Morosidade no andamento do processo de regularização fundiária de comunidades de fundo e fecho de pasto de Santa Maria da Vitória intensifica os conflitos, a violência, e a grilagem

UF: BA

Município Atingido: Santa Maria da Vitória (BA)

População: Agricultores familiares, Comunidades de Fecho e Fundo de Pasto

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Especulação imobiliária, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

Posseiros e pequenos criadores – organizados em torno do regime de fundo de pasto – denunciam que fazendeiros de Santa Maria da Vitória estariam realizando grilagem de terras no município e impedindo a exploração de uma área de uso comunitário de, pelo menos, 30 mil hectares. Segundo as denúncias veiculadas na imprensa e na internet, essas terras estariam sendo cercadas para fins de especulação imobiliária por um casal de advogados do município, Maria do Socorro Sobral Santos e Paulo de Oliveira Santos. Tal conflito se desenrola simultaneamente na esfera política, administrativa e judicial.

No âmbito administrativo, os posseiros conseguiram que o Governo do Estado da Bahia – por meio da sua Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário (CDA/BA) – desse início, em outubro de 2008, a uma ação discriminatória para que se realizasse o levantamento da cadeia dominial das terras em questão. Além disso, era importante que se determinasse se as denúncias de grilagem eram verdadeiras – e em que extensão –, bem como a regularização das terras identificadas como públicas. Essa ação tem sofrido oposição dos fazendeiros que, com o uso da força, têm impedido a ação dos técnicos da CDA/BA, que só foi retomada em março de 2010, após decisão judicial favorável do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA).

O Judiciário local – especificamente, o Juizado Especial Cível (JEC) da Comarca de Santa Maria da Vitória – tem dado suporte às ações dos fazendeiros por meio da concessão de uma série de liminares favoráveis ao pleito deles. Entre as decisões favoráveis, está a ação de interdito proibitório movida pelo casal. Em setembro de 2008, o juiz Eduardo Pedro Nostrani Simão – titular do juizado na comarca – concedeu liminar determinando que posseiros se abstivessem de “ameaçar, turbar ou esbulhar a posse dos autores”, sob pena de multa fixa de R$ 50 mil. Essas multas já foram aplicadas em pelo menos uma ocasião, quando foi determinada a apreensão de animais dos posseiros (Oliveira, 2014).

A fim de se contrapor ao poder econômico e político dos fazendeiros, os posseiros têm se articulado com organizações ligadas à sociedade civil e à igreja, garantindo apoio na luta pelas terras que consideram parte de uma área comum tradicional. Esse apoio já rendeu aos representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe, pelo menos, um dia de prisão, por denúncias contra a atuação do Judiciário local.

Em 2017, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do estado da Bahia (AATR-BA) lançou a publicação “No rastro da grilagem”, na qual dedicou um capítulo para o caso em Santa Maria da Vitória, informando que o estado da Bahia exigia o reconhecimento das terras devolutas e a anulação dos registros efetuados irregularmente em cartório pelo casal de advogados.

Em agosto de 2024, as comunidades de fundo e fecho de pasto de Santa Maria da Vitória denunciaram, à 4ª Missão da Comissão Nacional de Enfrentamento da Violência no Campo do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o retorno de ameaças e intimidações aos integrantes das comunidades por parte da família Santos.

A morosidade no andamento do processo de regularização fundiária dessas comunidades tem aberto brechas para a intensificação dos conflitos e o acirramento da violência no campo. Contudo, esse processo promoveu a articulação da luta de enfrentamento à grilagem, seja pela organização política dos grupos, seja por sua publicização e denúncia.

 

Contexto Ampliado

As comunidades de fundo de pasto, “também conhecidas como criação à larga”, se caracterizam pelo uso comum de áreas de criação de animais (especialmente, alimentação e fontes de água). Esse tipo de apropriação comunitária dos recursos naturais é comum em diversos municípios do sertão baiano; especialmente, no centro-oeste do estado.

Segundo Luiz Antonio Ferraro Junior e Marcel Burstzyn (2008) – pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB) –, a formação das comunidades de fundo de pasto remonta ao final do século XIX, e teria como origem imediata a decadência da economia açucareira nordestina e o consequente declínio do poderio político e social das duas grandes famílias que outrora controlavam aquelas terras: os Garcia d’Ávila (Casa da Torre) e os Guedes de Brito (Casa da Ponte).

As terras dos antigos currais foram sendo dispersadas por meio da venda ou do simples abandono pelos antigos sesmeiros, com muitas pequenas propriedades rurais controladas por posseiros, grandes e pequenos proprietários, que passaram a garantir o domínio sobre as terras por meio de marcos informais e do direito baseado no costume e nas tradições locais.

Poucas terras foram efetivamente registradas e legalizadas. Contribuiu para essa situação o vazio constitucional provocado pela suspensão do regime de sesmarias em 1822, seguido do longo período de gestação da lei de terras de 1850. De acordo com Ferraro Junior e Burstzyn, nesses 28 anos de ausência de uma regulamentação a respeito da propriedade rural, muitos foram os que aproveitaram para expandir seus territórios originais e aumentar a concentração de terras. Contudo, camponeses e pequenos criadores também encontraram nesse período as condições necessárias para a afirmação de suas posses e a constituição de formas coletivas de exploração das áreas adjacentes às propriedades.

