AM – Gasodutos podem atrair destruição para região bem preservada do Amazonas
UF: AM
Município Atingido: Manaus (AM)
Outros Municípios: Anamã (AM), Anori (AM), Caapiranga (AM), Coari (AM), Codajás (AM), Iranduba (AM), Manacapuru (AM), Manaus (AM)
População: Povos indígenas, Ribeirinhos
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Indústria química e petroquímica, Minerodutos, oleodutos e gasodutos
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida
Síntese
A província petrolífera de Urucu, localizada em Coari, município da região Centro Amazonense, é responsável por cerca de 24% das reservas brasileiras de gás natural. Os gasodutos Coari-Porto Velho e Coari-Manaus foram projetados para levar gás natural e gás liquefeito de petróleo (GLP) da província petrolífera de Urucu para usinas termoelétricas e empresas dos pólos Industriais de Manaus (AM) e de Porto Velho (RO). A implantação dos gasodutos vem preocupando movimentos sociais, ambientalistas e as comunidades que vivem ao longo dos respectivos percursos. Os impactos sociais e ambientais estão na pauta de entidades e movimentos de base do Estado do Amazonas e de âmbitos regional e nacional, casos do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
As inconsistências e baixa transparência que marcaram os licenciamentos ambientais destes gasodutos são fundamentos das ações judiciais promovidas pelo Ministério Público Federal (MPF), que por mais de uma vez conseguiu suspender os licenciamentos e as obras.
Entretanto, as obras do trecho Coari-Manaus, iniciadas em junho de 2006, serão brevemente concluídas. O gasoduto já está em fase experimental desde o último dia 3 de outubro de 2009.
Apesar das propaladas medidas mitigadoras, as populações ribeirinhas e indígenas dos oito municípios alcançados pela área de influência do gasoduto Coari-Manaus mantêm sua incerteza sobre os reais custos sociais e ambientais do empreendimento.
Contexto Ampliado
Com 397 quilômetros de extensão e com custo total inicialmente estimado em R$ 2,4 bilhões, o gasoduto Coari-Manaus atravessa os territórios de oito municípios amazonenses: Coari, Caapiranga, Anori, Anamã, Codajás, Manacapuru, Iranduba e Manaus. A área territorial desses municípios é de 104 mil km², 6,6% do território do Amazonas. Juntos, eles somam 229 mil habitantes, 7,1% da população do Amazonas, à exceção de Manaus, com metade da população do Estado.
Administrado pela Petrobras, o gasoduto Coari-Manaus integra o Plano Plurianual 2004-2007 do governo federal. A execução das obras foi feita pelos consórcios OAS/Etesco e Camargo Correa/Skanska. Integrado aos gasodutos Urucu-Coari e Coari-Porto Velho, o Coari-Manaus foi projetado para levar Gás Natural Veicular (GNV) e Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) da província petrolífera de Urucu aos polos industriais de Manaus e Porto Velho. Este gasoduto foi considerado pelo governo federal como a melhor alternativa ao atual transporte do gás, por barcaças entre Coari e a Refinaria de Manaus (Reman). Isto baratearia os custos de produção, tornando mais competitivas as empresas do Estado. Além de reduzir os custos (especialmente das empresas situadas na Zona Franca de Manaus), o gasoduto transformará a matriz energética regional. Ele levará gás natural para as usinas termoelétricas de Manaus e foi projetado para levar gás de uso doméstico para as sedes dos municípios em seu trajeto.
Contudo, os custos sociais e ambientais do projeto motivam a oposição de parte das populações atingidas, dos movimentos sociais, entidades ambientalistas e organizações ligadas à igreja católica, além do Ministério Público Federal (MPF). Afinal, o gasoduto atravessará uma das regiões mais preservadas do Amazonas (a bacia do rio Solimões) – lar de diversas etnias indígenas e de comunidades ribeirinhas. Os próprios Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do projeto apontaram o risco de doenças endêmicas (como a malária e a leishmaniose) se tornarem epidêmicas, em vista das mudanças que o projeto poderá trazer ao contexto socioambiental regional.
