BA – Comunidades quilombolas e agricultores familiares lutam para garantir território e meios de subsistência contra mega empreendimento de mineração
UF: BA
Município Atingido: Caetité (BA)
Outros Municípios: Caetité (BA), Ilhéus (BA), Licínio de Almeida (BA), Malhada (BA), Pindaí (BA)
População: Agricultores familiares, Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Acidentes, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
“A gente espera que o povo tenha os mesmos direitos e acessos que tinha antes. Porque, antes de chegarem as empresas aqui, o povo já existia. E agora vai fechando o povo em um recanto, encurralando o povo, e sem dar uma satisfação. Ninguém sabe como pode ficar para o futuro, e a próxima geração não vai encontrar nada aqui para conhecer que fale assim: isso é público e nós temos direito. […]Se esse projeto for adiante como eles pretendem, o que vai sobrar pra essas comunidades? Daqui a dez, quinze anos não vai haver ser humano mais aqui”. Edson Fernandes Rocha, atingido pela Bamin, comunidade João Barrocas, Caetité – BA.
No município de Caetité, sudoeste da Bahia, está em implantação uma mina de exploração de minério de ferro de propriedade da empresa Bahia Mineração Ltda. (Bamin), pertencente à Eurasian Natural Resource Corporation, grupo do Cazaquistão e da Índia. O Projeto Pedra de Ferro, avaliado no valor de 1,8 bilhões de dólares, é o eixo central de outros dois mega empreendimentos: a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e o Complexo Logístico Intermodal – Porto Sul.
As obras da Bamin no município de Caetité e região vêm causando impactos e conflitos junto à população de agricultores familiares e comunidades quilombolas quanto à apropriação das terras historicamente de uso comum das comunidades e também quanto ao uso e preservação dos recursos hídricos.
O local escolhido pela Bamin para instalar a barragem de rejeitos da mina é sobre as nascentes do riacho Pedra de Ferro, de fundamental relevância para garantir o abastecimento de água da região de Caetité e Pindaí como um todo, além de ser a única fonte de água de mais de 3.500 famílias.
O processo de licenciamento do Projeto Pedra de Ferro, segundo a Comissão Pastoral da Terra, foi bastante conturbado e não levou em consideração a posição dos moradores, que durante as audiências públicas deixaram claro que não concordavam com o empreendimento.
Duas comunidades, Anta Velha e Palmitos, já foram completamente destruídas pelo processo, ainda não tiveram a totalidade de suas famílias reassentadas, e aquelas que já o foram não estão satisfeitas com a qualidade de vida do novo local de moradia, que não lhes confere a possibilidade de cultivar a terra e garantir o seu sustento.
Contexto Ampliado
O estado da Bahia tem sido palco de grandes empreendimentos nos últimos anos, desde parques eólicos até grandes indústrias, ferrovias e projetos de mineração. Dentre eles, está o Projeto Pedra de Ferro, da empresa Bahia Mineração Ltda. (Bamin) que, atualmente, é inteiramente estrangeira.
Segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o interesse do setor de mineração pela região de Caetité foi despertado quando o geólogo João Cavalcanti descobriu uma grande jazida de ferro no município. No ano de 2005, a Bahia Mineração (Bamin) instalou-se na Bahia e, no mesmo ano, suas ações começaram a ser vendidas, sendo adquiridas em grande parte pelo investidor indiano Pramod Agarwal.
Em 2006, a Bamin passou a ser inteiramente estrangeira, pertencendo ao grupo Eurasian Nature Resorce e Corporation (ENRC), parceria de Cazaquistão e Índia. A empresa passou a investir em levantamentos e pesquisas, ao mesmo tempo em que também começou a ser acusada por movimentos sociais locais de invadir propriedades e executar compra de terras de maneira indevida e injusta.
O Projeto Pedra de Ferro consiste na instalação de uma mina de exploração de minério de ferro no município de Caetité, localizado no sudoeste da Bahia, a 757 quilômetros da capital Salvador. Segundo a Bamin, a mina irá produzir aproximadamente 20 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. O Projeto será formado por um sistema de suprimento de água industrial, linhas de transmissão de energia, a mina e uma usina de concentração, uma logística de transporte de mais de 400 km e um terminal de embarque privativo offshore.