A maioria das terras comunais de fundo de pasto está localizada em regiões de clima quente e seco, e é pouco propícia para a exploração agrícola ou para a criação de gado de corte. Entretanto, é usada para a criação de caprinos e outros animais adaptados ao regime de chuvas do semiárido.

Esses fatores ambientais são apresentados pelos pesquisadores como apenas um dos pontos a contribuir para a permanência do tipo de organização camponesa, razão pela qual se manteve a propriedade comunal, sem adesão à tendência geral de privatização das terras públicas. Outros fatores que também explicariam esse fenômeno seriam a própria formação social das comunidades – em geral, constituídas por famílias de um mesmo clã, o que facilitaria a resolução de conflitos –, fatores econômicos propriamente ditos e a estrutura fundiária brasileira. Esses elementos tenderiam a desestimular a divisão e a legalização das terras devido às dificuldades dos camponeses em comprovar a compra ou a posse delas.

Ainda conforme Ferraro Junior e Burstzyn, esse sistema funcionou relativamente bem até meados da década de 1980, quando dois processos iniciados nas décadas anteriores atingiram seu auge: o avanço da apropriação capitalista e da especulação fundiária sobre territórios do sertão baiano, anteriormente desprezados, “motivados, principalmente, pela modernização das técnicas de produção agrícolas potencializadas pela chamada revolução verde”, e a organização das comunidades pastoris e do sindicalismo rural.

Esses fatores antagônicos levaram ao recrudescimento de conflitos agrários e à necessidade de enfrentamento de grupos econômicos pelas comunidades de fundo de pasto. Em um contexto político em que – apesar de tímidos acenos em direção à reabertura política e sinais de distensão – ainda vigorava o regime autoritário instituído após o golpe militar de 1964, ocorreram perdas e derrotas.

Em 1977, o advogado Eugênio Alberto Lyra Silva (Eugênio Lyra), da AATR, foi assassinado um dia antes de viajar para Salvador para depor na CPI da grilagem, no centro de Santa Maria da Vitória (BA). Lyra dedicava sua vida a defender trabalhadores/as rurais e comunidades camponesas e já havia sofrido várias ameaças de morte. Tinha 30 anos e sua mulher, Lúcia, estava grávida.

O traumático assassinato de Eugenio Lyra ainda assombrava as lideranças de Santa Maria da Vitória quando teve início uma série de conflitos envolvendo uma área de aproximadamente 30 mil hectares no município.

Segundo representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria da Vitória, das Associações Comunitárias de Fechos de Pasto de Santa Maria da Vitória e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foi nessa época que o casal de advogados Maria do Socorro Sobral Santos e Paulo de Oliveira Santos começou a atuar na região. Inicialmente adquirindo pequenas propriedades por vias legais (aquelas poucas que possuíam títulos de propriedade), essa família teria posteriormente se apossado também de terras de uso comum. Além disso, o casal teria se utilizado de diversos meios para impedir o acesso das comunidades rurais a áreas antes usadas por todos para a criação de animais e extrativismo de produtos do sertão.

Segundo alegavam os Santos na época, eles seriam os legítimos proprietários de uma área de cerca de 30 mil hectares, e por isso seria legítimo impedir o acesso de comunidades de fundo de pasto aos recursos naturais ali existentes. Poços e aguadas foram cercados, negando aos posseiros a possibilidade de continuar criando seu gado à solta, como faziam há, pelo menos, 200 anos, de acordo com as organizações que os apoiavam. Pouco a pouco esses trabalhadores rurais viram até sua última fonte de água ser cercada, momento em que o conflito se acirrou.

A indisponibilidade de água para o gado levou os trabalhadores rurais a se organizarem e se mobilizarem, a fim de garantir seu acesso aos recursos naturais, outrora comuns e agora privatizados. Entre as comunidades atingidas estavam: Brejinho das Gerais, Curral Velho, Jacurutú, Jatobá, Macacos dos Gerais, Mutum, Olho D’água do Barro, Olho D´Água dos Neru, Pajeú, Pedra Preta, Porco Branco, Quatis, Salobro e Vieira.

Mirna Oliveira (2014) investigou a luta das comunidades de fecho e fundo de pasto de Jacurutu e Salobro pela defesa de seus modos de vida frente à grilagem de terras devolutas no oeste da Bahia. Segundo a pesquisadora:

A primeira área apropriada por Paulo Santos e Socorro Sobral foi na localidade de Brejinho dos Gerais, em 1980. Segundo relato dos moradores, colhido pela CDA (2010), os herdeiros de Inocêncio Moreira de Souza passaram uma procuração para o advogado, na perspectiva de ajuizarem uma ação judicial de inventário dos bens deixados pelo falecido e, de posse da procuração, Paulo Santos se apropriou indebitamente das terras objeto da herança (de tamanho indefinido). Em seguida (ainda em 1980), o fazendeiro comprou uma área de 25 ha em Mutum e, ao longo das décadas de 1980, 1990 e anos 2000, comprou outras posses em Salobro (60 ha entre 1985/1986 e 907 ha em data não definida), Mutum (uma de 8 ha e outra de tamanho indefinido, em 1990, e outras duas de 15 ha e 3 ha, em data não definida) e em Jacurutu (8 ha e 2 ha em 2005).” (CDA, 2010)