Os impactos sociais e ambientais que a exploração de gás natural em Urucu trouxe para Coari ou que a abertura da Transamazônica trouxe nos anos 1960 para toda a Amazônia, são exemplos do que essas comunidades querem evitar que se repita. Coari é hoje um dos municípios brasileiros mais beneficiados pelo pagamento de royalties de petróleo, e mesmo assim padece de precária infraestrutura, péssimos serviços de saúde, educação e saneamento básico. Coari também testemunha o aumento da prostituição, dos casos de gravidez na adolescência, de ocorrência de doenças sexualmente transmissíveis, do desemprego, da violência, do desmatamento, do assoreamento de pequenos cursos dágua (igarapés, lagos e rios), além da fuga de animais selvagens e peixes.
A propaganda oficial informa que medidas estariam sendo tomadas para mitigar os impactos e evitar que o quadro se repita por toda a região. Haveria projetos para desestimular a migração para as áreas que receberão aporte temporário de trabalhadores. A afirmação é, porém, contestada por entidades, que argumentam que tais impactos ocorrerão independentemente das medidas preventivas, e que o gasoduto poderá se tornar apenas a primeira frente de expansão de empreendimentos capitalistas na região, o que multiplicaria os impactos do projeto. Este risco não poderia ser plenamente calculado e mitigado pelas medidas previstas no EIA/Rima do projeto.
Paralelamente à discussão sobre os riscos e os impactos do empreendimento, ocorreu um conturbado processo de licenciamento ambiental, marcado por acusações de falta de informação, de transparência e a ocorrência de irregularidades que motivaram a suspensão do projeto, com base em ações judiciais do MPF, acolhidas pela Justiça Federal.
Esse processo teve início com a realização de audiências públicas para o esclarecimento das populações dos municípios impactados. As primeiras audiências públicas relacionadas ao licenciamento desses gasodutos, por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no caso do gasoduto Coari-Porto Velho, e do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) em relação ao gasoduto Coari-Manaus, aconteceram em fevereiro de 2002 na cidade de Coari. Além de representantes do poder público municipal e dos diversos segmentos da sociedade coariense, as audiências contaram com a presença de técnicos e diretores do Ibama, do Ipaam, da Petrobras e da Cepemar Serviços de Consultoria e Meio Ambiente, empresa responsável pelo EIA/Rima. No mesmo molde foram realizadas audiências similares nos demais municípios atingidos e em Manaus. A ONG Amigos da Terra realizou no mesmo mês uma audiência pública paralela em Manaus, pois argumentava que a empresa e o governo federal estariam privilegiando as audiências no interior do estado como forma de não dar visibilidade ao processo e de evitar o debate. Também se contestava se as medidas previstas no EIA/Rima seriam suficientes para mitigar os impactos prognosticados e outros que não constariam no relatório.
Para o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) tal questão não estava plenamente resolvida. Por isso, em março de 2003 o MPF entrou com uma Ação Cautelar Preparatória, com pedido de liminar ao Juiz Federal da vara da seção judiciária no Amazonas com o objetivo de impedir que as licenças prévias dos órgãos ambientais viabilizem a construção dos gasodutos de Urucu/Porto Velho e Urucu/Coari, antes que fossem avaliadas e resolvidas as questões ambientais que a obra englobaria. Nessa ação o Ministério Público pedia:
A suspensão da Licença Prévia (LP) ao projeto de construção do gasoduto Urucu/Porto Velho, LP no 133, concedida em agosto de 2002 pelo Ibama, em favor da Petrobras;
Que a Justiça Federal evitasse a concessão da LP pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam) para o mesmo empreendimento, além do gasoduto Coari/Manaus, requerida pela Petrobras em março de 2003.
Que se proibisse que a própria Petrobras/Gaspetro atuasse na construção dos gasodutos nos trechos Urucu-Porto Velho e Coari-Manaus, até que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) destas obras fosse definitivamente corrigido de acordo com as 14 recomendações à empresa, feitas em agosto de 2002 pelo MPF, e da mesma forma as informações do Parecer Técnico dos órgãos ambientais que estudaram a possível construção do gasoduto.
Em abril do mesmo ano, o juiz federal Boaventura João Andrade deferiu a ação civil pública (ACP) do MPF, determinando a suspensão da licença prévia concedida pelo Ibama para a construção do Gasoduto Urucu-Porto Velho. Na mesma ACP, o juiz também considerou o Ipaam, órgão legítimo para tratar do licenciamento do projeto do gasoduto Coari-Manaus, e determinou que a Petrobras seguisse todas as recomendações propostas pelo Ministério Público em seu relatório.
