MA – Comunidade indígena Tremembé do Engenho luta por permanência em território tradicional

UF: MA

Município Atingido: São José de Ribamar (MA)

População: Agricultores familiares, Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Especulação imobiliária

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física

Síntese

A comunidade indígena Tremembé do Engenho foi formada por famílias vindas de outros municípios do Maranhão e do Estado do Ceará que, na década de 1950, migraram para trabalhar em um dos engenhos da região. Essas famílias, de acordo com os relatos, formam parte do povo Tremembé, etnia presente em São Luiz/MA e em algumas regiões de Ceará (como Acaraú, Itapipoca e Itarema).

São cerca de 60 famílias estabelecidas no território há mais de 70 anos e que, a partir de 2012, passaram a sofrer pressões para que desocupassem as terras. Um dos primeiros a se autointitular proprietário de parte das terras foi o ex-deputado estadual pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, Carlos Alberto Franco. A documentação apresentada por ele é questionada pelos Tremembé, mas até o momento não passou por perícia.

No final de 2018, Alberto Franco teve sua ação de reintegração de posse acatada pela Justiça Estadual e houve ação de desapropriação marcada por violência e destruição das moradias e plantações das famílias. A Associação Abrangentes do Estado do Maranhão – AABRAEMA, através de seus responsáveis, também passou a disputar o território.

A comunidade de Tremembé do Engenho se encontra em processo de reconhecimento de seu território indígena junto à Fundação Nacional do Índio – Funai e diversas organizações apoiam a sua luta, a exemplo da Comissão Pastoral da Terra – CPT, do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB e do Movimento Quilombola no Maranhão – MOQUIBOM.

 

Contexto Ampliado

“Isso aqui, pé de coco, tudo foi eu que plantei. Essa jaqueira ali que já tem jaca mole, eu que plantei. Pé de caju, tudo é minha plantação, minha mesmo. […] É muito triste a gente plantar, lutar e depois destruir. Né verdade? Quando a gente vive naquele lugar muitos anos, neta desse lugar e ser destruído, é triste demais. […] E aqui nós não temos Justiça para o nosso lado, parece que o direito é só dele, é só pra ele. Pra gente, nós não temos.” Aldenora Pereira – indígena Tremembé e agricultora da comunidade do Engenho (Filhos da Terra: grilagem e ameaça ao bem viver. Produção Andressa Zumpano e Ingrid Barros. Comissão Pastoral da Terra. Maranhão, 28 nov. 2017).

De acordo com informações do portal Povos Indígenas do Brasil, mantido pelo Instituto Socioambiental, o contato dos Tremembé com a sociedade colonial foi desde o início marcado pela violência e pelas tentativas de catequização. Segundo o antropólogo Carlos Guilherme do Valle, autor do referido verbete, eles foram “aldeados em certas missões, tanto no Maranhão como no Ceará, muitas vezes convivendo e fundindo-se a outras etnias também aldeadas pelos religiosos”.

Desde então, o território de Almofala tem sido o centro de sua territorialidade, mas hoje eles estão presentes e reivindicam diversas terras indígenas tanto no Ceará quanto no Maranhão. Sobre Almofala e os territórios no Ceará, Valle afirma:

Almofala foi o mais conhecido aldeamento dos Tremembé, tendo sido fechado na segunda metade do século XIX. Em 1857, suas terras foram doadas aos índios da antiga povoação, mas acabaram sendo invadidas gradativamente por latifundiários. Contudo, a população indígena continuou vivendo na mesma região, inclusive mantendo o ritual do toré. Chamados de caboclos ou descendentes de índios pelos regionais, os Tremembé passaram [a] reivindicar o reconhecimento oficial de sua identidade étnica a partir da década de 1980. Em 2003, a Terra Indígena Tremembé Córrego do João Pereira foi a primeira a ser homologada no estado do Ceará.

A comunidade indígena do povo Tremembé do Engenho foi formada por famílias vindas de outros municípios do Maranhão e do Estado do Ceará que, na década de 1950, migraram para trabalhar em um dos engenhos da região.

