Camponeses da Comunidade Macaúba resistem em sua luta contra mineradoras por seu direito à terra e à existência
UF: GO
Município Atingido: Catalão (GO)
Outros Municípios: Ouvidor (GO)
População: Agricultores familiares, Trabalhadores de minas
Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Mineração, garimpo e siderurgia, Transgênicos
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Mudanças climáticas, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Poluição sonora, Precarização/riscos no ambiente de trabalho
Danos à Saúde: Acidentes, Contaminação química, Desnutrição, Doenças mentais ou sofrimento psíquico, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças respiratórias, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência psicológica
Síntese
Desde a década de 1970, as empresas mineradoras Anglo American S/A, China Molybdenum Company (Cmoc Brasil), Metais de Goiás (Metago), Mineração Catalão, Companhia Brasileira Petroquímica (Copebrás), Mineração Fosfertil, Mosaic Fertilizantes E Companhia Vale do Rio Doce (CVRD/Vale) vêm se apropriando de terras, águas e minerais, instalando um complexo mineroquímico nos municípios de Catalão e Ouvidor (GO).
Neste complexo industrial, empresas de mineração realizam extrações de nióbio e fosfato para exportação. Além disso, existem indústrias de produção de fertilizantes químicos e uma usina metalúrgica (Usina Metalúrgica de Catalão, construída em 1977).
Comunidades rurais estabelecidas nestes municípios, como a Cisterna, Coqueiros, Macaúba, Mata Preta, e Paraíso de Cima, são vítimas desde então de processos por desapropriação e expulsão de terras, contaminação de nascentes, cursos d’água, relevo e solo, bem como de violências que se manifestam em variadas formas, como ameaças, judicialização de processos de indenização, poluição sonora e atmosférica, e outras formas de precarização da vida que acabam afetando também a área urbana do município de Catalão, como o trânsito intenso de veículos pesados, que acarretam inclusive em alguns atropelamentos nas vias entre as minas e indústrias locais.
Diversas denúncias de violações aos direitos das populações de agricultores das comunidades rurais de Catalão e Ouvidor têm sido ignoradas pelo poder público municipal e estadual, que têm tido posturas favoráveis às mineradoras, como a realização de desapropriações de propriedades dos agricultores e a não aplicação de multas ambientais e indenizações sobre as mineradoras pelos impactos causados, como a contaminação de solos, rios, riachos e poços artesianos, que prejudicaram as possibilidades de cultivo de alimentos para essas famílias.
A invisibilização das populações locais foi uma das estratégias adotadas pelos empreendimentos de mineração em Catalão ao evocar a ideia de “vazios” produtivos, argumentando que a implementação dos projetos de exploração mineral traria “progresso econômico” e “desenvolvimento”. É importante destacar a associação entre Estado, capital nacional e capital internacional para a construção deste discurso, que justificaria a exploração dos minérios no local.
Uma das formas de organização das famílias das comunidades rurais de Catalão, especialmente a comunidade Macaúba, foi a articulação para a criação de um Grupo de Trabalho (GT) especial na Câmara dos Vereadores para discutir os impactos socioambientais causados pela mineração no município.
Segundo o vereador Marcelo Mendonça (Rede), o objetivo do GT era entender a lógica com a qual se organizavam e atuavam no território as empresas de mineração e, a partir disso, estudar as ações possíveis de serem tomadas, comunicando ao povo de Catalão quais estratégias de resistência poderiam ser adotadas frente aos impactos causados pela mineração no município.
Embora houvesse muitos temas em discussão no GT, os principais pontos em debate se centravam na judicialização das disputas entre as corporações e os camponeses, o esvaziamento das comunidades rurais e a diminuição do uso comum da água – fator determinante na perda produtiva e econômica de diversos camponeses.
A articulação da Comunidade Macaúba com movimentos sociais, como o Movimento Camponês Pupular (MCP), e com a Universidade Federal de Goiás (UFG) permitiu que a comunidade apresentasse seu caso diante do Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado (TPP), numa ação de denúncia coletiva sobre os ataques a direitos de populações vulnerabilizadas que vivem no Cerrado brasileiro, com repercussão internacional.
Para obter maior poder de barganha nas negociações com as empresas mineradoras, os camponeses da Comunidade Macaúba têm buscado a estratégia de se organizar para exigir valores semelhantes para reivindicar indenizações sobre suas terras, acrescendo a eles valores simbólicos, como o laço afetivo e o enraizamento das famílias das comunidade e seus territórios nos espaços de negociação.