Este esquema de logística engloba outro dois mega empreendimentos, ambos com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal: a Ferrovia de Integração Oeste Leste (FIOL), que ligará os municípios de Figueirópolis, no Tocantins, à Ilhéus, no litoral sul da Bahia, cortando 32 municípios do estado, e cujas obras foram iniciadas em 2010; e o Complexo Logístico Intermodal – Porto Sul, em Ilhéus, também de propriedade da Bamin, aguardando licença de instalação pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (IBAMA). As duas obras completam um complexo sistema de produção e transporte de minério que tem o município de Caetité como centro, dada a localização da mina. O sistema carrega também uma série de outros conflitos conforme avançam suas obras. Todos esses conflitos acima citados estão relatados neste Mapa.
Na região de Ilhéus, destino da produção oriunda de Caetité, ONGs ligadas à defesa ambiental, órgãos e associações de fomento do turismo no litoral sul da Bahia e produtores rurais que serão afetados pela instalação do Porto-Sul contestam a necessidade e a viabilidade das obras. Para eles, a ampliação do Porto de Ilhéus, a cerca de 50 quilômetros de onde o Porto Sul deve ser instalado, seria o suficiente para a demanda.
A FIOL liga Leste a Oeste do estado da Bahia e terá, como principais cargas a serem transportadas, agrotóxicos, grãos e minério de ferro, uma vez que a Bamin já comprou o direito de utilizar 25% da capacidade de transporte da ferrovia para levar sua produção até o Terminal de Uso Privativo no Porto Sul, de onde será exportado.
Segundo avaliação da CPT e das comunidades atingidas pela Bamin, este mega empreendimento servirá apenas aos interesses de grandes capitais. O minério de ferro de Caetité, de acordo com avaliação veiculada no jornal Tribuna da Bahia, é de baixa qualidade, com teor entre 35 e 40% – para atingir a concentração exigida no mercado (66 a 68%), necessitaria de um beneficiamento feito à base de água. O jornal afirmava ainda que o investimento na mina de baixa qualidade, que custará quase dois bilhões de dólares, só passou a ser interessante e economicamente viável devido à expansão da economia mundial, especialmente da China, o que fez crescer a demanda pelo produto.
Além disso, segundo o Blog do Gusmão, este projeto não seria de utilidade pública, já que pertence a um modelo econômico que privilegia a concentração de renda, através da mera exportação de uma commodity, riqueza que sairá do Brasil sem valor agregado.
Segundo o portal Ação Ilhéus, a Bamin chegou em Caetité e Pindaí ainda em 2007 e, desde então, deu início a incursões às comunidades, ferindo o direito de propriedade; abrindo picadas, perfurando poços. A mineradora comprou direitos de posse de moradores de comunidades tradicionais sem que as famílias tivessem o direito de escolher os seus representantes legais para intermediar o processo de venda das terras, desrespeitando o uso tradicional de áreas coletivas, supostamente terras públicas.
De acordo com Relatório Técnico de Garantia Ambiental da Bamin de 2011, o Projeto Pedra de Ferro foi apresentado ao IMA (Instituto de Meio Ambiente) em 2007, e o processo de licenciamento ambiental da mina começou em 2008; desde então, já foram relatadas divergências entre aqueles que apoiam e os que discordam do projeto. Na reunião do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEPRAM) de 18 de dezembro deste ano, destinada ao debate sobre a licença de localização do empreendimento, houve, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), uma grande pressão dos conselheiros representantes do Estado para a aprovação do projeto. E, desde aquela época, os representantes da sociedade civil já se mostraram desfavoráveis à instalação da Mina em Caetité.
Uma carta elaborada pela CPT, por sindicatos de trabalhadores rurais, associações de moradores e movimentos sociais foi destinada aos conselheiros denunciando, não apenas a situação de insegurança dos moradores – de Caetité, Pindaí, Malhada, Licínio de Almeida e outros municípios da região -, como o quê a Bamin já havia realizado mesmo antes de receber o licenciamento:
Esta empresa já destruiu comunidades negras tradicionais nos municípios de Caetité e Pindaí (Antas Velhas e Palmitos), e já tem causado poluição pelo derramamento de óleo em um poço que abastece a Comunidade de Cachoeira, conforme denunciaram moradores daquela comunidade em audiência pública. A BAMIN tem adquirido terras dos gerais que são de uso comum das populações tradicionais da região, possivelmente terras públicas, comprometendo assim a forma tradicional de criação de gado pelos moradores nessas áreas.