Mirna Oliveira acrescentou que o casal passou a se apropriar, paulatinamente, das terras ocupadas por dezenas de comunidades camponesas e, por meio da grilagem e da imposição de restrições de acesso e uso a várias áreas, foram formando o que passaram a denominar Fazenda Quatis e Fazenda Cabeceira dos Bois do Mutum (Oliveira, 2017). De acordo com Oliveira:

“O processo começou com uma apropriação indébita e com algumas compras de pequenas posses de terra em diferentes localidades da região, passou pela falsificação de documentos no cartório de Santa Maria da Vitória, e se estendeu conjugando estratégias de aproximação com algumas famílias e de violência contra as demais.” (Oliveira, 2017)

Esse conflito se arrasta há vários anos e, paulatinamente, as comunidades conseguiram sensibilizar entidades ligadas ao governo do estado da Bahia para as consequências nefastas às suas condições de sobrevivência.

Esse processo de organização política das comunidades contra as ações de Paulo de Oliveira Santos e Maria do Socorro Sobral foi analisado por Mirna Oliveira (2017), que identificou duas fases distintas: de 1980 a 2006, e de 2006 até 2015. Na primeira fase, a situação foi enquadrada como um conflito possessório entre determinadas famílias de lavradores e posseiros, e o fazendeiro, que vinha tentando se apropriar de áreas ocupadas por aqueles por meio de atos de intimidação e grilagem.

“Na primeira fase, a luta era travada nas relações cotidianas de conflito, variava em função da maior ou menor resistência de cada família e da relação que cada uma estabelecia com os fazendeiros e seus funcionários, e tinha como marca o caráter predominantemente local. Fora dos locais do conflito, este também chegou a promover repercussões (na imprensa local e junto ao poder executivo estadual desde 1980, e na esfera judicial, na década de 1990). Para tanto, os trabalhadores contaram com o apoio do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Santa Maria da Vitória, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Jornal O Posseiro. No entanto, embora tais repercussões tivessem tido impacto na disputa por pedaços de terra entre determinadas famílias e os fazendeiros, não chegaram a produzir desdobramentos no processo de organização política dos grupos para enfrentamento conjunto do problema.” (Oliveira, 2017)

Mirna Oliveira também esclareceu que, nessa primeira fase, ainda não havia a dimensão do alcance do processo de grilagem e da quantidade de comunidades atingidas, além da invisibilidade social do modo de vida particular dessas comunidades, baseado na articulação entre áreas de uso familiar e áreas de uso comum. Mas, a partir de 2006, as famílias situadas nos dois eixos de resistência (Jacurutu de um lado, e Mutum, Quati, Salobro etc., de outro) passaram a se articular na luta de enfrentamento à grilagem, construindo e se inserindo em sucessivos e novos espaços, tanto voltados à articulação e organização política dos grupos, quanto para a publicização, denúncia, negociação e encaminhamento de reivindicações.

A partir de 2006, esse processo de organização política das comunidades atingidas pela grilagem em questão foi apoiado pelo STR de Santa Maria da Vitória, pela CPT e por advogadas/os da AATR, que passam a prestar assistência e assessoria jurídica ao caso. Por meio dessas mediações, as comunidades também começaram a se articular e trocar experiências com outras comunidades de fundo e fecho de pasto e movimentos sociais, bem como se engajaram no Movimento das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da Bahia.

Em outubro de 2008, a Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário do Estado da Bahia (CDA/BA) iniciou um levantamento para verificar a cadeia dominial das terras em questão e identificar quais delas eram legitimamente propriedades particulares, além de quais poderiam ser classificadas como apropriação ilegítima de terras públicas. Essas últimas seriam objeto de regularização fundiária, a fim de beneficiar as comunidades em questão.

Dizendo-se vítimas de ações arbitrárias e não reconhecendo a autoridade do CDA/BA, os Santos resistiram às intenções dos técnicos do órgão em realizar estudos no local, a fim de gerar subsídios para a ação discriminatória iniciada pelo órgão fundiário. Impedidos por homens armados de entrar nas terras em disputa, os técnicos do CDA/BA acionaram a Procuradoria Geral do Estado (PGE/BA), a qual entrou com uma ação judicial objetivando a concessão de alvará obrigando os pretensos proprietários a permitirem a ação da Coordenadoria. Essa ação se desenrolaria até março de 2010, quando o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA) concederia o alvará que permitiu a continuidade dos trabalhos.

A ação da PGE/BA não seria a única ação judicial no período. Os proprietários das terras em questão também acionaram, em abril de 2009, o Juizado Especial Cível da Comarca (JCE) da Santa Maria da Vitória, a fim de garantir que os membros das comunidades de fundo de pasto do município se abstivessem de usar a área. No dia 23/10/2008, a Ouvidoria Agrária Nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário (OAN/MDA) realizou uma audiência pública para debater os rumos do conflito e mediar uma saída negociada para impedir que ele se acirrasse e tivesse consequências danosas para qualquer um dos lados.

Sem acordos possíveis na ocasião, restou à ouvidoria o encaminhamento de ofícios a outros órgãos públicos pedindo a intervenção no conflito. Solicitou-se que a polícia da Bahia reforçasse o policiamento nas comunidades envolvidas para evitar que a ação de agentes de segurança contratados pelos fazendeiros viesse a fazer vítimas.

