05/11/2020).
O Instituto Rosa e Sertão, ao criar “propostas de fruição artística, dialogando com os saberes dos antigos e a produção contemporânea do Sertão” (Rosa e Sertão, s.d), aproveitou todo o potencial das mulheres artesãs de Chapada Gaúcha para provocar processos pedagógicos de leitura da realidade local e de organização social em torno de outro projeto: “Ticcas Sertão Veredas-Peruaçu: cartografia social, água e feminino”.
A partir da organização de encontros das mulheres bordadeiras, foi desenvolvida uma metodologia chamada “bordadografias”, na qual mulheres das comunidades tradicionais de Chapada Gaúcha produziram fotografias bordadas de linhas, tendo por intencionalidade pedagógica contribuir com o objetivo principal do projeto Ticcas Grande Sertão: “fortalecer os territórios para a soberania das águas e reconhecer o poder de conservação dos territórios por povos e comunidades tradicionais” (Relatório do Projeto Ticcas).
É perceptível que são iniciativas com relevante potencial para dialogar e contribuir com os movimentos teóricos e políticos de base popular em efervescência na América Latina, a dita “economia feminina do compartilhar e do cuidar” – tal como escreve a filósofa indiana Vandana Shiva em artigo publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos (01/09/2020).
Considerando que um dos eixos de atuação do Projeto Ticcas foi a dimensão da comunicação, foram realizadas oficinas com as mulheres bordadeiras:
“O encontro das bordadeiras foi proposto em duas fases, a primeira realizada entre os dias 21 e 22 de setembro de 2021 e a segunda em janeiro de 2022, no quintal da casa de Lady e Luzim. As mulheres se uniram às margens do rio Ribeirão e embaladas pela música de Daiana Campos teceram histórias e trocaram pontos de bordados sobre as águas. Ao total, foram 12 bordadeiras, com bolsas de incentivo ao bordado. Tanto da comunidade de Ribeirão de Areia quanto de Serra das Araras” (Relatório do Projeto Ticcas, 2022).
Cabe ressaltar que todo o processo decorrido ao longo do projeto Ticcas foi desenvolvido a partir da Consulta Livre, Prévia e Informada aos povos e comunidades tradicionais, que aceitaram a proposta e participaram ativamente de todas as etapas do projeto.
Ademais, esse tema, que se refere ao direito das populações de serem consultadas previamente por toda e qualquer ação que as envolva, foi pauta de discussão em abril de 2022, no estado de Minas Gerais.
Em 04 de abril de 2022, foi publicada a Resolução Conjunta n° 01 das Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese/MG) e Meio ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad/MG), que regulamenta, em âmbito estadual, a Consulta Livre, Prévia e Informada aos povos e comunidades tradicionais, conforme prevista na Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
No entanto, de acordo com o argumento publicado pelo Coletivo Margarida Alves (21/04/2022), a regulamentação estadual contraria comunidades indígenas e quilombolas.
Em audiência pública realizada na ALMG em 20 de abril de 2022, organizações da sociedade civil e movimentos populares de Minas Gerais criticaram a regulamentação estadual da consulta prévia aos povos tradicionais afetados por empreendimentos econômicos. Representantes de entidades ligadas à defesa dos direitos de comunidades indígenas, quilombolas e de geraizeiros reclamaram da falta de participação popular na elaboração da nova resolução, e uma nota contrária à Resolução nº 01 foi assinada por 80 entidades de defesa dos direitos humanos.
Segundo publicação do Coletivo Margarida Alves, para o assessor da CPT/MG, frei Gilvander Luís Moreira, a norma viola princípios básicos de participação popular e a própria Convenção 169 da OIT. “É mais uma manobra do Governo do Estado a serviço das grandes empresas” – criticou Moreira. Entre os principais problemas da Resolução nº 01, na avaliação do frei, está o reconhecimento somente das comunidades certificadas oficialmente, o que restringe o número de povos tradicionais a serem consultados. Além disso, essa exigência também seria uma afronta ao princípio da autodeterminação dos povos, de acordo com o ponto de vista do frei Gilvander e de todos os movimentos presentes na audiência.
Outro ponto controverso é o prazo de 45 dias para elaboração de protocolo de consulta pelas comunidades tradicionais nos processos de licenciamento ambiental. “Esse prazo desrespeita a forma de organização dos povos tradicionais” – argumentou a advogada do Coletivo Margarida Alves, Layza Queiroz Santos.