Isto demonstra, nas ações em curso no território, um sentimento de pertencimento que alimenta a luta das famílias para permanecer em comunidades rurais afetadas pelos empreendimentos mineradores, embora pressionadas a tal ponto que, segundo um de seus moradores, em 2022, apenas 20% das familias que originalmente viviam ali permaneciam em suas propriedades. A resistência é a afirmação do seu “direito de existência”.
Contexto Ampliado
Desde a década de 1970, as empresas mineradoras Mineração Copebrás, Metais de Goiás (Metago), Mineração Catalão, Fosfatos de Goiás (Fosfago), Mosaic Fertilizantes e China Molybdenum Company (Cmoc Brasil) vêm se apropriando de terras, águas e minerais, instalando um complexo mineroquímico nos municípios de Catalão e Ouvidor (GO), onde realizam extrações de nióbio e fosfato para exportação.
Ali instalaram a Usina Metalúrgica de Catalão em 1977, e está localizado o complexo mineroquímico de fertilizantes e fosfatos de Catalão. O Estado brasileiro, nas esferas federal e estadual, é um dos financiadores dos empreendimentos e um de seus indutores, pois, além dos financiamentos obtidos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empresas estatais de mineração foram pioneiras na exploração do subsolo da região em questão.
O papel do Estado nesse conflito pode ser sublinhado por sua conivência com os danos socioambientais causados pela exploração predatória do território, com a concessão de autorizações administrativas e judiciais que autorizam a mineração e determinam a retirada de famílias de pequenos agricultores de suas terras.
Diversas denúncias de violações aos direitos das populações de agricultores das comunidades rurais de Catalão e Ouvidor têm sido ignoradas pelo poder público municipal e estadual por meio de posturas favoráveis às mineradoras, como a realização de desapropriações de propriedades dos agricultores e a não aplicação de multas ambientais e indenizações sobre as mineradoras.
A Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad/GO) emitiu o licenciamento ambiental para a prática de mineração com ausência de documentos legalmente exigidos, além de não realizar a fiscalização necessária, segundo denúncia feita pela comunidade Macaúba ao Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado (2021).
Destaca-se a intenção do Estado brasileiro durante a ditadura militar, desde a década de 1970, em instituir no município de Catalão um grande projeto de extrativismo mineral no território goiano, no contexto da ampliação das fronteiras do capital integrado à economia mundial na modernização conservadora levada a cabo pelos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND). Inicialmente, ainda na década de 1970, os empreendimentos de mineração foram tocados por empresas estatais, como a Metais de Goiás S.A. (Metago S.A.) e a Mineração Catalão, ligadas aos níveis de governo estadual e municipal, respectivamente.
Ao longo das décadas, com o advento do neoliberalismo e de governos federais alinhados a essa ideologia econômica/política, como os governos de Fernando Collor de Mello (1990 – 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002), empresas de capital privado nacional e internacional compraram as antigas empresas estatais e assumiram as operações de mineração nos municípios de Catalão e Ouvidor (GO).
A Metago, já atuando sob o nome de GoiásFértil, é privatizada em 1992 e se torna a Fosfértil, empresa que posteriormente seria vendida para a Vale S/A, que a revendeu em 2018 para a empresa Mosaic Fertilizantes. No caso da Mineração Catalão, seu controle já era submetido ao capital privado estrangeiro desde 1985, quando a empresa passou a fazer parte do grupo Anglo American, grupo estadunidense que vendeu em 2016 sua operação de fosfatos e nióbio no Brasil para a Cmoc Brasil, empresa chinesa de mineração.
A invisibilização das populações locais foi uma das estratégias adotadas pelos empreendimentos de mineração em Catalão ao evocar a ideia de “vazios” produtivos, argumentando que a implementação dos projetos de exploração mineral traria “progresso econômico” e “desenvolvimento”. É importante destacar a associação entre Estado, capital nacional, e capital internacional para a construção deste discurso, que justificaria a exploração dos minérios no local.
A instalação das mineradoras em Catalão na década de 1970 representou a chegada de vários investimentos privados e públicos direcionados às infraestruturas e equipamentos urbanos, supostamente aumentando as possibilidades de geração de emprego no município, fazendo com que muitas pessoas migrassem para ele. Novos bairros surgiram na área urbana municipal e sua população cresceu, inclusive contando com o êxodo de pessoas oriundas das comunidades rurais do entorno. Até hoje, as mineradoras são responsáveis por parte considerável da renda e dos empregos gerados no município, tornando a economia local dependente desse setor.