A ação de interdito proibitório movida pelo casal teve resultado muito mais rápido do que a do PGE/BA. Segundo os estudos de Mirna Oliveira (2014), em menos de seis meses – mais precisamente em setembro de 2008 –, o juiz Eduardo Pedro Nostrani Simão – titular do juizado na comarca –, concedeu ao casal liminar determinando que posseiros se abstivessem de “ameaçar, turbar ou esbulhar a posse dos autores”, sob pena de multa fixa de R$ 50 mil. O fato de a causa envolver valores acima do limite admitido para tramitação nesse tipo de juizado não foi impedimento para que o casal de advogados obtivesse decisão favorável a seu pleito.

Derrotados momentaneamente na esfera judicial local, os posseiros concentraram seus esforços na articulação política, no intuito de angariar o apoio de outras comunidades e pressionar o estado a regularizar o que consideravam seus direitos fundiários. Uma das estratégias mobilizadas com esse objetivo foi a participação no III Encontro Pelas águas de 2009, promovido pelo Instituto de Gestão das Águas e do Clima do Estado da Bahia (Inga).

Esse encontro foi realizado em Santa Maria da Vitória e contou com geraizeiros e representantes de comunidades de fundo de pasto de 14 municípios baianos – dentre eles, Ananás, Barreiras, Canápolis, Cocos, Coribe, Correntina, Formosa do Rio Preto, Luiz Eduardo Magalhães, Santa Maria da Vitória, Santana, São Félix do Coribe, Serra Dourada e Tabocas. Foram dois dias de discussões sobre os problemas que afetam cursos e fontes de água em suas regiões, trocando experiências e construindo alianças estratégicas. Os efeitos do avanço da agroindústria sobre as comunidades do sertão e as mudanças climáticas também fizeram parte da pauta do encontro.

O fortalecimento político das comunidades e sua recusa em abandonar seu modo tradicional de uso e exploração do território deram origem a dois fatos que vieram a contribuir ainda mais para o acirramento do conflito. Em 28 de fevereiro de 2010, um encontro entre posseiros e agentes de segurança dos fazendeiros resultou em ameaças de morte contra os membros da comunidade e seus animais. Segundo os posseiros, eram pelo menos cinco homens armados; entre eles, Patrício Sobral, filho dos fazendeiros (Oliveira, 2014, p. 92).

Em 03 de março daquele ano, foi encaminhada uma denúncia à delegacia da polícia civil no município e, dois dias depois, ao Ministério Público Estadual. Ao tomar conhecimento do ocorrido, o juiz Eduardo Simão entendeu que os posseiros haviam descumprido o que fora determinado na liminar de setembro do ano anterior. Ele determinou que fosse oficiada a Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) para que procedesse ao bloqueio do cadastro dos lavradores, e que fosse realizada a penhora de 100 reses de cada réu arrolado no processo. Além disso, a força policial no município foi autorizada a realizar busca e apreensão de bens que supostamente teriam sido roubados dos autores da ação pelos réus.

Essa denúncia e as ameaças sofridas em 28 de fevereiro de 2010 foram tema de um ofício assinado por representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Santa Maria da Vitória e da Comissão Pastoral da Terra, o qual foi encaminhado para diversas autoridades do estado, inclusive para a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Em resposta a esse ofício, a Corregedoria exigiu do juiz Eduardo Simões esclarecimentos em relação às denúncias oferecidas pelo STR e CPT, o que levou o magistrado a determinar as prisões de José Cerrano Sodré – presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe – e Marilene Matos – agente da Comissão Pastoral da Terra. Segundo o magistrado, ambos estariam realizando tentativas de coagi-lo e praticando crime contra a honra. Realizada no dia 25 de março, a prisão durou apenas 24 horas, pois a Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR/BA) entrou com pedido de habeas corpus no dia seguinte, conseguindo a ordem de soltura na mesma data.

Todavia, 24 horas foram o suficiente para desencadear uma série de protestos por parte dos posseiros, grupos de apoio e entidades de defesa dos direitos humanos, que classificaram as decisões do juiz como “injustas e arbitrárias”, oferecendo apoio e solidariedade aos militantes criminalizados (Oliveira, 2014, p. 128).

Essa mobilização se concretizou em um ato de desagravo e solidariedade, realizado no município no dia 15 de abril de 2010, do qual participaram, pelo menos, 27 entidades e quase dois mil pequenos agricultores, quilombolas, membros das comunidades locais, além de militantes da sociedade civil e movimentos sociais. Na ocasião, autoridades eclesiásticas discursaram contra as arbitrariedades e a violência das ações do juiz titular do Juizado Especial Civil daquela comarca e dos fazendeiros envolvidos. O advogado Eugenio Lyra, apresentado como mártir da luta pela terra, também foi homenageado (Oliveira, 2014, p. 129).

Esse tipo de manifestação não se restringiu às ruas de Santa Maria da Vitória. Em 05 de maio de 2010, representantes do Movimento de Trabalhadores (as) Assentados (as) e Acampados (as) (Ceta), além de lideranças quilombolas e de comunidades de fundo de pasto, compareceram em reunião no TJBA para denunciar atos arbitrários do Judiciário em diversos casos de conflitos socioambientais baianos; entre eles, o conflito aqui relatado.