Essa decisão fez com que a Petrobras priorizasse o projeto do gasoduto Coari-Manaus, e investisse menos no ramal Coari-Porto Velho. Apesar disso, foi somente em dezembro de 2003 que se realizou a primeira audiência pública oficial em Manaus para apresentar e debater o projeto com a população manauara. O que significa que tal audiência aconteceu quase dois anos depois da audiência de Coari, e da audiência “paralela” realizada pelos Amigos da Terra no município. Na audiência, com mais de 500 participantes, a empresa anunciou a construção de uma usina termoelétrica em Manaus abastecida pelo gás natural de Urucu. Da parte dos movimentos sociais, o representante do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) – rede que reúne mais de 500 entidades amazônicas – criticou a falta de sintonia entre o EIA/Rima e os planos de desenvolvimento regional que estão sendo elaborados pelo governo federal, como o Plano Amazônia Sustentável – PAS.
A crítica das entidades reunidas no GTA ao projeto contrasta com as expectativas que o gasoduto trouxe para o meio empresarial amazonense. Os empresários do Polo Industrial e Manaus (PIM) visualizam o empreendimento como uma alternativa para o crescimento das empresas do setor, e solução para a perspectiva de eventual colapso decorrente do aumento atual da demanda por energia. Já empresários e trabalhadores da construção civil do Amazonas pleiteavam uma maior participação na realização de partes não especializadas da obra, que poderiam ser cumpridas pelas empresas locais. A geração de empregos, mesmo que temporários, foi um argumento forte em favor do projeto durante todo o período de discussões de sua viabilidade e se tornou o carro-chefe da propaganda da Petrobras quando iniciadas as obras em 2006.
Em consonância com essas demandas e expectativas, o Ipaam aprovou a Licença de Instalação (LI) em maio de 2004 e também determinou que se priorizasse a contratação de mão-de-obra nos próprios municípios e comunidades influenciados pela obra. Na mesma época a Petrobras divulgou que dos 3,8 mil empregos diretos e aproximadamente 15,2 mil indiretos, pelo menos 60% seriam ocupados por trabalhadores da região.
No entanto, se empresários e trabalhadores da construção civil viviam expectativas de lucros e empregos, o mesmo não se pode dizer das populações ribeirinhas e indígenas da região. Em agosto de 2004, representantes de cerca de 50 das cerca de 200 comunidades dos municípios atingidos, reunidos durante o 6º Seminário sobre Gás Natural de Urucu, promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-AM), divulgaram Carta Aberta à Sociedade Civil na qual se diziam não totalmente esclarecidos quanto aos impactos socioeconômicos e ambientais do empreendimento e afirmavam que iriam encaminhar uma Ação Civil Pública ou uma Ação Popular à justiça para embargar a execução do projeto. A CPT afirmou na ocasião que “as audiências públicas, realizadas pela Petrobras e secretarias estaduais, não foram suficientemente democráticas para legitimar a construção do gasoduto”.
Em resposta às críticas e apreensões existentes ao projeto, a Petrobras divulgou, em outubro de 2004, o Programa Zona Franca Verde, no qual estava prevista uma série de ações e precauções para minimizar os impactos sociais e ambientais da implantação do gasoduto, entre elas:
Evitar a erosão e o entupimento de igarapés;
Recuperar as áreas degradadas;
Não permitir, ao longo do duto, a construção de estradas perenes que permitam a invasão de terras e o desmatamento;
Adotar medidas restritivas à prostituição, com programas educativos e punitivos para trabalhadores da obra;
Priorizar a contratação de mão-de-obra local; além de programas de geração de renda para famílias de baixa renda.
Além das medidas de prevenção de impactos ambientais, a Petrobras divulgou que havia estruturado um Programa de Desenvolvimento Sustentável para as comunidades na área de influência do gasoduto Coari-Manaus, que conta com a participação de mais de 50 instituições, entre órgãos dos governos municipais, estadual e federal e instituições de pesquisa e ensino de ONGs do Amazonas.
Paralelamente, o governo federal realizou, em dezembro de 2004, a I Oficina de Desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais para a região do Gasoduto Coari-Manaus. A oficina foi organizada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Amazônia Ocidental), em parceria com a Agência de Florestas e Negócios Sustentáveis do Amazonas (Afloram) e Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas (Idam). Nesse evento, foram discutidas as políticas públicas necessárias para promover o desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais (SAFs) na região, bem como, a participação das instituições governamentais (OG) e não governamentais (ONGs) no plano de investimento e implantação dos SAFs nas comunidades. A implantação desses sistemas de produção teria por finalidade atender, principalmente, à segurança alimentar e a geração de renda das comunidades da área de influência do gasoduto Coari-Manaus.