A ligação com as demais comunidades da etnia Tremembé, também localizadas em São Luiz/MA e no Ceará, vem dos relatos orais das(os) mais velhas(os): “Sempre teve a conversa dos mais velhos sobre nossa família ser indígena. Indígena Tremembé. Os parentes Tremembé da Raposa (também localizada na grande São Luís) nos reconhecem também” destaca Robson Tremembé na reportagem de Renato Santana para o Cimi em 14 fev. 2018.

Domingo Rodrigues, um dos entrevistados no vídeo “Filhos da terra: grilagem e ameaça ao bem viver”, produzido por Andressa Zumpano e Ingrid Barros para a Comissão Pastoral da Terra – CPT, afirma: “Nós estamos aqui há muitos anos, mais de 70 anos que essa comunidade do Engenho tem moradores, filhos daqui dessa terra”. Ao todo são aproximadamente 60 (sessenta) famílias vivendo no território.

Contudo, nos anos mais recentes, mais precisamente a partir de 2008, começaram a sofrer pressões de pessoas que se pretendem proprietárias das terras ocupadas. O caso mais emblemático é o do ex-deputado estadual pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, Carlos Alberto Franco, mais conhecido apenas como Alberto Franco, que se diz proprietário de 74 hectares de terras do território ocupado pelas famílias e entrou com ação de reintegração de posse na Justiça Estadual.

Os documentos apresentados por Alberto Franco são questionados pelas(os) indígenas que reivindicam que perícias sejam realizadas a fim de verificar sua autenticidade. Na reportagem de Yndara Vasques, da assessoria de comunicação do Movimento Interestadual De Mulheres Quebradeiras De Coco Babaçu – MIQCB, e Viviane Vazzi, assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, em 15 de agosto de 2018, evidencia-se que os pedidos para perícia de verificação dos documentos de posse da terra de Alberto Franco já foram negados 11 (onze) vezes pelo Tribunal de Justiça.

Em fevereiro de 2013, o Ministério Público do Estado do Maranhão – MPE/MA denunciou o à época deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil – PCdoB, Raimundo Cutrim, e Alberto Franco, à época secretário de Assuntos Estratégicos do Estado do Maranhão, por integrarem quadrilha de grilagem de terras na cidade de Paço do Lumiar/MA.

Em reportagem do portal G1 do dia 21 de fevereiro de 2013, Cilézia Melo relata que sua família foi vítima do esquema que estava sendo denunciado. De acordo com ela, dezesseis hectares de terra foram vendidos a Raimundo Cutrim, que se apropriou indevidamente de uma área maior. Além disso, de acordo com a mesma matéria, Alberto Franco também era interventor do Cartório do 1º Ofício de São José Ribamar, onde eram feitas as documentações ilegais de regularização fundiária dos terrenos.

Na reportagem de Renato Santana para o Cimi, o perfil de Alberto Franco é apresentado como:

[…] um ex-tabelião, ou seja, um ex-oficial público a quem se incumbe a função de preparar ou autenticar documentos, escrituras públicas ou registros. Documentos de posse de uma terra, por exemplo. Foi também deputado estadual por dois mandatos, pelo PSDB e PMDB. Nas eleições de 2014 tentou a reeleição pelo PRB, mas sem sucesso. Chegou a ser secretário da Secretaria de Estado Extraordinária de Assuntos Estratégicos, durante o governo de Roseane Sarney. Hoje em dia é sócio de duas empresas: uma construtora e outra de água mineral (Cimi, em 14 fev. 2018).

Apesar de terem documentações que comprovam a ocupação e uso do território, a exemplo de registro de nascimento e declaração de posse registrada em cartório, as famílias da comunidade de Tremembé do Engenho permanecem sob ameaças de serem retiradas de seu território. Em novembro de 2017, a Comunidade do Engenho viveu a tensão da ameaça de uma operação de despejo em cumprimento de ação judicial em favor de Alberto Franco.

Em matéria de Andressa Zumpano e Ingrid Barros, publicada em rede social da Comissão Pastoral da Terra em 27 de novembro de 2017, é citado que existem documentos que comprovam a fraude nos títulos de posse dos latifundiários, e que por diversas vezes jagunços estiveram na comunidade com tratores e destruíram as plantações trazendo prejuízos ao trabalho de agricultura familiar que os Tremembé desenvolvem.