Pela carta era possível constatar que foram realizadas audiências públicas, com mais de cinco mil participantes, nos municípios direta ou indiretamente impactados pelo projeto, e que a resposta da população local não havia sido positiva:
Esperamos que o CEPRAM observe o exposto acima e que considere as manifestações contrárias das populações que serão impactadas com a implantação do Projeto Pedra de Ferro da BAMIN nas audiências públicas ocorridas no período de 28 a 31 de julho de 2009, em Guanambi, Caetité, Malhada e Pindaí, e não conceda a licença de localização do Projeto Pedra de Ferro, tendo em vista que o mesmo é inviável e insustentável do ponto de vista ambiental, social e econômico para a nossa região.
Segundo a CPT, mais de cinco mil pessoas participaram das audiências, que tiveram o intuito de apresentar o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), elaborados pelas empresas Soluções e Tecnologia Ambiental (SETE) e F&H Engenharia Ambiental, contratadas da Bamin. Para Diacísio Leite, da CPT:
As duas empresas, ao invés de apresentar os estudos com lisura e imparcialidade, se comportaram como verdadeiros garotos-propaganda, fazendo lobby para a BAMIN. Principalmente a SETE que, em nenhum momento, apresentou de forma clara os impactos irreversíveis, como perda de flora e supressão de comunidades tradicionais.
Apesar das manifestações contrárias ao empreendimento demonstradas nas audiências públicas e reuniões do CEPRAM, o projeto foi adiante. Segundo o Relatório de Garantia Ambiental da Bamin, no dia 04 de abril de 2010, o CEPRAM concedeu a Licença de Localização/Prévia do Projeto Pedra de Ferro. No dia 18 de novembro do mesm ano, foi emitida a Licença de Implantação, autorizando o início das obras, com 126 condicionantes. As obras começaram em março de 2012.
A CPT denunciou, em novembro de 2011, que no município de Caetité havia ocorrido, pela primeira vez, racionamento de água. O fato foi explicado pela saturação que a cidade enfrentou com a chegada de grande quantidade de pessoas atraídas pelas oportunidades de empregos temporários nas obras de construção de parque eólicos na região e pela extração de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), cujos conflitos estão também relatados nestes Mapa em dois casos distintos. A chegada do Projeto Pedra de Ferro pode piorar a situação, pois ainda mais pessoas serão atraídas e maior será a quantidade de água utilizada na região.
A água que abastecerá o suprimento industrial, mencionado como parte da estrutura do Projeto Pedra de Ferro, e proporcionará o beneficiamento do minério será retirada do Rio São Francisco, por meio de dutos que percorrerão 150 quilômetros. De acordo com Gilmar Ferreiras dos Santos, da CPT Bahia, o trajeto dos dutos atravessa regiões que já sofrem com falta dágua; a Bamin se apropria de áreas que são estratégicas, sob o ponto de vista ecológico e da produção de água. Tem uma série de comunidades que dependem diretamente desses recursos.
Assim, o uso da água é um dos principais motivos de conflito entre a empresa e as comunidades atingidas: As nascentes estão secas. Secou, tinha água que nos servia, dava água para animal, dava água para passarinho beber, relatou Gil Neto da Silva, atingido pela Bamin, morador da comunidade Açoita Cavalo, em Caetité.
A problemática da superexploração da água pelas empresas de mineração na Baía do Rio São Francisco, no entanto, já vinha sendo discutida há mais tempo. Entre 19 e 22 de março de 2011 foi realizado o Encontro dos Atingidos e Atingidas pela Mineração na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, no qual representantes de diversas comunidades de diferentes estados do Brasil estiveram reunidos, incluindo representantes de Caetité.