Moore Junior (1975 apud Pires e Ramos, 2009) denomina esse processo de “modernização conservadora”, que conserva classes sociais ao retirar de pequenos agricultores seus meios de produção econômica e de reprodução de seu modo de vida, enquanto garante a grandes empresários o acesso aos recursos naturais das terras dessas pessoas.
Isso vai aprofundando as desigualdades já existentes entre classes sociais, cria conflitos e impactos socioambientais de imensa gravidade e destrói um dos biomas mais biodiversos do mundo, o Cerrado.
As mineradoras têm causado a destruição de ecossistemas completos, como fauna, flora, nascentes e cursos d’agua. A atmosfera e a estrutura do solo são profundamente afetadas e comprometidas durante os processos de extração e beneficiamento de minérios. Além disso, há ataques especulativos e judiciais sobre as propriedades dos pequenos agricultores das comunidades rurais dos municípios (Ferreira, 2012).
É fundamental apontar um contexto no plano internacional de articulação do capital na Divisão Internacional do Trabalho e na apropriação dos recursos do Cerrado. Existe um ataque coordenado em vários pontos do Cerrado brasileiro por parte de empreendimentos que visam a retirada ou exploração dos chamados “recursos naturais”, como água, terras agricultáveis, minérios, fauna e flora.
O neoextrativismo é descrito por Svampa (2019) como o atual modelo capitalista de apropriação da natureza como mero recurso, um meio para a acumulação do capital subordinada às demandas dos mercados de momento, os chamados ciclos econômicos de exploração de commodities. O neoextrativismo se caracteriza ainda pelo esgarçamento total das condições de vida e de reprodução do modo de vida das populações tradicionais, que têm com a natureza uma relação intrínseca de pertencimento e identidade.

As comunidades Macaúba e Chapadão foram as primeiras a serem afetadas pelos empreendimentos mineradores. A Comunidade Chapadão foi totalmente destruída com o desenvolvimento das atividades de mineração do complexo mineroquímico. A comunidade fica próxima da Mina Chapadão Chaminé I/ Domo Ultramáfico de Catalão 1/ Complexo Catalão I – complexo mineral de maior relevância dos municípios de Catalão e Ouvidor (fica na divisa).
O acesso à comunidade se dá pelas estradas BR-050 e GO – 504, que delimitam uma parte dela. A outra parte da comunidade é delimitada pela divisa com a Copebrás (atualmente Cmoc) e com a mineração Fosfértil (atualmente, Mosaic). Essa proximidade afeta a comunidade amplamente, seja pela apropriação de suas terras ou pelos impactos socioambientais.

Como ocorreu com outras comunidades rurais em Catalão (GO) e outras partes do Brasil, a Comunidade Macaúba tem sua formação atrelada à atuação das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), da Igreja Católica (Ferreira, 2012). A Comunidade Macaúba ganha a denominação “comunidade” quando da construção da primeira igreja local, pelo Sr. Dioclécio Oliveira Silvério, uma das lideranças da comunidade Macaúba, que relata:
“Quem fez a primeira igreja aqui fui eu, a primeira de tudo, depois que feiz o grupo. Nois feiz ali no Zé do Zeca, feiz uma igrejinha piquena, que eu peguei a parte da Arminda ajuntei e aí nois feiz, […]. Aí depois nois acrescentou ela mais um pouco. Nois comecemo a ter a missa e tinha também os encontros que o padre marcava e nois vinha. Agora hoje acabou tudo porque o povo foi tudo embora, só tem a missa e mais nada. Aqui era tudo chei de gente, mas depois o que qui é, foi mudando tudo, disapropriando acabô tudo. Aqui tinha gente demais, demais da conta.” (Informação verbal, agosto de 2011). (Ferreira, 2012).
Logo após a construção da igreja, foi construído o Centro Comunitário da Comunidade Macabu, onde acontece a maioria das reuniões comunitárias não religiosas desde então.
Por conta do grande número de pessoas que já residiram ali em períodos anteriores, a comunidade é subdividida em comunidades menores, cujos nomes refletem a forma e maneira das famílias se organizarem no espaço e suas referências territoriais. As áreas da comunidade Macaúba são conhecidas como: Córrego Fundo, Posse do Valadão, Vargem Grande, Mata do Meio, Ita-Branca e Chapadão.
Outras comunidades atingidas pelos impactos socioambientais causados pela exploração mineral em Catalão/Ouvidor são: Chapadão (Ouvidor), Taquara (Catalão), Coqueiros (Catalão), Morro Agudo (Catalão) e Mata Preta (Catalão).