Na época, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR/BA) divulgou uma nota em que classificava a atuação dos juízes locais no caso como abusos. Segundo a AATR/BA, as prisões foram “provas concretas” de que o Poder Judiciário  “[não servia] aos interesses dos trabalhadores e da sociedade democrática, mas sim àqueles que oprimem os trabalhadores e sabotam a construção da democracia. Antes de ser um instrumento para garantir a efetividade de direitos conquistados pela população, serve como obstáculo para sua concretização e promotor da desigualdade e da injustiça. (…) Diante deste panorama, a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR/BA, reunida em Assembleia em 25 de abril de 2010, decide por manifestar seu REPÚDIO às frequentes violações de direitos promovidas pelo Judiciário contra comunidades rurais, movimentos sociais e advogados populares. Diante do afastamento dos juízes e tribunais dos anseios populares, faz-se urgente repensar os pressupostos de sua atuação, e construção de formas e iniciativas de fiscalizar e exercer o controle social sobre esse Poder”.

Cerca de um ano depois, em outubro de 2011, o juiz de Direito José Luiz Pessoa Cardoso, titular da Terceira Vara Cível da Comarca de Barreira e substituto da Comarca de Santa Maria da Vitória, concedeu liminar a mandado de desobstrução solicitado pelo Ministério Público Estadual da Bahia (MPE/BA), em Ação Civil Pública (ACP), contra a família Santos, determinando a reabertura do acesso das comunidades e de seus animais a uma fonte de água que fora cercada por eles, e proibindo os réus de voltarem a cercar o chamado Poço de Dentro, sob pena de multa de R$ 1 mil reais diários.

De acordo com matéria de Tania Pacheco para o blog Combate Racismo Ambiental (06/10/2011), na Ação Civil Pública, o MPE/BA esclarece que os moradores e lavradores da região do entorno da nascente são pequenos proprietários e posseiros, e têm posse coletiva na área de fecho e fundo de pastos e solta dos gerais, onde colocam seus animais para comer e beber todo ano, de março a maio, e de outubro a janeiro.

Utilizam essa área, também, colhendo frutas nativas, como buriti, cajuí, cascudo, coco e pequi, que servem para sua alimentação. Usam, ainda, ervas e plantas medicinais do Cerrado, e pegam pequenas quantidades de madeira seca para seus fogões à lenha. Exatamente por isso, são caracterizados como comunidades tradicionais.

Em 2013, a pesquisadora Mirna Oliveira realizou diversas entrevistas com integrantes das comunidades de fundo e fecho de pasto de Santa Maria da Vitória. Os relatos a seguir expressam a indignação desses moradores diante do desrespeito cometido pelo casal Santos às normas costumeiras que regulavam as formas de acesso e uso dos recursos naturais no local:

“Eu acho que ele deveria considerar e fazer igual nós. ‘Eu comprei esse pedacinho, eu vou fazer igual os moradores daqui. Às vezes, quando soltar o gado aí, eu também solto’. Não é assim? Fazer desse mesmo jeitinho. No dia que ele soltasse, nós soltava. Não tinha confusão, não. Mas ele comprou um pedacinho lá, comprou um outro aqui, comprou um outro, e quer barrar todo mundo, quer dizer que nós não tem direito de nada? Tem que ficar embaixo do pé?” (Informante 27 – liderança de Quati – 31/08/2013)

“Nós vivia aqui a vida tranquila. Tínhamos aquela liberdade de ir aonde nós quisesse. Para nós estava bom. Hoje em dia pra nós só virou um aperto, porque a gente não tem aquela liberdade que tinha. Como era antes… De sair para colocar uma roça aonde a gente quisesse. Hoje em dia, o direito que a gente tinha a gente não tem mais… Essas pessoas que chegam, que compram uma gleba pequenininha, e às vezes querem ser dono do mundo todo. Querem ser dono até do direito da gente, porque hoje em dia, no caso, nós não podemos mais quase sair para o lado de fora aí.” (Informante 5- liderança de Quati – 31/08/2013)

Os estudos de Mirna Oliveira indicaram que, se de um lado a atuação do casal Maria do Socorro Sobral Santos e Paulo de Oliveira Santos representou para os posseiros um “desaforo”, e que ele “já chegou botando ordem” e “mexendo com todo mundo”, de outro, impulsionou a rápida mobilização das comunidades, fortalecida pelas relações de parentesco, contribuindo para a existência de relativa coesão no grupo.

Nos dias 26 e 27 de agosto de 2016, ocorreu o Encontro Regional das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da Região de Correntina, no município de Correntina – BA, que contou com algumas comunidades de Santa Maria da Vitória, como Fecho do Poço de Dentro, Jacurutu e Mutum. Segundo a CPT-BA (27/08/2016), no final do encontro, as entidades participantes produziram uma carta exigindo a demarcação e regularização dos seus territórios; a alteração na lei do autorreconhecimento como comunidade tradicional de Fundo e Fecho de Pasto; subsídios à produção, beneficiamento e comercialização de frutos e ervas do Cerrado; e fomento para preservação das nascentes, de forma a conciliar com a utilização tradicional do território.