Essa atenção dedicada aos direitos dos povos tradicionais de Minas Gerais é mais do que necessária diante do cenário cada vez mais ameaçador em que esses grupos vivem. A exemplo disso, em junho de 2022, cerca de 20 quilombolas foram resgatados de trabalho análogo à escravidão em uma fazenda próxima ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas.
De acordo com reportagem publicada no blog Combate Racismo Ambiental (21/06/2022), segundo os auditores-fiscais do trabalho, 18 deles vinham dos municípios de Chapada Gaúcha e São Francisco, e cinco, do interior da Bahia. Dois eram menores de idade.
Com base em informações vindas da fiscalização, eles estavam em uma área de desmatamento para cultivo de sementes para formação de pastagem, e as vítimas teriam sido aliciadas por um sujeito contratado pelo proprietário da fazenda. A reportagem se baseia em informações da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) e do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), e não revela detalhes sobre a referida fiscalização.
Todos foram alojados em uma edificação em ruínas às margens de uma estrada de terra, em condições precárias de moradia e sem qualquer transporte que garantisse liberdade de locomoção. Os trabalhadores não tinham registro em carteira, e os pagamentos eram retidos até a “conclusão das atividades”.
Alguns deles disseram que estavam no local havia mais de cinco meses, sem receber ou ir até alguma área urbana. Além dos auditores-fiscais, participaram da ação representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF). As vítimas receberam verbas salariais e guias de seguro-desemprego.
Em 10 de julho de 2022, o júri do TPP apresentou seu veredito e condenou pelos crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos o Estado brasileiro, governos nacionais e estrangeiros, além de entidades, órgãos e empresas nacionais e internacionais. Conforme salientado, o TPP do Cerrado julgou 15 casos distribuídos entre Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí e Tocantins. Os casos foram detalhados ao longo do processo das Audiências Temáticas do TPP entre 2021 e 2022.
Segundo publicado pela CPT (22/03/2023), não se tratou de buscar o ecocídio e o genocídio em casos específicos – embora estes sejam sua expressão mais concreta -, mas de compreender, a partir dos casos representativos, a sistematicidade geográfica (em todo o Cerrado) e temporal (no último meio século) do crime de ecocídio do Cerrado e do genocídio dos seus povos.
Entre os casos analisados pelo júri do TPP, o terceiro caso é relativo às comunidades veredeiras do norte de Minas Gerais, concentradas em extensas áreas de gerais da margem esquerda do rio São Francisco. De acordo com o documento da sentença final da 49ª sessão em defesa dos territórios do Cerrado (2019-2022), essas comunidades lutam pela afirmação de sua identidade e pela recuperação de ao menos parte de seu território ao fazerem a retomada do “Território Veredeiro Berço das Águas”.
Acusam o governo de Minas Gerais (Instituto de Terras de Minas Gerais – Iter/MG e Instituto Estadual de Florestas – IEF/MG) e a União federal (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), extinto e incorporado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, pela implementação de programas e projetos que fomentaram o processo de expropriação de suas terras e territórios tradicionais e a devastação ambiental. O documento da sentença final do TPP encontra-se disponível aqui: https://shre.ink/bjRC.
Segundo publicado no fascículo do caso “Veredeiros do Norte de Minas Gerais”, o TPP analisou, mais especificamente, os territórios veredeiros Berço das Águas, nas áreas das antigas fazendas Angico e Alegre, e a área do Buriti Grosso, no município de Januária. O estudo de caso revelou:
“Além da expropriação territorial para plantação do eucalipto, as empresas RIMA (antiga Metalur) e PLANTAR também são acusadas de serem protagonistas, na região, de projetos de ‘siderurgia sustentável’, financiados pelo GEF e implementados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e pelo Governo do Brasileiro. (…) O estudo de caso demonstrou que PLANTAR e RIMA estiveram associadas à grilagem de terras no Norte de Minas. Além disso, as comunidades sofreram os impactos que as plantações promoveram sobre a biodiversidade e os cursos d’água. Denuncia também que a RIMA esteve recentemente envolvida na ‘Máfia do carvão’, que adquiriu carvão ilegal de forma fraudulenta produzido a partir do desmatamento a preços significativamente mais baixos” (Fascículo 06: Veredeiros do Norte de Minas Gerais, TPP e Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, 2023, p. 14).
A título de complementação, a fundação do Grupo Rima remete ao ano de 1952, quando foi criada, em São Paulo, a empresa Metalur Ltda. Em 1974, Ricardo Vicintin funda em Minas Gerais a Eletrometalur S/A. Esse foi o nome da empresa que, a partir de 1982, recebeu então o nome de Rima Industrial S/A.