Em 1º de junho de 2006 a Petrobras anunciou o início das obras do gasoduto.
Essas obras foram suspensas 4 meses depois, quando no dia 27 de outubro a Justiça Federal considerou inválido o licenciamento ambiental do Gasoduto Coari-Manaus, feito pelo Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas, e determinou a suspensão imediata das obras do gasoduto. A decisão foi do juiz federal substituto Ricardo Augusto de Sales e é fruto de uma ação civil pública movida pelo MPF. Ele determinou que o Ibama assumisse a competência pelo licenciamento ambiental do empreendimento, sob pena de multa diária de R$ 20 mil para seu superintendente regional, Henrique Pereira. Além disso, estabeleceu uma multa diária de R$ 2 milhões para a Gáspetro (subsidiária da Petrobras), caso a empresa não suspendesse as obras.
Tal sentença foi anulada em novembro, quando a desembargadora federal Maria Isabel Gallotti, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em liminar, acolheu pedido do Ipaam para o prosseguimento das obras do gasoduto Coari-Manaus, até julgamento da questão pela 6ª Turma do Tribunal. A desembargadora salientou, na decisão, o fato de que o descumprimento do cronograma, com a paralisação imediata das obras, sem as cautelas necessárias, causaria relevante prejuízo econômico e social, destacando os milhares de empregos proporcionados pela obra.
Após três anos de obras, o gasoduto Coari-Manaus foi inaugurado em 26 de novembro de 2011, com a presença da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli de Azevedo. A cerimônia foi realizada nas instalações da Refinaria Isaac Sabbá (Reman), destino final do gasoduto em Manaus. Na ocasião, eles destacaram que o empreendimento permitiria a substituição do óleo diesel e do óleo combustível pelo gás natural para geração de energia elétrica, principalmente. A estimativa era que o gasoduto atingiria sua capacidade máxima em setembro de 2010. A empresa aproveitou a exposição adquirida pela inauguração para divulgar os dados positivos do empreendimento. Segundo divulgado na imprensa na ocasião:
Para vencer estas dificuldades específicas da região amazônica e não antes enfrentadas em obras de dutos, a Petrobras adotou, a partir de abril de 2008, soluções construtivas inéditas. Pela primeira vez, uma obra de gasodutos terrestres foi executada em parte sob os rios, utilizando metodologia similar a adotada para dutos marítimos. A solução permitiu a continuidade dos trabalhos no período de cheia, entre novembro e junho, em áreas de difícil acesso. A Petrobras também implantou medidas adicionais para preservação dos rios e igarapés da região.
O gasoduto Urucu-Coari-Manaus foi a obra de dutos no país com maior percentual de uso de mão-de-obra local: 70%. Cerca de 8,9 mil trabalhadores atuaram diretamente na construção e outros 26,7 mil empregos indiretos foram gerados a partir da obra. Dos trabalhadores envolvidos no empreendimento, 8,7% eram mulheres (774). De todo o material utilizado na obra, 95% foi produzido no Brasil. Já em relação às máquinas e aos equipamentos, o percentual foi de 85%.
No mês seguinte, entretanto, foi publicado um artigo na Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, a partir de pesquisa realizada por Isaque dos Santos Sousa, então Pesquisador Visitante no Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz, em Manaus, e Professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), no qual ele discutia as condições de vida e saneamento nas comunidades ribeirinhas de Manacapuru – AM localizadas na área de influência do gasoduto Coari-Manaus.
Segundo Sousa, no município, o gasoduto atravessa pelo menos 50 comunidades rurais, atingindo pelo menos 5.933 moradores distribuídos nas 1.131 famílias, sendo na maioria comunidades ribeirinhas mantidas pela atividade pesqueira e/ou pela agricultura. Como forma de compensação tem sido implantado no município o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Gasoduto Coari-Manaus – PDSGCM, a partir de um convênio entre a Secretaria de Meio Ambiente deManacapuru – SEDEMAT e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – SDS – AM.