Ao final do encontro, publicaram uma carta manifestando sua indignação com a degradação causada pela atividade de mineração, em defesa da água como bem público fundamental à vida humana e à biodiversidade e pelo direito ao uso prioritário das águas pelas comunidades. […] A maneira como estão sendo concedidas [as outorgas de água] para os empreendimentos de mineração, seja para utilização de água na planta industrial e no transporte do minério, seja para barragem de rejeitos, não considera efetivamente os impactos sobre a qualidade e a quantidade das águas. […] Para garantia do bem estar público, autorizações e licenciamentos da esfera pública não podem se restringir a juízos cobertos apenas pela aparência de cumprimento de legalidade, já que não faltam evidências das consequências negativas geradas pela exploração pouco criteriosa dos minérios. Ritos legais são inócuos se […] a seguridade do direito coletivo é jogada por terra em nome de direitos privados. […] Água ou Mineração: o que a sociedade quer? Para nós, a resposta está clara: a mineração, ao contrário do que dizem as nossas leis, não tem sido de utilidade pública. É, antes de tudo, um bem privado, com lucros na mão de poucos, a custo de um grande sofrimento das populações atingidas e que acarreta um enorme mal público.
O processo de licenciamento do projeto como um todo é alvo de contestações. Gilmar Santos, da CPT, informou que a mina obteve a Licença de Instalação (LI) sem ter cumprido nenhuma das 40 condicionantes impostas pela Licença de Localização, emitida anteriormente autorizando o empreendimento a iniciar o processo de estudos e licenciamento naquela localidade específica. O Estado renovou as condicionantes e concedeu a outra licença. Não existe isso, e também não existem condicionantes cumpridas parcialmente. Ou uma condicionante foi cumprida ou não foi cumprida, afirmou Gilmar.
Dentre as principais condicionantes constava o reassentamento de 30 famílias das comunidades de Antas Velhas e Palmitos que foram dissolvidas para a implantação da mina. De acordo com notícia da CPT de novembro de 2011, muitas famílias não haviam recebido até aquele momento nenhuma assistência da Bamin ou do governo, o que as fez mudar de domicílio para as cidades vizinhas à Caetité. Gilmar questionava: Quer dizer, a empresa vai protelar isso a vida inteira? Vai ficar 15 ou 20 anos funcionando e as famílias vão ficar 15 ou 20 anos sem receber nenhuma assistência? E o Estado vai continuar concedendo todas as licenças que a empresa precisa?
As poucas famílias que receberam alguma assistência foram realocadas para o povoado de Guirapá – no município de Pindaí, localidade escolhida pela Bamin -, com promessas de trabalho, geração de renda, acesso a serviços públicos e, principalmente, terra em condições para agricultura.
A agricultora Zildete Alves de Souza vivia em Palmitos e, ainda em 2009, teve que se mudar para o povoado. Segundo ela, a realidade era bem diferente do prometido: A empresa prometeu muita coisa, mas até agora não aconteceu nada. Prometeu trabalho, cesta básica, médico, foi tanta coisa que prometeram. Além disso, a família de Zildete recebeu uma indenização no valor de 100 mil reais que foi suficiente apenas para comprar um terreno e construir a casa.
Sem ter conseguido retomar a produção agrícola, a família passou a viver da aposentadoria da mãe de Zildete. Zildete conseguiu trabalhar apenas no primeiro ano de realocamento em um projeto comunitário elaborado pela própria Bamin, que ao terminar a deixou desempregada. Estou parada, aqui não tem serviço. [Trabalho] até tem, mas pagam uns 100 reais por mês. Quem quer sair de casa pra trabalhar pros outros por 100 reais?, questionou Zildete.
Zildete lamentou a mudança para pior que sua vida sofreu devido à mudança: Lá [em Palmitos] a gente plantava milho, feijão, alho, coentro, criava porco, galinha. Agora, toda hora em que preciso de alguma coisa tenho que ir ao mercado, lamenta.
O mesmo aconteceu com a família de Manuel Ferreira dos Santos, agricultor da comunidade de Antas, que também teve que se mudar para Guirapá. Anteriormente, Manuel e sua família viviam da produção da própria lavoura; no local de reassentamento, como não tem terra para plantar, sobrevive de trabalhos temporários nas plantações dos vizinhos, o que reduziu a renda familiar. Manuel afirmou que, no novo local, não tem terreno para plantar, tem filho na escola, família, remédio. Estou sem terreno pra trabalhar, pra mim foi pior.