Além das denúncias dos crimes cometidos contra o Cerrado e seus povos neste caso específico, o veredito final do Tribunal Popular dos Povos anunciou recomendações práticas, tais como: o imediato bloqueio das matrículas dos imóveis particulares sobrepostas aos territórios Berço das Águas, em especial as de titularidade das empresas Rima e Plantar; a realização dos procedimentos de regularização fundiária dos Territórios Veredeiros do Norte de Minas Gerais; e a reparação integral das famílias das comunidades que integram os territórios veredeiros diante dos danos socioambientais provocados pelos empreendimentos.
As recomendações buscam a “promoção da justiça socioambiental, dos direitos à terra e ao território, da soberania e segurança alimentar e nutricional, da proteção das águas e da sociobiodiversidade, da autodeterminação dos povos e da defesa do Cerrado”. O Fascículo 06: Veredeiros do Norte de Minas Gerais, do TPP e Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, está disponível aqui: https://shre.ink/bjNq.
Em janeiro de 2023, houve uma reunião de planejamento para a elaboração do Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa Fé das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais, conforme dispõe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A reunião aconteceu na comunidade Brejinho, município de Januária, durante assembleia da Acever. Além dos comunitários de Januária, o processo de construção do protocolo envolveu comunidades localizadas em Bonito de Minas, Cônego Marinho, Chapada Gaúcha e São Francisco, que foram divididas por seis núcleos.
Após decisão comunitária de aprovação ao modelo do protocolo, foram realizadas oficinas informativas para discutir temas da Convenção 169 da OIT e para conduzir a construção do protocolo. A equipe técnica deste processo foi composta por representantes da Rede Cerrado, Observatório de Protocolos Comunitários (mantido pelo Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental – Cepedis da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR, em parceria com a Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD), Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM) e Acever.
Em 2023, é publicada a tese de doutorado de Paulo Henrique Campos Leite, do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Unimontes, com o título: “Práticas de Estado e povos tradicionais na implementação de Unidades de Conservação em Minas Gerais”. Com o objetivo de analisar as práticas estatais na criação de UCs de Proteção Integral e de Uso Sustentável, Leite sustenta a tese de que as práticas de gestão pública configuram sistemática de invisibilização e violação de direitos de povos e comunidades tradicionais.
Para tal, o pesquisador analisa as experiências de criação de áreas protegidas de sete UCs localizadas na mesorregião do Norte de Minas, quais sejam: Parque Estadual Serra do Cabral, nos municípios de Buenópolis e Joaquim Felício; Parque Estadual da Lagoa do Cajueiro, no município de Matias Cardoso; Parque Estadual de Serra Nova e Talhado, nos municípios de Mato Verde, Porteirinha, Riacho dos Machados, Rio Pardo de Minas e Serranópolis de Minas; Parque Estadual Caminho dos Gerais, nos municípios de Espinosa, Gameleiras, Mamonas e Monte Azul; Parque Estadual Serra das Araras, em Chapada Gaúcha; Parque Estadual de Grão Mogol, em Grão Mogol; e o Parque Estadual da Mata Seca, nos municípios de Manga e Itacarambi.
Outros conflitos envolvendo o Parque Estadual da Lagoa do Cajueiro e o Parque Estadual da Mata Seca estão descritos neste Mapa de Conflitos, nos links: https://shre.ink/MFwv e https://shre.ink/MFwS, respectivamente.
Tratando especificamente dos conflitos entre a gestão pública do Parque Estadual Serra das Araras (Pesa) e as comunidades tradicionais em Chapada Gaúcha, Paulo Henrique Leite destaca aspectos sobre as comunidades de Barro Vermelho, Buraquinhos e Vila Serra das Araras, que se localizam no entorno do parque. Em sua análise, Leite (2023, p. 119) destaca que moradores dessas comunidades sentem que a UC significou a iminência de sérios problemas aos seus territórios. Um aspecto da conclusão de sua tese revela:
“Não é uma mera coincidência o fato de que as unidades de conservação, como ilhas de proteção, sejam geralmente criadas em áreas mais distantes, em especial em ambientes rurais, cujas populações, já em estado de vulnerabilidade social, é que são obrigadas a suportar os efeitos dessa política ambiental. Essas políticas estatais, cujas práticas ignoram o modo de vida e desqualificam a reprodução social das comunidades locais, são o cerne da discussão de injustiça ambiental que marca a criação de unidades de conservação de proteção integral com exclusão de populações” (Leite, 2023, p. 257).