Essas ofensivas levaram a comunidade indígena a se organizar ainda mais a fim de fortalecer suas lutas pela permanência no território e, em dezembro de 2017 participaram, pela primeira vez, do encontro da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, mobilização estadual que acontece desde 2015 com a realização de dois encontros anuais.

No dia 10 de dezembro foi realizada a sétima edição com o tema: “Nosso Território Sagrado: Bem Viver, Memória, Luta e Esperança”, em que estiveram presentes, no Quilombo Cocalinho, camponeses, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, sertanejos e pescadores artesanais. Pela primeira vez a comunidade Tremembé participou do encontro da Teia (Cimi, 13 dez. 2017).

No dia 12 de fevereiro de 2018, a Defensoria Pública do Estado do Maranhão – DPE/MA, através do defensor público Alberto Tavares, entrou com ação cautelar no Tribunal de Justiça do Maranhão – TJ-MA a fim de que o processo de reintegração de posse da Comunidade Tremembé do Engenho fosse suspenso.

No entendimento da DPE/MA, a comunidade tinha direito ao seu território tradicional e deveria ter o direito ao trabalho e à moradia garantidos. Ademais, de acordo com o defensor, o processo foi julgado em primeira instância sem ouvir a comunidade e sem perícia no território.

Ele destaca: “Sustentamos que a área que o autor da ação de reintegração alega ser dele não é a área ocupada pela comunidade. Há necessidade de perícia judicial. O processo, portanto, foi julgado sem instrução” (defensor Alberto Tavares, em entrevista a Renato Santana, do Cimi, 12 fev. 2018).

De acordo com essa reportagem, o DPE/MA denunciou que Alberto Franco vinha recebendo tratamento diferenciado do judiciário, uma vez que, apesar dele ter um patrimônio avaliado em R$ 5 milhões (cinco milhões de reais), fazia uso da justiça gratuita, serviço concebido para quem não tem como custear um advogado, e, mesmo não sendo responsável pelo cartório em 2018 e não tendo mais o cargo de deputado, dispunha de muitos privilégios junto às instituições locais.

De acordo com a reportagem de Santana, esses privilégios aparecem na decisão do juiz Gilmar de Jesus Everton Vale, quando ele ressalta que a decisão não estava sujeita a qualquer medida administrativa prévia como condição ao cumprimento da decisão, e quando diz que o governador Flávio Dino, do PCdoB, deveria se abster “[…] de qualquer ato que possa se contrapor ao despejo imediato da comunidade – a mesma ‘recomendação` foi feita ao Ministério Público Estadual” (SANTANA, Renato. Cimi, 12 fev. 2018).

Dando continuidade ao processo de afirmação coletiva da comunidade como indígena, ainda no dia 12 de fevereiro foi realizada Assembleia de Autodeclaração da Comunidade do Engenho como Comunidade Indígena Tremembé. Logo em seguida, a ação cautelar da DPE/MA foi aceita pelo TJ-MA, através de decisão do desembargador Raimundo Nonato Magalhaes Melo, que suspendeu a ação de reintegração contra a comunidade.

É importante destacar que a decisão pela reintegração de posse em nome de Alberto Franco, considerado na decisão como proprietário de 74 hectares de terra, veio através do juiz auxiliar Gilmar de Jesus Everton Vale, da 1ª Vara Cível da Justiça Estadual, que determinou a retirada das famílias em um prazo de cinco dias, contando com o suporte do aparato de segurança do estado – a Polícia Militar, e os devidos recursos logísticos necessários.

Ademais, o juiz ressaltou que as plantações, as casas e todas as benfeitorias feitas pelas famílias que ali viviam seriam revertidas em favor do pretenso proprietário.

Na decisão do desembargador Raimundo Nonato pela suspensão da operação de reintegração de posse, ele ressaltou que foi ameaçado por homens armados quando esteve na comunidade Tremembé do Engenho (reportagem de Yndara Vasques, da assessoria de comunicação do MIQCB, e Viviane Vazzi, assessoria jurídica do Cimi, 15 ago. 2018).

Contudo, no mês de julho de 2018 o desembargador e relator da apelação civil nº 225.243/2018, Raimundo José Barros de Sousa, decidiu pelo despejo das famílias Tremembé da comunidade do Engenho. Na reportagem de Yndara Vasques, assessora de comunicação do MIQCB, e Viviane Vazzi, do Cimi, do dia 15 de agosto, ressalta-se que:

Numa atuação ilegal em rede, ao receber o acórdão, o desembargador Paulo Velten Pereira expediu imediatamente uma Carta de Ordem com mandado de reintegração e manutenção de posse para retirada coercitiva da comunidade do Engenho pelo comando da Polícia Militar do Estado do Maranhão, dando o prazo de 30 dias para cumprimento da decisão. Por sua vez, o Juiz da 1ª Vara da Comarca de São José de Ribamar, Gilmar de Jesus Everton Vale, foi ainda mais longe. O Juiz da 1ª Vara extrapolou a ordem e decidiu antecipar a tentativa de despejo contra a comunidade em cinco dias, apressando o Comando da Polícia Militar sem observância das exigências legais e ciência da comunidade, numa tentativa apressada de consumar o despejo a todo custo em favor de Alberto Franco.

À época, a DPE/MA e os Núcleos de Defesa dos Direitos Agrários e de Moradia do Ministério Público do Estado do Maranhão (MPE/MA) apresentaram denúncias relativas ao contexto de conflitos envolvendo a permanência da Comunidade Indígena Tremembé, que se acirrou e, no dia 14 de agosto, três homens armados entraram no território e ameaçaram os indígenas (VASQUES E VAZZI, 15 ago. 2018).

Em 18 de dezembro de 2018, a equipe da Coordenação de Identificação e Delimitação – CGID da Fundação Nacional do Índio – Funai visitou o território de Tremembé do Engenho e deu início à Qualificação de Demanda, processo que estabelece o começo do processo administrativo de demarcação. De acordo com reportagem do Cimi do dia 18 de dezembro de 2018, a presença da Funai não impediu as ações de jagunços que estiveram no território.

O dia 19 de dezembro de 2018 foi marcado pela destruição das casas e plantações das famílias da comunidade Tremembé do Engenho. Os policiais chegaram para cumprir mandado de reintegração de posse e, com o apoio de tratores, colocaram as moradias abaixo, transformando tudo em escombros. Diversas organizações se posicionam contra as ameaças e violências sofridas pela comunidade na ocasião, dentre as quais, o Cimi, CPT e MIQCB, que emitiram notas públicas.

De acordo com reportagem do Cimi do dia 22 de dezembro, na ação estiveram envolvidos aproximadamente 150 soldados da Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal – PRF e Estadual – PRE e da Tropa de Choque, além de Guardas Municipais de São José do Ribamar. Em nota do Cimi sobre os conflitos territoriais envolvendo o povo Tremembé, a organização ressalta que:

Do povo foram destruídos os sistemas de produção, manejados sem a utilização de agrotóxicos: hortaliças, espécies frutíferas e açudes de criação de peixes, que abasteciam as feiras de Paço do Lumiar e São José de Ribamar. O povo foi atingido por bombas de gás lacrimogêneo enquanto tentava retirar a sua estrutura de irrigação, recém adquirida por financiamento do PRONAF [Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar] (Banco Nordeste). O sistema foi todo destruído, deixando um grande endividamento para as famílias, as quais não terão mais formas de subsistir e liquidar suas obrigações, o que abala a sua dignidade e sua soberania alimentar e seu plano de vida no território tradicional (XXXIX Assembleia do Cimi, Regional Maranhão. Nota de repúdio contra o despejo do povo Tremembé de Engenho do seu território tradicional, em São José de Ribamar, 21 dez. 2018).

Outra questão em destaque é a de que a comunidade já se encontrava em Qualificação da Demanda na Funai e, mesmo assim, o TJ-MA, atendendo a pedido do ex-deputado Alberto Franco, decidiu pelo despejo e consequente reintegração de posse. Agentes da Funai que fizeram o relatório de qualificação estavam no local, mas o desmonte das casas e plantações não foi evitado, assim como o uso de bombas de efeito moral e gás lacrimogênio.

De acordo com a assessoria jurídica do Cimi, foram realizados 11 (onze) pedidos de perícia da documentação de posse de Alberto Franco pelos Tremembé e seus parceiros e, mesmo diante da hipótese de os documentos serem “grilados”, o TJ-MA decidiu pelo despejo (reportagem de O Imparcial, 21 dez. 2018).

Mais dois elementos são destacados sobre a reintegração de posse. O primeiro é o fato de o Governo do Estado do Maranhão intervir, através da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular – SEDIHPOP, solicitando que o juiz titular Celso Orlando Aranha Pinheiro Júnior, da 1ª Vara Cível do Termo Judiciário de São José do Ribamar, suspendesse a operação de reintegração, uma vez que a comunidade se autodeclarou indígena, alegando que era necessário levar adiante os estudos a serem realizados pela Funai.

O juiz desconsiderou o pedido do Governo do Estado do Maranhão e ordenou a operação de reintegração de posse (reportagem da Revista Fórum, em 24 dez. 2018).

O segundo diz respeito à incompetência do Tribunal estadual em julgar o caso, uma vez que, por se tratar de um território indígena, a competência seria da Justiça Federal e não do TJ-MA, como destacado na reportagem de Marcelo Toledo, na Folha de São Paulo, em 26 de dezembro:

O povo Tremembé reivindica o seu direito de defesa, contraditório, participação processual e denuncia a nulidade das decisões do TJ-MA, uma vez que a competência para o caso é da Justiça Federal. Os indígenas requerem o retorno ao seu território tradicional, uma vez que já foi dado início à primeira etapa de regularização e demarcação do território.

Nesse sentido, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal – CCR6/MPF foi acionada a fim de que fosse a instância responsável por acompanhar o processo e defender os direitos coletivos do povo Tremembé. Ao todo, no ano de 2018 foram feitos três pedidos de reintegração de posse das terras ocupadas pelas agricultoras(es) e indígenas Tremembé.

Depois do episódio marcado pela violência no final de 2018, o ano de 2019, no dia 10 de janeiro, começa com a retomada da área que havia sido destruída na operação de reintegração.

Em fevereiro de 2019, o Conselho de Lideranças do Povo Indígena Tremembé do Engenho entra com recurso contra os pedidos de reintegração de posse de Carlos Alberto Franco de Almeida e da Associação Abrangentes do Estado do Maranhão – AABRAEMA.

O pedido de tutela cautelar antecedente foi realizado junto à 5ª Câmara Cível do TJ-MA e foi negado pelo desembargador Raimundo José Barros de Sousa, que alegou a não existência da terra indígena Tremembé em nome do Conselho, e que o mesmo não aparecia em nenhum dos processos judiciais iniciados desde o ano de 2012. Sendo assim, não o reconheceu como instância representativa legítima (Processo nº 0810928-94.2018.8.10.0000).

Em abril de 2019, foi realizada uma assembleia na comunidade através da qual foi formalmente instituído o Conselho Tremembé do Território Engenho, passando a ser a organização representativa política do povo Tremembé. O Conselho, no dia 15 de julho de 2019, emitiu nota pública denunciando dois homens que se autointitulavam caciques do Território do Engenho: Domingos Rodrigues da Silva e Domingos Rodrigues da Silva Júnior.

De acordo com a nota, a comunidade não os reconhecia como representantes do Conselho, uma vez que não houve assembleia para empossá-los na posição, fazendo parte de “um delírio pessoal” dos dois, que se dizem proprietários do “imóvel”.

Os dois criaram a AABRAEMA e têm pleiteado o território movendo ação contra o próprio Alberto Franco. Assim, para além de disputarem o território com as forças políticas e jurídicas do ex-deputado, o povo Tremembé do Engenho também tem enfrentado uma disputa política contra a AABRAEMA.

Das denúncias feitas na nota do Conselho, destacamos:

  • Os dois senhores citados se passam por caciques do Povo Tremembé e proprietários de parte do território reivindicado pelo Povo, com relatos de adulteração de assinaturas e documentos;
  • A AABRAEMA recebeu sementes da Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e de Extensão Rural do Maranhão – AGERP/MA no mês de janeiro de 2019 com a finalidade de distribuí-las entre os Tremembé como reparação pelos danos causados durante a reintegração de posse. Apenas no mês de junho a comunidade tomou conhecimento e as sementes já haviam sido descartadas;
  • A AABRAEMA recebeu o valor de R$ 33.577,59 do Programa Rua Digna do Governo do Estado. Entretanto, as obras no território não foram realizadas e os trabalhadores contratados pela organização estavam ameaçando moradoras(es);
  • A AABRAEMA, através de seus representantes, estava vendendo lotes no território indígena;
  • No mês de julho de 2019 a comunidade foi chamada pela AABRAEMA para uma reunião com: Haroldo Brito, procurador da Promotoria de Conflitos Agrários; Marcos Patrício, Defensor Público do Estado do Maranhão; e Arnaldo Colaço, advogado da AABRAEMA. Nessa reunião receberam a notícia de que, em nova decisão, a posse do território era da AABRAEMA, informação equivocada, uma vez que se tratava apenas da suspensão do processo que tramitava e não sua conclusão. Ademais, de acordo com a nota, o procurador Haroldo Brito duvidou da identidade indígena dos Tremembé e fez falas racistas durante a reunião.

No final de julho de 2019, outra reportagem do Cimi denunciava a devastação do território da comunidade de Tremembé do Engenho depois da ação de reintegração realizada no final de 2018.

Raquel Tremembé relata: “Até mesmo a área do rio Pindaí, com mata ciliar, não foi respeitada. As árvores foram cortadas e jogadas junto com a terra para dentro do rio, que já agoniza com o esgoto que ‘recebe’ dos residenciais que circundam o território” (Cimi e Central Sindical e Popular Conlutas, 31 jul. 2019).

A pauta de urgência da comunidade é que, em se tratando de um território indígena, os processos de demarcação sejam federalizados e as consultas prévias previstas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sejam garantidas. Ademais, denunciam-se os crimes ambientais, até agora sem qualquer reconhecimento dos órgãos públicos.

A AABRAEMA continua sendo um agente importante no conflito, uma vez que permanece negociando lotes no território e trazendo outros grupos interessados, a exemplo da Associação de Trabalhadores da Mata, citada na reportagem (Cimi e Central Sindical e Popular Conlutas, 31 jul. 2019).

 

Última atualização: 24 ago. 2019.

 

Cronologia

1950 – Início da formação da Comunidade do Engenho.

2008 – Alberto Franco, ex-tabelião, alega ter documentos que comprovam sua propriedade sobre 74 hectares das terras da Comunidade do Engenho.

2013 – Alberto Franco é acusado de grilagem de terra nos municípios de Paço do Lumiar e São José do Ribamar.

29 de novembro de 2017 – Comunidade do Engenho vive a tensão de provável despejo em cumprimento de ação judicial em favor de Alberto Franco.

10 de dezembro de 2017 – Representantes do povo Tremembé participam do VIII Encontrão da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, com o tema: “Nosso Território Sagrado: Bem Viver, Memória, Luta e Esperança.

12 de fevereiro de 2018 – A Defensoria Pública do Estado – DPE, através do defensor público Alberto Tavares, entra com ação cautelar no Tribunal de Justiça do Maranhão a fim de que o processo de reintegração de posse da Comunidade do Engenho Tremembé seja suspenso.

12 de fevereiro de 2018 – Realizada Assembleia de Autodeclaração da Comunidade do Engenho como comunidade indígena Tremembé.

14 de fevereiro de 2018 – A pedido da Defensoria Pública do Estado – DPE, o Tribunal de Justiça do Maranhão, através do desembargador Raimundo Nonato Magalhaes Melo, suspende ação de reintegração contra a Comunidade do Engenho Tremembé.

Julho de 2018 – Desembargador e relator da apelação civil nº 225.243/2018, Raimundo José Barros de Sousa, decide pelo despejo das famílias da comunidade do Engenho.

14 de agosto de 2018 – Três homens armados entram no território e ameaçam os indígenas da comunidade Tremembé do Engenho.

18 de dezembro de 2018 – Equipe da Coordenação de Identificação e Delimitação – CGID da Fundação Nacional do Índio – Funai visita território Tremembé do Engenho e dá início à Demanda de Qualificação, processo que estabelece o começo do processo de demarcação.

19 de dezembro de 2018 – PM/MA cumpre mandado de reintegração de posse de acordo com o Tribunal de Justiça Estadual do Maranhão – TJ-MA.

10 de janeiro de 2019 – Povo Tremembé de Engenho retoma área que havia sido alvo de reintegração de posse no dia 19 de dezembro.

Fevereiro de 2019 – O Conselho de Lideranças do Povo Indígena Tremembé do Engenho entra com recurso contra os pedidos de reintegração de posse de Carlos Alberto Franco de Almeida e da Associação Abrangentes do Estado do Maranhão – AABRAEMA.

Abril de 2019 – Em Assembleia, o Conselho Tremembé do Território Engenho é criado como instância de representação do povo Tremembé.

15 de julho de 2019 – Conselho Tremembé do Território do Engenho emite nota pública denunciando dois homens que se intitulam caciques do Território do Engenho: Domingos Rodrigues da Silva e Domingos Rodrigues da Silva Júnior.

 

Fontes

ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA. Nota da Articulação Nacional de Agroecologia de solidariedade ao povo indígena Tremembé do Maranhão e de repúdio ao despejo da comunidade localizada no Engenho, município de São José de Ribamar, MA. Articulação Nacional de Agroecologia21 dez. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2MH6cx4. Acesso em: 20 jun. 2019.

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO DO MARANHÃO. Um dia antes da data marcada para reintegração de posse, povo Tremembé recebe Funai para etapa de demarcação. Conselho Indigenista Missionário, São Luiz, 18 dez. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2Ynp5fz. Acesso em 15 jul. 2018.

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO E CENTRAL SINDICAL E POPULAR CONLUTAS. Povo Tremembé de Engenho denuncia invasão de seu território no Maranhão. Conselho Indigenista Missionário, 31 jul. 2019. Disponível em: http://bit.ly/2OGhDHS. Acesso em: 31 jul. 2019.

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO E COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Nota de repúdio contra ameaça de despejo do Povo Tremembé de Engenho, MA. Conselho Indigenista Missionário. São Luiz, 18 dez. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2LTgCKj. Acesso em 15 jul. 2019.

“DESTRUÍRAM as nossas plantações, mas não nos destruíram”: nota do Cimi Maranhão sobre o despejo dos Tremembé de Engenho. Amazônia Notícia e Informação, São Luiz, 22 dez. 2018. Disponível em: http://bit.ly/32ZXyiG. Acesso em: 14 jul. 2019.

FILHOS da terra: grilagem e ameaça ao bem viver. Produção Andressa Zumpano e Ingrid Barros. Comissão Pastoral da Terra, Maranhão, 28 nov. 2017. Disponível em: http://bit.ly/334oMoD. Acesso em: 15 jul. 2019.

KURY, Giovana. Bombas e destruição na reintegração de posse da comunidade de Engenho. O Imparcial, São Luiz, 21 dez. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2MzDcHp. Acesso em 14 jul. 2019.

MENDES, Ana. Encontrão de povos e comunidades do MA ocorre em quilombo invadido pela Suzano. Conselho Indigenista Missionário, São Luiz, 13 dez. 2017. Disponível em: http://bit.ly/2ykZeoP. Acesso em: 15 jul. 2019.

POLICIAIS com tratores destroem lavoura e desalojam povo Tremembé de suas terras. Revisa Fórum, São Paulo, 24 dez. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2KfcpON. Acesso em: 20 jun. 2019.

POVO Tremembé de Engenho denuncia falsa representação e tentativa de loteamento de seu território. Conselho Indigenista Missionário, São José do Ribamar, 15 jul. 2019. Disponível em: http://bit.ly/2OGvsWR. Acesso em: 20 jun. 2019.

RAIMUNDO Cutrim e Alberto Franco falam sobre grilagem de terras. Portal G1, São Luiz, 21 fev. 2013. Disponível em: https://glo.bo/32OMntf. Acesso em: 15 jul. 2019.

TOLEDO, Marcelo. Reintegração de posse em área indígena gera revolta no Maranhão. Folha de São Paulo, Ribeirão Preto, 26 dez. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2OFWdKW. Acesso em: 20 jun. 2019.

VASQUES, Yndara; PEDRO, Viviane Vazzi. Comunidade Tremembé do Engenho sofre novas ameaças de jagunços. Conselho Indigenista Missionário, São Luiz, 15 ago. 2018. Disponível em: http://bit.ly/2ye97on. Acesso em: 15 jul. 2019.

 

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