Em 2017, a AATR-BA lançou a publicação “No rastro da grilagem”, na qual dedicou um capítulo para o conflito em Santa Maria da Vitória. O documento “A prática de ‘saber fazer documento’ em Santa Maria da Vitória” explicou como a prática de grilagem foi realizada pelo casal de advogados. Além disso, informou sobre a Ação Discriminatória Administrativa Rural instaurada pelo CDA/BA:

A partir de então, as comunidades atingidas pela grilagem, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra, do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santa Maria da Vitória e, posteriormente, da Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais, passaram a fazer reuniões conjuntas, a ocupar espaços públicos para realização de denúncias e reivindicação de seus direitos territoriais e a defendê-los também judicialmente. Nesse processo, conseguiram que a Coordenação de Desenvolvimento Agrário instaurasse uma Ação Discriminatória Administrativa Rural, a qual dissecou o procedimento de grilagem e comprovou que a área em litígio se tratava de terras públicas devolutas. As conclusões de tal procedimento desencadearam a abertura de uma ação discriminatória judicial, onde o Estado da Bahia requereu o reconhecimento das terras devolutas e anulação dos registros efetuados irregularmente em cartório.” (AATR, 2017)

Entre os dias 10 e 12 de julho de 2024, ocorreu o 7° Seminário Estadual das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, que reuniu em Salvador (BA) diversos representantes dessas comunidades da Bahia. Segundo Gabriela Amorim (16/07/2024), em reportagem no Brasil de Fato, o tema do encontro foi “Por uma educação contextualizada em defesa e garantia dos territórios”. Outro tema debatido foi a realidade de conflitos e direitos negados à maioria das comunidades de fundo e fecho de pasto. Segundo Amorim (16/07/2024):

A maior parte delas (representantes das comunidades de Fundo e Fecho de Pasto) levou relatos de pressões e violências sofridas pelo avanço de grandes empreendimentos sobre os territórios comunitários. Os agentes desses conflitos englobam empreendimentos de energia eólica, mineração e agronegócio, dentre outros, além do próprio Estado, por não prover a regularização e titularização dos territórios comunitários”.

Nesse evento também foi debatida a demora do processo para se concretizar a Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) às comunidades tradicionais. Segundo Tytta Ferreira, da Secretaria de Desenvolvimento Rural do estado da Bahia (SDR/BA), as comunidades de Fundo e Fecho de Pasto não recebem titulação, mas sim a CCDRU, e uma das etapas desse processo é a certificação da comunidade pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi), e, em seguida, a solicitação à Superintendência de Desenvolvimento Agrário (SDA), vinculada à SDR/BA.

Em 28 de agosto de 2024, os integrantes da 4ª Missão da Comissão Nacional de Enfrentamento da Violência no Campo (CNEVC) foram até a cidade de Santa Maria da Vitória, onde ocorreu a oitiva de comunidades da região. Essa Comissão foi instituída pelo Decreto nº 11.638, de 16/08/2023, com o objetivo de acolher relatos e buscar encaminhamentos e soluções em casos de conflitos socioambientais no campo, bem como encaminhamentos para garantir os direitos humanos básicos das comunidades envolvidas.

Essa Missão, no oeste da Bahia, fez parte dos esforços da Articulação Quilombo Liberdade (AQL), da CPT-Cento Oeste, da AATR-BA e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Compuseram a mesa dessa audiência: Claudia Maria Dadico, coordenadora da CNEVC e Diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Gabinete do Ministro do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA; Tytta Ferreira, superintendente federal do desenvolvimento agrário do MDA na Bahia (SDA/MDA); desembargador Cláudio Césare Braga Pereira (TJBA); Welton Luiz Costa Rocha, do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema); promotor Victor Matias, do Ministério Público do estado da Bahia (MPBA); Daniela Reis, coordenadora-geral de prevenção de conflitos no campo e na cidade da Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP); Fábio Tomaz, da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da Secretaria Geral da Presidência (SGPR); Adinael Martins (Sepromi); Débora Nicolosi Bomventi, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do estado da Bahia (SJDH); Regina Marcia Ferreira Bomfim (SJDH); Andréia Macedo (SDR/SDA); escrivão Valdirenio Rocha (Polícia Federal – PF); major Éder Rosário, 30ª Companhia Independente de Polícia Militar do Estado da Bahia (30ª CIPM); delegada Giovanna Bomfim, do Grupo Especial de Mediação e Acompanhamento de Conflitos Agrários e Urbanos (Gemacau); capitão Gilney de Andrade Santos, Polícia Militar do Estado da Bahia, Companhia Independente de Mediação de Conflitos Agrários e Urbanos da Polícia Militar (PMBA/Cimcau); Erinaldo Carvalho, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); e dr.ª Iara Maria Leão Toledo (DPE/BA).

As comunidades denunciaram as violências ocorridas em Santa Maria da Vitória, especialmente nas comunidades de Jacurutu, Mutum, Poço de Dentro e Salobro. Em relação ao fundo e fecho de pasto da Comunidade do Poço de Dentro, destacou-se o recrudescimento das ameaças:

Um dos membros da comunidade relatou ter sido ameaçado pela família Sobral Santos, na porta de sua própria casa. Enquanto estava em sua residência, um membro da família Sobral cortou a cerca e, de forma ameaçadora, ordenou que saísse do local. A comunidade não tem acesso à energia elétrica nem a estradas. Além disso, parte da madeira da propriedade foi roubada, enquanto o restante foi queimado pelo invasor. Os moradores tentaram buscar ajuda das autoridades, mas por dois meses foram informados que não havia veículo disponível para a polícia realizar a perícia no local. Além das invasões, há desmatamento, extração ilegal de madeira e roubo de gado, onde, de cada 20 vacas, 15 são furtadas. (…) Foram relatados casos de disparos de armas perto das moradias da comunidade e a presença de viaturas da polícia, que, embora não estejam disponíveis quando é necessária a realização de perícias, estão frequentemente no território intimidando os moradores. A comunidade depende do cultivo de farinha e feijão para sobreviver, mas, devido às constantes ameaças e intimidações, estão impossibilitados de trabalhar. Solicitam que o INCRA visite o local para realizar a medição das terras, e enfatizam a importância de manter o território para que seus filhos tenham um modo de vida e de sustento longe de organizações criminosas. Um dos membros relatou que sua avó era indígena da região, e que a comunidade sempre produziu e criou seus animais nesse território, mas agora enfrentam ameaças de morte em suas próprias casas. As ameaças começaram há cerca de quatro meses. Embora tenham registrado um boletim de ocorrência, nenhuma ação foi tomada até o momento. A comunidade comprometeu-se a enviar o BO e fotos das queimadas como provas do ocorrido.” (Relatório da 4ª Missão da CNEVC, 2024, p. 32-33)

Em relação à situação discriminatória, André Sacramento e Maurício Correia Silva, da AATR/BA, esclareceram à Comissão que:

“Essa ação, iniciada em 2012, está paralisada desde 2021. A PGE entrou com a ação, e houve contestações, sendo que boa parte da área em disputa é reivindicada pela família Sobral. Houve uma tentativa de conciliação, mas a comunidade não aceitou o termo proposto. Durante a fase de perícia, o Estado solicitou a nomeação de um perito do INCRA, que foi confirmado pelo órgão, porém o juiz não tomou uma decisão sobre essa nomeação. A última movimentação no processo foi realizada pela PGE em 2021, sinalizando interesse na continuidade da ação, mas resta pendente a designação do perito”.

Naquela ocasião, Iara Maria Leão Toledo (DPE/BA) informou que a DPE/BA decidiu atuar em conjunto com a AATR/BA no caso. Ressaltou que o Ministério Público Estadual não está envolvido diretamente na ação discriminatória, e a DPE pretende solicitar a inclusão do MPE/BA para que o caso possa ser acompanhado mais de perto.

A regularização das comunidades não avançou significativamente nos últimos anos. Um exemplo disso é o caso da ação discriminatória aberta pelo estado da Bahia para arrecadação do território da comunidade para titulação via CCDRU. As comunidades, apesar disso, passaram por um período relativamente estável, até que, em 2024, as ameaças e a destruição de cercas comunitárias por grileiros voltaram a acontecer, como demonstrou a oitiva da CNEVC (Comunicação direta com um integrante da AATR de Santa Maria da Vitória, 12/05/2025).

 

Última atualização em: Junho de 2025

Cronologia

1980: Início do processo de grilagem de terras comunitárias por Maria do Socorro Sobral Santos e Paulo de Oliveira Santos, um casal de advogados de Santa Maria da Vitória.

23 de outubro de 2008: Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário do Estado da Bahia (CDA/BA) inicia levantamento para investigar grilagem de terras na região e para regularizar situação fundiária de posseiros e pequenos proprietários de fundo de pasto. Segundo o órgão, a ação não pôde ser concluída devido à oposição de homens armados.

Abril de 2009: Maria do Socorro Sobral Santos e Paulo de Oliveira Santos movem Ação de Interdito Proibitório contra produtores das comunidades de fundo de pasto de Santa Maria da Vitória. Casal afirma ser proprietário da área em litígio enquanto é acusado pelas comunidades de praticar grilagem de terras.

23 de abril de 2009: Ouvidoria Agrária Nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário (OAN/MDA) realiza audiência pública para discutir conflitos fundiários no município. Na ocasião, o órgão expede ofício a diversos outros órgãos públicos a fim de solicitar a execução de medidas para pôr fim aos conflitos. É solicitada proteção policial para membros das comunidades ameaçados de morte por milicianos ligados a fazendeiros da região.

Setembro de 2009: Juizado Especial Cível (JEC) da Comarca da Santa Maria da Vitória concede liminar a casal de advogados determinando que posseiros “se abstenham de ameaçar, turbar ou esbulhar a posse dos autores, sob pena de multa fixa de R$ 50 mil”.

23 e 24 de setembro de 2009: Geraizeiros de toda a Bahia se encontram em Santa Maria da Vitória para debater problemas que envolvem rios e bacias do local onde vivem. O evento é organizado pelo Instituto de Gestão das Águas e do Clima do estado da Bahia (Inga).

28 de fevereiro de 2010: Fazendeiros da região ameaçam de morte membros das comunidades de fundo de pasto do município. Ameaças teriam ocorrido em estradas e, segundo os denunciantes, os milicianos teriam dito que animais e pessoas encontradas nas terras em disputa seriam mortos.

03 e 05 de março de 2010: Agricultores fazem denúncia à Polícia Civil do Estado da Bahia (PCBA) e ao Ministério Público Estadual (MPBA), informando as ameaças sofridas.