Ademais, as formas como essas políticas estatais chegam sobre essas comunidades, além de evidenciarem a discussão de injustiça ambiental, revelam a histórica discriminação racial nas políticas ambientais, que por sua vez evidencia a dimensão do racismo ambiental que recai sobre essas populações vulnerabilizadas. Neste sentido, conforme evidenciado por Pacheco e Faustino (2013):
“(…) ressaltamos a importância do conceito ‘racismo ambiental’ para a organização política dos grupos atingidos e das lutas ambientalistas. Na medida em que se problematizam por esse viés as injustiças socioambientais, a compreensão de seu componente étnico-racial colabora na construção de identidades coletivas e lutas articuladas. Dessa forma, tal componente faz emergir na cena pública a história, os estigmas e os processos que concorrem indubitavelmente para o desfavorecimento dos atingidos nos conflitos, ao mesmo tempo que articula e mobiliza diferentes sujeitos para uma luta ambientalista que contenha em seu âmago a denúncia e o enfrentamento do racismo. Isso amplia e torna complexa a leitura e a ação, já que pressupõe a emergência desses grupos como sujeitos, com suas vozes e histórias, contadas agora com base em seus próprios olhares, experiências e concepções” (Pacheco; Faustino, 2013, p. 92).
As pesquisadoras destacam que considerar o racismo ambiental na problemática das injustiças ambientais significa reconhecer a posição e a importância política desses sujeitos étnico-racial e culturalmente diversos, bem como entender essa diversidade sem distorções alegóricas, mas como condição humana e, portanto, histórica.
Paulo Henrique Leite também ressalta que alguns aspectos das injustiças ambientais são reforçados pelo artigo 42 da Lei nº do 9985/2000, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), que prevê a realocação dos povos e das comunidades tradicionais residentes em UCs de proteção integral. A saber, o artigo 42 do Snuc prevê que: “As populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais sua permanência não seja permitida serão indenizadas ou compensadas pelas benfeitorias existentes e devidamente realocadas pelo Poder Público, em local e condições acordados entre as partes”.
Cumpre ressaltar que este cenário de conflitividade entre UCs e comunidades tradicionais – realidade vivida em todo território brasileiro – tem gerado movimentos de resistência, de modo que as comunidades tradicionais buscam, por meios legais, a recategorização de UCs de proteção integral para as categorias de uso sustentável. A exemplo, existem na legislação brasileira as Reservas Extrativistas (Resex) e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS), que permitem a permanência das comunidades locais e o uso sustentável dos bens naturais em áreas protegidas.
Fruto desse esforço coletivo de resistência e com uma história exitosa, encontramos na região do Norte de Minas a já citada Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Nascentes Geraizeiras, criada pelo Decreto s/n, de 13 de outubro de 2014, localizada nos municípios de Montezuma, Rio Pardo de Minas e Vargem Grande do Rio Pardo. Um vídeo que trata dos 10 anos da RDS Nascentes Geraizeiras, da luta, resistência e conquista do povo geraizeiro, está disponível aqui: https://shre.ink/b3sU.
O Mapa de Conflitos apresenta um caso que envolve a RDS Nascentes Geraizeiras no município de Rio Pardo de Minas (MG) disponível em: https://shre.ink/MFO4.
Em 12 de agosto de 2023, em Januária, as comunidades veredeiras e quilombolas reunidas em assembleia territorial decidiram aprovar o Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa Fé das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais, que entrou em vigor a partir desta data. De acordo com o documento, o objetivo das comunidades com este protocolo foi:
“Escolher os meios legais adequados para que o povo veredeiro possa se fortalecer enquanto comunidades tradicionais e, deste modo, participar da consulta prévia, livre, informada e de boa fé que está descrita na Convenção n. 169 da OIT: nossa participação vai desde a fase da pré-consulta à consulta propriamente dita, passando pelo monitoramento e fala sobre as medidas que afetam os nossos modos de viver. Nós pretendemos chegar a um acordo digno ou lograr o consentimento” (Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa Fé das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais, 2023, p. 15).
O Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa Fé das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais está disponível no link: https://shre.ink/b3uj.
A propósito da RDS Nascentes Geraizeiras, representantes desta reserva estiveram, nos dias 13 a 16 de setembro de 2023, no X Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em Brasília (DF). O evento, segundo divulgado pelo Museu Vivo dos Povos de Minas Gerais (18/09/2023), teve a presença de povos de vários estados do Cerrado brasileiro, com uma programação diversa de oficinas, mesas de debates, apresentações culturais e venda de produtos da sociobiodiversidade. O evento contou com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; da deputada federal Dandara Tonantzin, do PT/MG; e do ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira.