Entre as estratégias de resistência colocadas em prática pela comunidade Macaúba, se destacam as variadas formas de trabalho coletivo, como trocas de dias de serviço com vizinhos, e a ajuda mútua que tenta reduzir os efeitos da carência de trabalhadores temporários no meio rural.
A organização em movimentos sociais, como a participação no MCP, que auxilia na busca por financiamentos de produção para as famílias conseguirem o seu sustento, também é uma estratégia, além da participação em feiras abertas em que os agricultores podem vender seus produtos com uma margem maior de lucro.
Tais estratégias vão surgindo em resposta às demandas dessas famílias em criar formas de continuar vivendo no meio rural, em suas terras, trabalhando, vivendo e existindo como querem. Uma das formas de organização das famílias das comunidades rurais de Catalão, especialmente da comunidade Macaúba, foi a articulação para a criação de um Grupo de Trabalho (GT) especial na Câmara dos Vereadores do município para discutir os impactos socioambientais causados pela mineração.
O GT foi criado no mandato do então vereador Marcelo Rodrigues Mendonça, também pesquisador do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), campus Catalão. O grupo surgiu como necessidade e demanda de camponeses, pesquisadores da UFG e outros moradores do município de Catalão, com o objetivo de debater o modelo de extração de minérios, suas práticas, impactos e conflitos.
O GT foi criado em 2018, a partir da articulação da população local e de diversos movimentos sociais, tais como: Movimento Camponês Popular (MCP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), e Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). O GT contava com, além dos representantes das comunidades rurais, moradores da área urbana do município e representantes das empresas mineradoras China Molybdenum Company Cmoc e Mosaic Fertilizantes, então responsáveis pela administração do complexo industrial mineroquímico de Catalão.
Segundo o próprio vereador Marcelo Mendonça, o objetivo do GT era entender a lógica com a qual se organizavam e atuavam no território as mineradoras e, a partir disso, posicionar as ações possíveis de serem tomadas e comunicar ao povo de Catalão o que poderia ser feito de diferente, bem como quais estratégias de resistência adotar frente aos impactos causados pela mineração no município.
O GT teve reuniões mensais no auditório da Câmara, onde os diversos sujeitos discutiam a mineração em Catalão, falando sobre temas que abrangiam as consequências dos impactos tanto na área urbana quanto na área rural do município. Entre os principais impactos destacados por eles estão:
Impactos rurais: judicialização de disputas pela posse e desapropriação de terras camponesas, envelopamento de nascentes, poluição atmosférica, trânsito intenso de caminhões, doenças respiratórias, alterações drásticas de paisagens, baixo valor pago pelas propriedades rurais dos pequenos agricultores, uso indevido das estradas vicinais, destruição de propriedade das famílias, e risco de rompimento de barragens.
Impactos urbanos: poluição atmosférica, “cheiro de barata”(maneira como os moradores do núcleo urbano de Catalão se referem ao odor oriundo do complexo mineroquímico e suas indústrias), acidentes ferroviários, chuva ácida, condições de trabalho dos mineiros, endividamento das mineradoras com o município (Reis, 2023).
Os principais pontos de discussão estavam concentrados na judicialização das disputas entre as corporações e os camponeses, o esvaziamento das comunidades rurais, e a diminuição do uso comum da água – fator determinante para a perda produtiva e econômica de diversos camponeses.
Um dos aspectos de desmobilização foi a falta de disposição dos representantes da Cmoc Brasil em se fazerem presentes nas reuniões e nos diálogos.
Com a ocorrência da pandemia de covid-19, em 2020, o grupo interrompeu suas atividades. Com o fim do mandato do vereador Marcelo Mendonça, em 2022, o GT encerrou suas atividades.
O fim do Grupo de Trabalho não significou o fim da organização da luta das famílias das comunidades rurais de Catalão e Ouvidor, que antecedeu a instituição do GT da Câmara de Vereadores, comprovado pela articulação das comunidades com movimentos sociais como CPT, Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), MAM, MCP etc.