A pesquisa de Sousa mostrou que até aquele momento as iniciativas do PPDSGCM tinham se limitado ao oferecimento de cursos de curta duração voltados para a qualificação da população local para atuação nas obras de construção do empreendimento, sem, contudo, auxiliar na construção de alternativas para as comunidades com o fim da obra ou para preparação do município para a desmobilização da mão-de-obra que se segue. Além disso, Sousa também destacou a falta de quaisquer consequências positivas, até então, sobre as condições de vida das comunidades rurais afetadas pelas obras.
O foco do estudo foi a questão do saneamento básico, e os resultados apontaram para a sua limitação ou ausência na maioria das comunidades pesquisadas. Sendo igualmente precárias as infraestruturas de saúde para atendimento das consequências do uso de água proveniente do mesmo rio/igarapé onde se despejam os dejetos humanos e as águas utilizadas na higiene doméstica e corporal. A maioria das comunidades ainda depende quase que exclusivamente do atendimento médico prestado por hospitais e postos de saúde na sede municipal. Assim, Sousa destaca que o incremento econômico trazido pelo empreendimento não resultou ainda em melhores condições de vida para as comunidades locais.
Apesar das críticas, com o sucesso técnico do empreendimento, a Petrobras anunciou em fevereiro de 2010 que se preparava para implantar um projeto de exploração de gás similar ao de Urucu em Juruá, com a implantação de um gasoduto semelhante para ligar a nova planta ao sistema de gasodutos já existente. O empreendimento ligaria, portanto, Juruá a Urucu.
Segundo o gerente-geral na Petrobras da Unidade de Negócios de Exploração e Produção da Amazônia, Luiz Ferradans Mata, os estudos preliminares apontaram potencial de extração expressivo em Juruá. Os quatro poços iniciais de exploração na década de 1970 mostraram capacidade para 500 mil metros cúbicos cada um, fazendo com que a empresa adicione 2 milhões de metros cúbicos à sua produção de gás na região.
Em novembro de 2012, foram divulgados os resultados do estudo Gasoduto Urucu-Coari-Manaus: Impacto Ambiental e Socioeconômico no município de Manacapuru, desenvolvido pelo mestre em Geografia Física pela Universidade de São Paulo (USP), Alberto Luzerno de Menezes, que mensurou os impactos ambientais e socioeconômicos pós-obra. De acordo com ele, a instalação do gasoduto não havia resultado em alternativas energéticas para o município, uma vez que o gás natural apenas passa por ali, não sendo utilizado pela população local. Além disso, segundo o pesquisador, num primeiro momento houve um aumento na arrecadação de tributos e na geração de emprego e renda. Porém, após o término da obra, o ritmo de crescimento ficou estável. Um achado importante do estudo foi a minimização dos impactos ambientais da obra com o replantio de árvores nativas nas áreas de clareira abertas.
Enquanto ainda se discutia as consequências socioambientais de longo prazo das obras do gasoduto Coari-Manaus, em abril de 2013 o IPAAM realizou audiências públicas (em Tefé, Coari e Carauari) para discussão do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) das obras de construção do gasoduto Juruá-Urucu. Ao contrário do noticiado em 2011, o duto apresentado também estava projetado para escoar gás natural de poços na área conhecida como Araracanga.
De acordo com a Petrobras, o gás dos Polos é importante para garantir a oferta de 7,5 MM m³/d previstas pelo Ministério de Minas e Energia para a Região Norte. A empresa, na ocasião, listava como benefícios sociais e econômicos da obra para a sociedade a mão de obra gerada, o incremento da economia nas sedes municipais quando da instalação e a operação do projeto.
Segundo o RIMA apresentado ao Ipaam, a área de influência direta para implantação do gasoduto Juruá/Urucu caracteriza-se como uma área que não apresenta ocupação populacional. A faixa para a construção desse gasoduto está localizada entre os municípios de Carauari, Tefé e Coari, abrangendo parte da rede de drenagem de três importantes sistemas fluviais componentes da Região Hidrográfica Amazônica, as sub-regiões hidrográficas dos rios Juruá, Tefé e Urucu. Os estudos ambientais foram confeccionados pelo Instituto de Inteligência Socioambiental Estratégica da Amazônia (Instituto Piatam).