Se dependesse de sua vontade e dos vizinhos eles nunca teriam saído de Caetité, mas as famílias, segundo a CPT, foram forçadas a deixar as antigas comunidades. Eles [empresa] disseram que se eu não vendesse iam me deixar no meio [do projeto]. Eles jogavam uma pressão, contou Manuel, que afirmou também sentir saudades de seu antigo modo de vida: Ver a água rolando pelas pedras, andar naquelas matas verdes, naqueles rios, a gente tem saudade. Às vezes, eu estou aqui e estou lembrando.
O processo de resistência aos impactos causados pelos empreendimentos da Bamin vem crescendo e unindo populações de diferentes cidades da Bahia. Entre os dias 27 e 29 de outubro de 2011, a Vila Juerana, em Ilhéus, abrigou o Encontro de Atingidos pela Bamin, com representantes de diversas comunidades atingidas dos municípios de Bom Jesus da Lapa, Caetité, do norte de Minas Gerais e sul da Bahia, do Ministério Público Federal e Estadual (MPF e MPE), além de entidades ambientalistas. Segundo informações da CPT divulgadas pelo Combate Racismo Ambiental, os presentes discutiram as denúncias envolvendo a mineração, qual o significado desta atividade, a organização e os processos de luta e resistência. Também entraram em pauta as instalações da Ferrovia de Integração Oeste Leste (FIOL) e do Complexo Logístico Intermodal – Porto Sul.
Durante o encontro, Dom Mauro Montagnoli, bispo diocesano de Ilhéus, publicou a carta O grito dos pbres, em que apresentava sua defesa às populações atingidas. Para o bispo, em nome de um falso desenvolvimento, os pobres são novamente desconsiderados, nem sequer são ouvidos e, o que é pior, são ameaçados na sua dignidade e não são respeitados nos seus direitos de cidadãos. Os megaprojetos foram aprovados e financiados pelo governo federal repetindo procedimentos há muito tempo combatidos pela CPT e por quem defende o direito daqueles que precisam da terra para subsistência e para viver com dignidade.
O bispo ressaltou também que: Para as obras desse projeto, o governo do Estado da Bahia destinou verbas públicas do PAC sem que houvesse nenhum tipo de consulta popular. Os processos de licenciamento do Porto Sul e FIOL (Ferrovia de Integração Oeste Leste) envolveram desinformação e truculência com as comunidades diretamente atingidas. Falsas promessas de emprego aliciaram os poderes públicos locais, que mais uma vez deram as costas à população. […] O grito do povo é para que se respeite sua dignidade e seus direitos de vida digna. O progresso deve privilegiar a pessoa humana e não só o lucro dos grandes empreendedores.
Ao final do encontro, todos os participantes publicaram carta em que afirmavam sua indignação com a degradação socioambiental, manifestando TOTAL REPÚDIO ao complexo de empreendimentos que está sendo implementado no Estado da Bahia para exploração e exportação de minério.
Na carta, os participantes indicaram o processo de licenciamento como um ponto importante da geração de indignação das populações atingidas: Estas obras estão sendo licenciadas e executadas em total desrespeito à natureza e à vida das populações que estão no seu entorno. Desmatamento, poluição, extinção de ecossistemas raros e expulsão de comunidades inteiras de pescadores, índios, quilombolas, assentados e camponeses são símbolos eloquentes do desastre que se anuncia. Milhares de famílias, desde Caetité até Ilhéus, estão ameaçadas de perder suas casas e campos de trabalho para a execução desses projetos, que beneficiarão unicamente a uma empresa estrangeira.
Destacaram ainda que diversas políticas públicas que foram implementadas pelo governo estadual e federal na esfera do turismo e da agricultura familiar estariam sob ameaça, demonstrando as contradições de um governo que está longe de ser de todos nós.
As negociações do governo federal quanto ao marco regulatório da exploração mineral no Brasil afetaram o processo do Projeto Pedra de Ferro. Segundo a Folha de São Paulo, o projeto estava na lista das sete últimas autorizações concedidas para exploração no país, cujos empresários foram obrigados a assinar, em maio de 2013, um termo de compromisso dando ao governo o direito de mudar as regras do contrato com base em legislação futura. De acordo com o Blog do Gusmão, a licença de Operação só foi emitida em 18 de maio de 2013, uma vez que estava parada devido a esta discussão.