O diálogo com estas organizações permitiu a participação e apresentação da comunidade Macaúba no Tribunal Permanente Popular dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado (TPP), em 2021 e 2022. No site institucional do TPP, seu secretário-geral Giovanni Tognoni traz as seguintes informações sobre o trabalho desenvolvido por seus membros:
“Do ponto de vista institucional, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) é definido como um tribunal internacional de opinião, com sede em Roma. Foi instituído em Bolonha, no dia 24 de junho de 1979, como um instrumento de apoio e promoção das lutas dos povos em busca e defesa do direito à autodeterminação, de acordo com os princípios afirmados na Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Argel, 4 de julho de 1976). Tal declaração foi formulada como uma conclusão e visão de futuro do Tribunal Russell II sobre as ditaduras da América Latina (1974-1976). De acordo com os termos de seu estatuto formal, o TPP assim define seus objetivos:
• Ser uma tribuna de visibilidade, do direito à palavra, de afirmação dos direitos dos povos expostos a violações graves e sistemáticas por parte dos atores públicos e privados, nacionais e internacionais, e sem possibilidade de recurso e acesso aos organismos competentes da comunidade internacional organizada.
• Constituir uma ferramenta para explicitar e determinar a existência, a gravidade, a responsabilidade e a impunidade das violações cometidas, bem como as medidas de justiça e reparação cabidas.
• Ser testemunha e promotor da pesquisa e investigação voltada a preencher as lacunas institucionais e doutrinais do direito internacional atual.
Cumprindo as solicitações de intervenção recebidas ao longo de mais de 40 anos de atividade, o TPP realizou 48 sessões públicas que desenham um mapa concreto das situações mais críticas de repressão massiva (até mesmo o genocídio) dos direitos humanos e dos povos, destacando as responsabilidades dos atores estatais e privados (principalmente as corporações transnacionais), bem como as lutas de resistência e as perspectivas de um ‘outro’ mundo, onde as vítimas se afirmam como sujeitos e donas de seus direitos a uma vida digna.” (TPP – 2021)
Em sessões realizadas em 2021 e 2022, o TPP do Cerrado analisou e denunciou, entre outros casos, a situação dos conflitos envolvendo a Comunidade Macaúba, que buscava defender seus direitos diante das violações provocadas pelas mineradoras que atuam no município de Catalão. Em publicação disponível no site do TPP, encontramos um relato de uma moradora da comunidade Macaúba, Maria Isabel de Oliveira Borges, que resume algumas das violações de direitos da população que habita essa comunidade rural:
“A Serra Quebrada, que é onde está aquele rejeito, aquela montanha de terra (…) antes era o cartão postal da Macaúba. Era uma região assim, no alto, era plano, uma fazenda plana, limpinha e depois a Serra Quebrada. E aí era uma mata virgem do Cerrado, que lá tinha todos os tipos de frutas do Cerrado. Mangaba, o pessoal ia de carroça (…) e vinha lá buscar latas e latas, baldes de mangaba. Pequi, araticum, pitanga, todo tipo de fruta do Cerrado lá tinha (…) Hoje aquela paisagem lá, quem não conheceu a Serra Quebrada hoje vê aquela montanha de terra lá e aí não sabe o que era. Mas antes era a coisa mais linda. Todas as frutas do Cerrado tinha lá, remédios, as ervas medicinais. A gente mesmo, minha mãe, minha vó sempre trabalhavam, fazia garrafada, os chás, buscavam as ervas lá. E hoje tá uma montanha de terra, não tem mais nenhuma árvore, derrubaram tudo. Inclusive lá tinha 05 nascentes que desciam nas grotas dessas terras (…) Colocaram terra em cima daquela paisagem.”

Em junho de 2022, a própria comunidade Macaúba organizou e realizou um seminário: Diálogo sobre as judicializações feitas pelas mineradoras – “Da Macaúba para o mundo!”, apresentando o caso Comunidade versus Mineradoras, no qual discutiram e demonstraram a historicidade e territorialização da comunidade. De acordo com Reis (2023), o seminário expôs a capacidade de auto organização da comunidade e de discutir seus próprios problemas em condição de protagonismo.
Para obter maior poder de barganha nas negociações com as empresas mineradoras, os camponeses têm buscado a estratégia de se organizar para cobrar valores semelhantes para vender suas terras, inserindo nos preços valores simbólicos, como os do laço afetivo e do “enraizamento” das famílias das comunidade e seus territórios.
Isso demonstra um sentimento potente de coletividade e pertencimento que alimenta a luta das famílias para permanecer em comunidades rurais como a comunidade Macaúba , afetada pelos empreendimentos mineradores a tal ponto que, segundo um de seus moradores, em 2022, apenas 20% das famílias que originalmente viviam ali permaneciam em suas propriedades. A resistência é a afirmação do seu direito de existência neste caso.
Atualizada em abril de 2025
Cronologia
1968: Metais de Goiás (Metago S.A.) requere a área entre Catalão e Ouvidor para prospecção de minérios.
1975: Usina Semi-industrial ativa suas operações de lavra de beneficiamento de fosfatos em escala semi-industrial.
1976: Mineração Catalão inicia suas atividades em Ouvidor (GO), explorando uma mina de nióbio.
1977: Usina Metalúrgica de Catalão começa a funcionar, sob administração da Mineração Catalão.
1978: Metago, em associação com a Petrofertil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), por meio do Financiamento de Indústria de Base (FIBASE), funda a GoiásFértil.
1978: GoiásFértil assume a exploração de fosfato no Complexo Catalão I.
1979: Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) passa a atuar também na mineração de fosfato em Catalão, via ValeFértil.
1979: Companhia Petroquímica Brasileira (Copebrás) inicia a produção de fosfatos em Catalão (GO), sendo denominada Fosfatos Goiás S/A (Fosfago).
1985: Copebrás passa a fazer parte do grupo Anglo-American S/A.
1992: GoiásFértil é privatizada e vira Fosfértil.
1995: Fosfértil incorpora a Ultrafértil S.A
1999: Mineração Catalão dá início à operação de recuperação de pirocloro na mina Boa Vista, Catalão (GO).
2000: Copebrás inaugura sua planta de granulação de fertilizantes em Catalão (GO)
2003: É inaugurado o complexo mineroquímico de fertilizantes e fosfatos em Catalão (GO).
2010: Fosfértil é incorporada pela Vale Fertilizantes.
2014: A Anglo-American, controladora da Copebrás e da Mineração Catalão, inicia o beneficiamento de minério não oxidado na mina de nióbio de Boa Vista, em Catalão (GO).
2016: A Cmoc International adquire as operações de nióbio e fosfato da Anglo American no Brasil. Operando como Cmoc International Brasil, a companhia resgata a marca Copebrás para a exploração de fosfatos, criando a NioBras, para a exploração de nióbio.
2018: Vale vende a Vale Fertilizantes para a Mosaic.
2018: Instauração de Grupo de Trabalho (GT) especial da Câmara de Vereadores de Catalão para analisar os impactos socioambientais das atividades de mineração sobre a população e os ecossistemas do município.
2021: Participação da Comunidade Macaúba denunciando o caso dos impactos causados no TPP dos Povos do Cerrado.
2022: Realização de seminário na Comunidade Macaúba sobre a judicialização das disputas pela terra das famílias de agricultores levada a cabo pelas mineradoras: “Da Macaúba para o mundo!”, apresentando o caso “Comunidade X Mineradoras”.
Fontes
FERREIRA, Ana Paula da Silva de Oliveira. Territórios em conflito: a Comunidade Macaúba/Catalão (GO) e a territorialização da atividade mineradora. Tese (Mestrado em Geografia) – Departamento de Geografia, Universidade Federal de Goiás. Catalão, p. 172. 2012. Disponível em: https://abre.ai/mMBI. Acesso em 16 maio 2025.
MOVIMENTO CAMPONÊS POPULAR – MCP Mineradoras estão expulsando famílias camponesas de suas terras, em Catalão, Goiás. (2023). Disponível em: https://abre.ai/mMBG. Acesso em: 07 abr. 2025.
PIRES, Murilo José de Souza; RAMOS, Pedro. O termo modernização conservadora: sua origem e utilização no Brasil. Revista Econômica do Nordeste, vol. 40, n. 3, pp 411–424, 2017. Disponível em: https://bit.ly/4iKZcKP. Acesso em: 30 abr. 2025.
REIS, Bruno Serafim dos. As fronteiras do neoextrativismo em Catalão (GO): Da territorialização do capital aos conflitos socioterritoriais. Tese (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, p. 230. 2023. Disponível em: https://abre.ai/mMBF. Acesso em: 16 maio 2025.
SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: Conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Elefante, 2019.
TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS DO CERRADO – TPP. Caso nº4 • GO – Comunidade camponesa de Macaúba X Empreendimentos minerais de nióbio e fosfato da Mosaic Fertilizantes e China Molybdenum Company – CMOC. (2021). Disponível em: https://abre.ai/mMBL. Acesso em: 07 abr. 2025.
TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS DO CERRADO – TPP. O Tribunal Permanente dos Povos a caminho da sessão sobre o Cerrado. Disponível em: https://bit.ly/3ZkhgVa. Acesso em: 07 abr. 2025.