Enquanto na escala regional se discutia a ampliação da presença da Petrobras na região, em Brasília, partidos da oposição ao atual governo federal haviam conseguido implantar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as atividades da empresa, especialmente denúncias de mal uso de recursos públicos na aquisição de uma refinaria na cidade de Pasadena, nos Estados Unidos, a qual, segundo denúncias veiculadas pela imprensa nos meses anteriores, teria sido adquirida por um custo superior a seu valor de mercado. Em março de 2014, no contexto dessa CPI, representantes federais do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) anunciaram que seria apresentado um requerimento para que a construção do gasoduto Coari-Manaus fosse incluída nas questões analisadas pela referida comissão. Segundo o PSOL, com base em relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), o custo final do gasoduto – cerca de R$ 4,5 bilhões – foi 60% superior a seu orçamento inicial. Suspeitava-se, portanto, de superfaturamento e desvio de verbas públicas durante suas obras.
Cronologia:
Fevereiro de 2002: IBAMA e IPAMM realizam audiências públicas para licenciamento ambiental dos gasodutos Coari-Manaus e Urucu-Porto Velho.
– ONG Amigos da Terra realiza audiência pública paralela em Manaus.
Agosto de 2002: IBAMA concede licença prévia ao gasoduto Urucu-Porto Velho.
– MPF realiza 14 recomendações à Petrobras em relação ao EIA dos gasodutos Coari-Manaus e Urucu-Porto Velho.
Março de 2003: Petrobras requer licença prévia para o gasoduto Coari-Manaus.
– MPF entra com Ação Cautelar Preparatória e pedido de liminar ao Juiz Federal da vara da seção judiciária no Amazonas com o objetivo de impedir que as licenças prévias dos órgãos ambientais viabilizassem a construção dos gasodutos Coari-Manaus e Urucu-Porto Velho.
Abril de 2003: Juiz federal Boaventura João Andrade defere liminar em ação civil pública (ACP) do MPF, determinando a suspensão da licença prévia concedida pelo Ibama para a construção do Gasoduto Urucu-Porto Velho.
Dezembro de 2003: IPAMM realiza audiência pública para licenciamento do gasoduto Coari-Manaus.
Maio de 2004: IPAMM concede licença de instalação ao gasoduto Coari-Manaus.
Agosto de 2004: Representantes de cerca de 50 das cerca de 200 comunidades dos municípios atingidos, reunidos durante o 6º Seminário sobre Gás Natural de Urucu, promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT-AM), divulgam Carta Aberta à Sociedade Civil na qual se diziam não totalmente esclarecidos quanto aos impactos socioeconômicos e ambientais do empreendimento e afirmam que iriam encaminhar uma Ação Civil Pública ou uma Ação Popular à justiça para embargar a execução do projeto.
Outubro de 2004: Petrobras divulga o Programa Zona Franca Verde.
Dezembro de 2004: Governo Federal realiza I Oficina de Desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais para a região do Gasoduto Coari-Manaus.
1º de Junho de 2006: Petrobras anuncia início das obras do gasoduto Coari-Manaus.
27 de outubro de 2006: Justiça Federal considera inválido o licenciamento ambiental do Gasoduto Coari-Manaus e determina que IBAMA assuma licenciamento do empreendimento.
Novembro de 2006: Desembargadora federal Maria Isabel Gallotti, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), reforma decisão de 1ª instância e libera obras do gasoduto.
Novembro de 2009: Gasoduto Coari-Manaus é inaugurado.
Fevereiro de 2010: Petrobras anuncia exploração de gás no Juruá e projeto de novo gasoduto até Urucu.
Novembro de2012: Estudo da USP demonstra impactos positivos limitados da obra do gasoduto Coari-Manaus no município de Manacapuru.
17 de abril de 2013: IPAAM realiza audiência pública em Tefé para discutir estudos do gasoduto Juruá-Urucu.
23 de abril de 2013: IPAAM realiza audiência pública em Caruari para discutir estudos do gasoduto Juruá-Urucu.
30 de abril de 2013: IPAAM realiza audiência pública em Coari para discutir estudos do gasoduto Juruá-Urucu.
Março de 2014: PSOL anuncia inclusão de suspeitas de superfaturamento do gasoduto Coari-Manaus na CPI da Petrobras.
Última atualização em: 16 de agosto de 2014
Fontes
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______. Audiência pública discute o gasoduto de Coari em Manaus. Disponível em: http://goo.gl/fQYYVP. Acesso em: 26 nov. 2008
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