A insatisfação da população de Caetité foi aumentando dadas as diferentes pressões que o município foi sofrendo. No dia 03 de julho de 2013, cerca de 150 moradores do povoado Santa Luzia realizaram um protesto fechando a estrada vicinal até a localidade. A região é um centro produtor de cana-de-açúcar e derivados, rica em manganês, e cortada por um grande fluxo de veículos pesados que servem às obras da Bamin, da Andrade Gutierrez, das usinas de energia eólica e da FIOL.
Os moradores reclamam dos transtornos, principalmente, do barulho e da poeira, que está deixando as crianças doentes. Segundo o jornal local Caetité Notícias, as empresas envolvidas não vêm contribuindo em nada para a melhoria de vida dos habitantes. Os manifestantes colocaram fogo em pneus e cobraram contrapartidas decentes das empresas. De acordo com a reportagem:
O progresso trazido por estas empresas não está se refletindo em benefícios aos moradores de Caetité, especialmente aqueles mais diretamente afetados. Apesar de importantes para o progresso do estado, ações reparatórias não estão sendo realizadas, e mesmo aquelas afeitas aos trabalhos como a pavimentação das estradas sequer são discutidas com as comunidades.
Os impactos oriundos das atividades da Bamin aumentaram e atingiram também comunidades negras do município que, no entanto, obtiveram uma vitória na justiça contra a empresa. Em agosto de 2013, uma Ação de Reintegração de Posse foi emitida contra a empresa em favor do Terreiro de Axé Ilé Cicongo Roxo Mucumbe de HAnzambi, do distrito de Brejinho das Ametistas. A empresa se apropriou de uma vasta área, tradicionalmente utilizada pelos moradores da comunidade como santuário de cultos africanos e, inclusive, declarada como patrimônio afrocultural brasileiro pelo Ministério da Saúde e de Utilidade Pública, pelo Estado da Bahia em 2006. O juiz Eduardo das Neves, da comarca de Caetité, deferiu a liminar da reintegração da área pela comunidade, que a usa há décadas para fins de celebração religiosa, onde a água, árvores, plantas, ervas são cultuados e preservados, num contraste admirável com o avanço da degradação da natureza nos centros urbanos.
Segundo o Caetité Notícias, a resistência dos moradores de Caetité às ações da Bamin vem ganhando forças e retirando as máscaras da empresa, que em público se coloca como exemplo de responsabilidade social e ambiental. Mas, na verdade, vem impactando a vida de milhares de lavradores que estão tendo suas terras apropriadas. No dia 17 de setembro, houve um caso, entre os municípios de Caetité e Pindaí, em que a população impediu a entrada de 30 trabalhadores da Bamin na área das nascentes do Rio Pedra de Ferro, onde pretendiam desmatar a região de mata nativa. Além de impedir a entrada, os moradores informaram ao Ministério Público (MP) em Caetité, que encaminhou denúncia para o Núcleo de Defesa do São Francisco (NUSF), em Guanambi.
Como já foi dito, a região das nascentes foi a área escolhida pela empresa para construir a barragem de rejeitos oriundos da mina, ameaçando de contaminação e destruição uma importante fonte de água. Para Gilmar Santos, da CPT:
A Bamin está prestes a colocar no chão toda uma mata, entre Caetité e Pindaí, com árvores centenárias e espécies raras, berço de nascentes que mantém vivo o rio Pedra de Ferro, que sacia centenas de famílias durante o ano e milhares, no período da seca. Com a voracidade e sede pelo dinheiro, a Bamin quer derrubar tudo e transformar esse vale num imenso mar de lamas e lágrimas.
A empresa afirmou no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que apenas três famílias dependeriam desta água e que nesta região o seu custo benefício seria melhor. Nesta época, Thomas Bauer, da CPT, visitou a região para contestar as afirmações da empresa. Em seu relato, disponível no Combate Racismo Ambiental, Thomas registrou mais de 3.500 famílias vivendo no entorno, com grande produção de agricultura familiar. A nascente do Rio Pedra de Ferro está no Vale do Capão, dentro da área do Parque Nacional da Chapada Diamantina, e está ameaçada por uma insana proposta da empresa.
Segundo Thomas, além do registro e dos depoimentos de diversas famílias, 16 localidades foram georreferenciadas no entorno, com mais de 230 famílias que recebem e dependem diretamente desta água nas suas casas. Além delas, entretanto, aproximadamente 3.000 famílias do município de Pindaí recebem a mesma água na época da estiagem, através dos carros pipas.