Março de 2010: Juizado Especial Cível (JEC) da Comarca da Santa Maria da Vitória determina execução de liminar que determina direito à indenização de, pelo menos, dois fazendeiros devido a supostas ameaças ou esbulho de suas posses por membros das comunidades envolvidas no conflito. Nessa decisão, a Justiça determina que seja realizada a penhora de 100 reses de cada um dos agricultores arrolados como réus na ação de interdito proibitório 211/08. O Tribunal Especial Cível da Comarca da Santa Maria da Vitória é notificado a fim de bloquear o cadastro dos agricultores condenados na ação. Além disso, é autorizada a realização de operação policial de busca e apreensão de bens que teriam sido roubados dos autores pelos réus da ação. Tal decisão aumenta a tensão na região.

09 de março de 2010: Representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Santa Maria da Vitória e da Comissão Pastoral da Terra da Bahia (CPT/BA) encaminham ofício a autoridades baianas denunciando irregularidades contidas na decisão judicial do JEC da Comarca da Santa Maria da Vitória. Além disso, solicitam medidas para evitar o acirramento do conflito na região e para que as comunidades em questão não sejam vítimas de decisões arbitrárias e de violência.

25 de março de 2010: José Cerrano Sodré, presidente do STR de Santa Maria da Vitória e São Félix do Coribe; e Marilene Matos, agente da Comissão Pastoral da Terra, são presos por atuação em defesa das comunidades ameaçadas no município. Mandado de prisão é expedido pelo juiz Eduardo Pedro Nostrani Simão, JEC da Comarca da Santa Maria da Vitória.

26 de março de 2010: Associação dos Advogados dos Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR/BA) entra com pedido de habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), em Salvador, pedindo a soltura dos dois militantes. O alvará de soltura é expedido às 22 horas do mesmo dia pelo juiz substituto da Comarca de Santa Maria da Vitória

30 de março de 2010: Após concessão de alvará pelo TJBA, a Coordenadoria de Desenvolvimento Agrário do Estado da Bahia (CDA/BA) reinicia trabalho de vistoria nas terras em questão para dar continuidade à ação discriminatória iniciada em 2008.

15 de abril de 2010: Entidades da sociedade civil e famílias de comunidades tradicionais de fundo de pasto realizam mobilização para lutar contra a grilagem de terras em Santa Maria da Vitória. Pelo menos 27 entidades locais estariam apoiando a causa. Na ocasião, é realizado um ato de solidariedade e desagravo em prol dos militantes criminalizados, com mais de duas mil pessoas presentes.

05 de maio de 2010: Representantes do Movimento de Trabalhadores (as) Assentados (as) e Acampados (as) (Ceta), e lideranças quilombolas e de comunidades de fundo de pasto, acompanhados do deputado federal Luiz Alberto (PT/BA), denunciam, no TJBA, as arbitrariedades cometidas por juízes envolvidos em três casos recentes; entre os casos denunciados, estava a prisão de militantes e a condenação dos posseiros em Santa Maria da Vitória.

Outubro de 2011: O juiz de Direito José Luiz Pessoa Cardoso, titular da Terceira Vara Cível da Comarca de Barreira e substituto da Comarca de Santa Maria da Vitória, concede liminar a mandado de desobstrução solicitado pelo Ministério Público Estadual da Bahia (MPE/BA), em Ação Civil Pública (ACP), contra a família Santos, determinando a reabertura do acesso das comunidades e de seus animais a uma fonte de água cercada pelo casal.

26 e 27 de agosto de 2016: Realização do Encontro Regional das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto da Região de Correntina, no município de Correntina – BA, com a participação das comunidades de Santa Maria da Vitória, como Fecho do Poço de Dentro, Jacurutu e Mutum. As entidades participantes produzem uma carta exigindo a demarcação e regularização dos seus territórios; a alteração na lei do autorreconhecimento como comunidade tradicional de Fundo e Fecho de Pasto; subsídios à produção, beneficiamento e comercialização de frutos e ervas do Cerrado; e fomento para preservação das nascentes, de forma a conciliar com a utilização tradicional do território.

2017: A AATR-BA publica o documento “No rastro da grilagem”, com um capítulo dedicado ao caso em questão.

10 e 12 de julho de 2024: Realização do 7° Seminário Estadual das Comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, em Salvador (BA), com o tema “Por uma educação contextualizada em defesa e garantia dos territórios”. A demora do processo para se concretizar a Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU) é uma das principais reclamações dessas comunidades tradicionais.

28 de agosto de 2024: A 4ª Missão da Comissão Nacional de Enfrentamento da Violência no Campo (CNEVC) vai até a cidade de Santa Maria da Vitória para a oitiva de comunidades da região. Essa Missão é fruto dos esforços da Articulação Quilombo Liberdade (AQL), da CPT-Cento Oeste, da AATR-BA e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). As comunidades denunciam novos episódios de violência ocorridos em Santa Maria da Vitória, especialmente nas comunidades de Jacurutu, Mutum, Poço de Dentro e Salobro.

 

 

Fontes

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ASSOCIAÇÃO DE ADVOGADOS DE TRABALHADORES RURAIS – AATR (Org.). No rastro da grilagem: formas jurídicas da grilagem contemporânea. Casos típicos de falsificação na Bahia. Formas jurídicas da grilagem contemporânea. Vol. 1. Salvador: AATR, 2017. Disponível em: https://shre.ink/eKZk. Acesso em: 13 maio 2025.

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BAHIA (Estado). Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA. Ação Discriminatória Judicial nº 0002314.94-2012.805.0223, da Vara Cível da Comarca de Santa Maria da Vitória, Santa Maria da Vitória, BA, 2012.

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