Durante este encontro, Maria Lúcia, geraizeira da comunidade Água Boa II, situada na zona de amortecimento da RDS Nascentes Geraizeiras, município de Rio Pardo de Minas, relatou: “Uma importância muito grande para nós, povos tradicionais, um encontro como esse. Celebração, mas também ações em defesa do nosso cerrado e, ao mesmo tempo, expomos e vendemos nossos produtos…”.
O encontro também foi um momento em que os povos reivindicaram seus direitos e anseios, sobretudo o direito à sociodiversidade do Cerrado. Maria de Lourdes, caatingueira e presidenta da Rede Cerrado, na cerimônia de abertura do evento disse: “Não adianta devastar nosso Cerrado para salvar a Amazônia, precisamos salvar todos eles!”
“Somos a sociodiversidade do Cerrado!” – afirmaram mulheres de diversos estados do Cerrado brasileiro durante o 3º Encontro Nacional Vozes e Práticas das Mulheres do Cerrado. O evento aconteceu na Área Experimental de Formação em Agroecologia do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM), em Montes Claros (MG), entre os dias 5 e 7 de outubro de 2023.
De acordo com artigo de Ludmila Pereira e Helen Borborema, no Brasil de Fato (26/10/2023), ao afirmarem que “somos o Cerrado”, as mulheres revelam um posicionamento político de que as suas lutas pela libertação dos corpos não é uma luta separada do território. O evento foi uma realização da Articulação de Mulheres do Cerrado, que integra a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado. Um dos momentos da programação foi a partilha da experiência da Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais. Como síntese, foi elaborada uma Carta Final do encontro que está acessível aqui: https://shre.ink/b3dt.
Em 22 de março de 2024, aconteceu o Encontro em Defesa das Águas e dos Povos Tradicionais em Bonito de Minas. De acordo com publicação da Cáritas (26/03/2024), durante a plenária, Jaime Alves, da Acever, divulgou e ressaltou o Protocolo de Consulta das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais como ferramenta de luta para os povos tradicionais do Norte de Minas.
Em setembro de 2024, foi lançado o documentário “Proteger o Cerrado para garantir a vida. Geraizeiros em luta pelo território”, que apresenta o protagonismo das comunidades geraizeiras do Norte de Minas contra o desmatamento promovido por empreendimentos. De acordo com Jean Silva, no Brasil de Fato (16/09/2024), no documentário produzido pelo CAA/NM, os geraizeiros de Riachinho e Santana, que ficam em Rio Pardo de Minas, relatam a luta pela preservação de suas terras contra o avanço de empresas.
A reportagem denunciava um recente crime ambiental na região de Rio Pardo de Minas que teria resultado no desmatamento de 1,2 mil hectares de chapada. Apesar de não detalhar o nome da empresa responsável pelo desmatamento, o filme mostra que as comunidades geraizeiras têm resistido há anos contra a exploração predatória de empresas que alegam posse de terras públicas dentro do território tradicional.
De acordo com a denúncia de Orlando dos Santos, representante da comissão estadual dos PCTs, em entrevista ao documentário: “Se a comunidade não tivesse ido para cima, o crime teria sido maior, pois eram 1,6 mil hectares que estavam prontos para ser assassinados em 30 dias”. Em resposta, os geraizeiros se uniram para barrar a continuidade do desmatamento, acampando na área desmatada para reivindicar seus direitos, denunciar os crimes ambientais e exigir ações efetivas do Estado.
O documentário coloca as comunidades como protagonistas, narrando suas histórias e lutas diárias contra a grilagem de terras e em defesa do Cerrado. O filme está disponível aqui: https://shre.ink/b3v8.
Nos dias 06 e 07 de dezembro de 2024, na Comunidade Barra do Tamboril, município de Januária, aconteceu a IV Edição do Encontro das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas.
Com a presença e participação de representantes de cerca de 20 comunidades veredeiras/quilombolas, da Articulação Rosalino, do MPE/MG, Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Sedese/MG), Secretaria de Territórios e Sistemas produtivos Quilombolas e Tradicionais do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e de diversos parceiros(as) das comunidades veredeiras, o encontro foi realizado pela Acever e contou com o apoio do CAA/NM.
De acordo com publicação na rede Instagram, no perfil do CAA/NM, o encontro buscou aproximar as comunidades veredeiras do poder público e fortalecer a garantia dos seus direitos.
Na ocasião, Jaime Alvez, da Associação Central das Comunidades Veredeiras (Acever), destacou os desafios da luta: “ver as veredas vivas e os direitos dos povos veredeiros garantidos, onde muitas das lideranças estão ameaçadas, muitas veredas já secaram, a seca já é uma realidade, e o desmatamento segue impactando” (CAA/NM, 16/12/2024).
O encontro terminou com uma caminhada pelo território Veredeiro Berço das Águas. Como destacou Jaime: “As comunidades seguem na luta pela defesa do território e suas águas, bem maior do Povo Tradicional Veredeiro”.
Atualizado em fevereiro 2025.
Cronologia
Décadas de 1960/1970: Iniciam-se os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) executados pelo governo federal, com programas de incentivo político-econômico para a produção agropecuária e ocupação dos Cerrados.
Década de 1970: Um programa de ocupação territorial chamado Projeto Agrário para o Desenvolvimento de Serra das Araras (PADSA) é realizado pela Fundação Rural Mineira (Ruralminas).
1972-1974: É implantado o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Prodoeste), criando infraestrutura para desenvolvimento agropecuário em regiões dos Cerrados.
1975: O Prodoeste destina créditos para a correção de solos e é criada a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
1976: Famílias vindas do sul do país iniciam a ocupação na região de Chapada Gaúcha.
Final da década de 1970: As empresas Plantar S/A Reflorestamentos (Grupo Plantar) e a Adiflor Agro Comercial e Industrial, responsáveis por implantar monocultura de eucalipto e pinus no norte de Minas Gerais, chegam na região de Chapada Gaúcha.
1978: O sindicalista Eloy Ferreira da Silva inicia um processo de organização com posseiros na luta pela posse da terra na região norte de Minas Gerais.
30 de julho de 1982: É fundada a Cooperativa Agropecuária Pioneira em Chapada Gaúcha, organizada por famílias que vieram do Sul do país. Cooperativa com forte atuação em Chapada Gaúcha e posteriormente reconhecida por causar impactos e conflitos com posseiros e comunidades tradicionais.
16 de dezembro de 1984: O líder sindical Eloy Ferreira da Silva é assassinado pelo fazendeiro Paulo Leonardo Pereira.
1989: O presidente da República José Sarney assina o Decreto Federal nº 97.658, criando o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (PARNA GSV).
Década de 1990: É criada a Rede Cerrado, que atua com projetos de conservação do bioma e na luta pela garantia de direitos dos povos e comunidades tradicionais.
1996: Denúncias de desmatamento ilegal em Chapada Gaúcha motivam o início do processo de criação do Parque Estadual da Serra das Araras (Pesa) pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF/MG).
1998: Assinado o Decreto Estadual nº 39.400, de 21 de janeiro de 1998, criando o Parque Estadual da Serra das Araras (Pesa).
2003: É criada a Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari (REDSVA).
Setembro de 2003: O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) firma com o estado de Minas Gerais um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para garantir a implantação e efetivação de Unidades de Conservação (UCs).
2006: É criada a Cooperativa Sertão Veredas (Coopsertão), que organiza comunidades tradicionais, assentamentos da reforma agrária e comunidades quilombolas de Chapada Gaúcha.
2007: Criação do Instituto Cultural e Ambiental Rosa e Sertão em Chapada Gaúcha.
2008: A Fundação Cultural Palmares (FCP) entrega a Certidão de Autodefinição à comunidade quilombola de Buraquinhos em Chapada Gaúcha.
2008 e 2009: As comunidades de Chapada Gaúcha começam a sentir impactos ambientais das práticas de monocultura, especialmente da silvicultura de eucalipto.
2010: A FCP entrega a Certidão de Autodefinição à comunidade quilombola de São José do Barro Vermelho, localizada em Chapada Gaúcha.
2010: O WWF-Brasil inicia projeto de fortalecimento da sociobiodiversidade por meio do Programa Cerrado Pantanal. Chapada Gaúcha é um dos municípios beneficiários.
2010: É criada a Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas Gerais.
Outubro de 2013: O MPMG entra com Ação Civil Pública (ACP) e exige que o IEF/MG cumpra com as medidas do TAC.
2014: É criada a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras, localizada nos municípios de Montezuma, Rio Pardo de Minas e Vargem Grande do Rio Pardo.
2014: É criada a Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
2014: É iniciada a segunda fase do Projeto Sertões do WWF-Brasil.
2014: Acontece um processo de retomada pelas comunidades veredeiras e geraizeiras da Fazenda Alegre, tida como de propriedade da Empresa Plantar S/A, no município de Januária-MG.
2014: É criado o projeto “O Caminho do Sertão – De Sagarana Ao Grande Sertão: Veredas” pelo Instituto Rosáceas.
2015: É iniciado o projeto Turismo Ecocultural de Base Comunitária do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu, executado pelo Instituto Rosa e Sertão em parceria com a Associação Casa Comum.
30 de junho de 2015: O MPF/MG exige a elaboração dos Relatórios Antropológicos e Técnicos de Identificação e Delimitação (Rtid) da comunidade quilombola de Buraquinhos.
2016: Famílias da comunidade quilombola de Barro Vermelho sofrem punições dos agentes de fiscalização do estado de Minas Gerais.
2016: Surge a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
Setembro de 2016: É lançada a primeira edição da Revista Manzuá, produzida pelo Instituto Rosa e Sertão.
2016: O cineasta Dêniston Diamantino lança o documentário “Terras de Januária”, retratando a relação das comunidades com o rio São Francisco.
Outubro de 2016 a julho de 2017: A Comissão Pastoral da Terra (CPT) realiza a 20ª Romaria das Águas e da Terra do estado de Minas Gerais.
05 de julho de 2017: A Lei Estadual n° 22.571 declara de utilidade pública a Associação Comunitária Ribeirão de Areia (Acra) de Chapada Gaúcha.
2 a 14 de julho de 2017: Acontece uma ação governamental denominada Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) na Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, envolvendo mais de 50 instituições, articuladas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF.
04 e 05 de novembro de 2017: Acontece o 1° Encontro de Comunidades Tradicionais Veredeiras do Norte de Minas Gerais.
06 a 08 de abril de 2018: Acontece a 5ª Conferência Geraizeira no município de Vargem Grande do Rio Pardo – MG.
2019: O Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista (PDTBC) do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu cria estratégias para a integração entre a conservação de áreas protegidas e o desenvolvimento comunitário.
2019: É criada a Associação Central das Comunidades Veredeiras (Acever).
6 a 14 de julho de 2019: Acontece a sexta edição do projeto “O Caminho do Sertão – De Sagarana Ao Grande Sertão: Veredas”.
01 de outubro de 2019: A Associação Quilombola de Buraquinhos emite ofício cobrando da Prefeitura de Chapada Gaúcha melhorias na região, mas não há atendimento ao pedido.
18 a 20 de outubro de 2019: Acontece o 2º Encontro de Comunidades Tradicionais Veredeiras do Norte de Minas Gerais.
15 de abril de 2020: O CAA-NM lança o documentário “Vereda Viva é Liberdade”.
Março de 2020: Inicia-se a pandemia do coronavírus Sars-CoV-2 no Brasil. Em resposta, redes de solidariedade se articulam em Chapada Gaúcha para atender aos grupos mais vulnerabilizados.
2020: O Instituto Rosa e Sertão trabalha com a campanha “Nutre Sertão Veredas” para apoiar comunidades mais vulnerabilizadas a assegurar condições mínimas de alimentação durante o período de pandemia.
22 de maio de 2020: A Campanha em Defesa do Cerrado inicia uma série de bate-papos virtuais centrados nos povos do Cerrado.
20 a 23 de agosto de 2020: Acontece o 19º Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas em Chapada Gaúcha, organizado pela Agência de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável de Chapada Gaúcha (Adisc) e a Fundação Pró-Natureza (Funatura).
Agosto de 2021 a fevereiro de 2022: Período de desenvolvimento do projeto “Ticcas Sertão Veredas-Peruaçu: cartografia social, água e feminino”, no município de Chapada Gaúcha. A partir da análise química das águas realizada pelo dr. Rhaul de Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), junto com as comunidades locais, é detectada contaminação por agrotóxicos em todas as amostras analisadas.
22 de setembro de 2021: A questão hídrica é tema de discussão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), tendo como foco o norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, as duas regiões do estado mais afetadas pela seca.
Setembro de 2021: A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado peticiona ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP) a realização de uma Sessão Especial para julgar crimes de ecocídio e a ameaça de genocídio cultural dos povos do Cerrado. Um caso que envolve veredeiros do norte de Minas é citado pela petição.
Outubro de 2021: Comunidades quilombolas participam de audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da ALMG, com o objetivo de debater o desabastecimento de água e a regularização fundiária dos territórios tradicionais.
24 de novembro de 2021: A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) prende dois homens acusados de oferecer gratuitamente “pedaços de terras” na comunidade rural Rio dos Bois, em Chapada Gaúcha.
2021: Sr. Jaime Alves dos Santos e o sr. Antônio Cigano, lideranças veredeiras, são ameaçados de morte.
04 de abril de 2022: É publicada a Resolução Conjunta n° 01, que regulamenta, em âmbito estadual, a consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais. O Coletivo Margarida Alves denuncia que a regulamentação estadual contraria os direitos já assegurados às comunidades indígenas e quilombolas, bem como muitos dos protocolos de consulta elaborados autonomamente por eles com base na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
20 de abril de 2022: Acontece uma audiência pública para discutir a Resolução. Uma nota contrária à norma é assinada por 80 entidades de defesa dos direitos humanos dos povos e comunidades tradicionais.
Junho de 2022: 20 quilombolas são resgatados de trabalho análogo à escravidão em uma fazenda próxima ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas.
10 de julho de 2022 – O júri do TPP apresenta seu veredito e condena pelos crimes de ecocídio do Cerrado e genocídio de seus povos o Estado brasileiro, governos nacionais e estrangeiros, além de entidades, órgãos e empresas nacionais e internacionais. Um dos casos julgados é relativo às comunidades veredeiras do norte de Minas Gerais.
Janeiro de 2023 – Comunidades veredeiras e quilombolas de Bonito de Minas, Chapada Gaúcha, Cônego Marinho, Januária e São Francisco iniciam a elaboração do Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa Fé das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais, conforme dispõe a Convenção 169 da OIT.
2023 – É publicada a tese de doutorado de Paulo Henrique Campos Leite, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social, da Unimontes, que analisa conflitos entre as Unidades de Conservação e os povos tradicionais do Norte de Minas Gerais. O caso do Parque Estadual Serra das Araras e das comunidades em Chapada Gaúcha é analisado.
12 de agosto de 2023 – Comunidades veredeiras e quilombolas, reunidas em assembleia territorial em Januária, aprovam o Protocolo de Consulta e Consentimento Prévio, Livre, Informado e de Boa Fé das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais, que entra em vigor a partir desta data.
13 a 16 de setembro de 2023 – Representantes da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Nascentes Geraizeiras, do município de Rio Pardo de Minas, vão ao 10º Encontro e Feira dos Povos do Cerrado, em Brasília (DF), e reivindicam direitos dos povos tradicionais do Cerrado.
5 e 7 de outubro de 2023 – Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais do Norte de Minas Gerais participam do 3º Encontro Nacional Vozes e Práticas das Mulheres do Cerrado, em Montes Claros (MG).
22 de março de 2024 – Durante o Encontro em Defesa das Águas e dos Povos Tradicionais em Bonito de Minas, Jaime Alves, da Acever, ressalta o Protocolo de Consulta das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas Gerais como ferramenta de luta para os povos tradicionais do norte de Minas.
Setembro de 2024 – Após desmatamento ilegal de 1,2 mil hectares de chapada na região de Rio Pardo de Minas, é lançado o documentário “Proteger o Cerrado para garantir a vida. Geraizeiros em luta pelo território”, produzido pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA/NM).
06 e 07 de dezembro de 2024 – Acontece a IV Edição do Encontro das Comunidades Veredeiras do Norte de Minas na comunidade Barra do Tamboril, município de Januária.
Fontes
AGUIAR, Diana; BONFIM, Joice; PACKER, Larissa. Peça de acusação: Sessão em defesa dos territórios do Cerrado do Tribunal Permanente dos Povos. Campanha em Defesa do Cerrado. Tribunal Permanente dos Povos. S/I. Set. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3OIt5Nt. Acesso em: 13 jun. 2022.
ARAÚJO, Edvaldo Mendes. Portaria n. 59 de 27 de abril de 2010/ Certidão emitida pela Fundação Cultural Palmares. Diário Oficial da União – DOU, Brasília, DF, 28 abr. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3a82lap. Acesso em: 15 jun. 2022.
ARTICULAÇÃO Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais: Unindo Forças, Plantando Resistência. ASA Minas. S/I. Disponível em: https://bit.ly/3Al5TAL. Acesso em: 13 jun. 2022.
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CHAPADA Gaúcha: PM prende homens que estavam oferecendo financiamento fundiário e utilizando veículo “fake” do Governo de Minas. Polícia Militar de Minas Gerais, republicado por Rádio Veredas, 25 nov. 2021. Disponível em: https://shre.ink/Mykn. Acesso em: 22 jun. 2022.
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VIEIRA, Renata Guimarães. “Nós somos raiz do lugar” [manuscrito]: produção do espaço na Comunidade Quilombola São José do Barro Vermelho / Renata Guimarães Vieira, 2018. 153 f.: il, gráfs. e tabs. Orientador: Roberto Luís de Melo Monte-Mór. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Disponível em: https://shre.ink/Mydm. Acesso em: 19 mar. 2025.