Os depoimentos de Jânio, da comunidade de Baixa Preta, e de Edson, de João Barroca, complementam a afirmação do pesquisador de que o riacho Pedra de Ferro é um dos afluentes mais importantes da região: Toda água que consumimos vem desse local, essas nascentes só existem por que as árvores estão preservadas, afirmou Edson. Água é vida, se destruir aquela mata, destrói nossa maior riqueza, que é a água, e compromete nossa sobrevivência, completou Jânio. Os moradores, portanto, não estão de acordo com o empreendimento e apontam para uma necessidade de preservação da área.
Segundo a CPT, a epresa, que já inicia sua fase experimental de operação na exploração de minério de ferro, afirma possuir todas as licenças necessárias à supressão da vegetação, mas não as apresentou à população e nem ao MP. A população exige intervenção do poder público, pois, assim como não tem uma alternativa de local para a mina, as nascentes de água que abastecem as comunidades também não possuem.
Entre os dias 25 e 29 de setembro de 2013, em Salvador, foi realizado pela CPT o II Encontro de Atingidos pela Mineração, intitulado Mineração: progresso ou destruição?. Os cerca de 50 participantes discutiram, entre outras coisas, o novo código da mineração e a situação das famílias das comunidades Anta Velha e Palmitos, em Caetité, que até esta data ainda não tinham sua situação de realocação concluída.
Cronologia
2005 – Bamin instala-se na Bahia.
2006 – Bamin passa a ser inteiramente estrangeira, pertencendo ao grupo Eurasian NatureResorce e Corporation (ENRC), parceria de Cazaquistão e Índia.
2007 – Projeto Pedra de Ferro é apresentado ao IMA (Instituto de Meio Ambiente).
2008 – Processo de licenciamento ambiental da mina é iniciado.
Julho de 2009 – Audiências públicas sobre o Projeto Pedra de Ferro em Guanambi, Caetité, Malhada e Pindaí.
2009 – Remoção das comunidades de Anta Velha e Palmitos, em Caetité.
2010 – Iniciadas as obras da FIOL.
04 de abril de 2010 – CEPRAM concede Licença de Localização/Prévia do Projeto Pedra de Ferro.
18 de novembro de 2010 – Emitida a Licença de Implantação, que autoriza o início das obras, com 126 condicionantes.
2011 – Pela primeira vez, há racionamento de água em Caetité.
19 e 22 de março de 2011 – Encontro dos Atingidos e Atingidas pela Mineração na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.
27 e 29 de outubro de 2011 – I Encontro de Atingidos pela Bamin, em Ilhéus.
Março de 2012 – Início das obras da mina.
18 de maio de 2013 – Emitida Licença de Operação da mina.
03 de julho de 2013 – Moradores do povoado Santa Luzia, Caetité, realizam protesto fechando a estrada vicinal.
Agosto de 2013 – Ação de Reintegração de Posse é emitida contra a Bamin em favor do Terreiro de Axé Ilé Cicongo Roxo Mucumbe de HAnzambi, do distrito de Brejinho das Ametistas, Caetité.
17 de setembro de 2013 – População impede a entrada de 30 trabalhadores da Bamin na área das nascentes do Rio Pedra de Ferro.
25 e 29 de setembro de 2013 – II Encontro de Atingidos pela Mineração, intitulado Mineração: progresso ou destruição?
Fontes
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CAETITÉ NOTÍCIAS. Caetité: Justiça obriga Bamin a desocupar terreno de culto afro na Bahia. 15/10/2013. Disponível em: http://goo.gl/c0d9kg. Acessado em: 09 jan. 2014.
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______. BA Mineradora quer construir barragem de rejeitos sobre nascente do Riacho Pedra de Ferro. 04/10/2013. Disponível em: http://goo.gl/Qq8tdh. Acessado em: 09 jan. 2014.
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TRIBUNA DA BAHIA. Produção mineral da Bahia se expande. 17/05/2010. Disponível em: http://goo.gl/ixujvZ. Acessado em: 09 jan. 2014.
Olá!
Como referenciar essa matéria? Estou usando em um texto mas não achei autor e data.
BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. ENSP/Neepes. “[título do conflito]” In: Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro, 20xx. Disponível em: https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/xxx. Acesso em: