AM – Agricultores, pescadores e ribeirinhos contabilizam 19 comunidades na luta contra remoções do Exército e do Governo Federal
UF: AM
Município Atingido: Manaus (AM)
Outros Municípios: Manaus (AM), Manicoré (AM)
População: Agricultores familiares, Pescadores artesanais, Ribeirinhos
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
Na região do rio Puraquequara/Jatuarana, no município de Manaus, 19 comunidades – entre elas: Lago do Mainã, Puraquequara, São Francisco do Mainã, Bom Sucesso, Guajará, São Raimundo, São Pedro, São Lázaro, Tabocal, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora das Graças, União e Progresso, Projeto de Assentamento Nazaré, Santa Rosa do Paraná da Eva, Santa Luzia do Tiririca e outras -, localizadas até os limites do município de Rio Preto da Eva, estão ameaçadas de remoção tanto pela atuação do Exército Brasileiro, que mantém um centro de treinamento na região, quanto pela viabilização do Polo Naval do Amazonas.
Apesar de muitas famílias já ocuparem a região desde o início do século XX, nos últimos anos tem se intensificado a disputa fundiária com o Exército Brasileiro e, mais recentemente, com o Governo do Estado do Amazonas pela posse das terras da região.
A instalação do Centro de Instrução de Guerra na Selva do Exército (CIGS) na área remonta ao final da década de 1960, quando o então governador Danilo Duarte de Matos Areosa doou terras na região para o Exército Brasileiro. Porém, o conflito com os militares começou a se tornar mais agudo a partir de 1997, quando o Exército instalou uma base próxima à comunidade de Jatuarana.
Segundo Eliza Souza, jornalista, escritora e articulista do NCPAM/UFAM: “Toda aquela beirada do rio Amazonas, do Puraquequara ao Paraná da Eva, foi demarcada então pelas forças militares, o que provocou um conflito desigual entre o poder e os pequenos agricultores e pescadores que vivem pacificamente naquelas comunidades. A revolta dos ribeirinhos é que com os militares ali instalados fica a falsa impressão de que eles são os invasores com restrições de toda ordem a cumprir e sujeitos a levar bala ‘de verdade’, pois os treinamentos são feitos em plena comunidade sem qualquer responsabilidade por parte do comando militar”.
Já o Polo Naval tem sido apresentado como um dos principais projetos da União e do Governo do Estado do Amazonas para dinamizar a economia da região. A primeira etapa de implantação da indústria naval no Amazonas prevê a ocupação de uma área de 38,8 quilômetros quadrados, com a instalação de dois grandes estaleiros, seis estaleiros de médio porte e 60 pequenos estaleiros. A estimativa é pela criação de cerca de 20 mil empregos e a movimentação de aproximadamente R$ 1 bilhão em negócios com a construção de barcos esportivos e de luxo, lazer, turismo, além de flutuantes, balsas e pequenas embarcações.
A segunda etapa do Polo Naval está prevista para ser implantada no período de uma década e para ocupar uma área de 63,47 quilômetros quadrados, com geração de 30 mil empregos diretos. O local vai abrigar um grande estaleiro, cinco estaleiros médios e 80 pequenos estaleiros.
A infraestrutura do Polo Naval contará com sistema de transporte e acesso viário, portos, terminais, energia fornecida pelo Linhão de Tucuruí, aeroporto de carga e descarga, e mineroduto. Também se prevê uma cidade operária a ser construída por meio do ‘Projeto Minha Casa, Minha Vida’, que vai oferecer serviços de saúde, segurança, comércio local e lazer.
Atualmente, algumas comunidades, após anos de mobilização e com o apoio de parceiros estratégicos, conseguiram estabelecer contratos com a União, intermediados pelo MPF, para garantir sua permanência em seu território tradicional resolvendo parte dos problemas com o Exército. Porém, por outro lado, permanecem ameaçadas pela instalação do Polo Naval.
Contexto Ampliado
As primeiras discussões a respeito do Polo Naval de Manaus se deram ainda em 2006, quando o Governo do Estado do Amazonas, através de seu Instituto de Terras do Amazonas (ITERAM), iniciou estudos para delimitação do melhor local para sua instalação. A proposta inicial previa beneficiar cerca de 300 estaleiros existentes em todo o estado do Amazonas.
Os primeiros encaminhamentos para viabilização do Polo se deram em abril de 2009, quando o então presidente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), Luís Pagot, anunciou – em reunião realizada com o presidente e o vice-presidente da Comissão Especial de Implantação do Distrito da Indústria Naval da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, Sinésio Campos (PT) e Adjuto Afonso (PP) – o apoio do órgão ao empreendimento. Também participaram da reunião os representantes do Sindicato de Reparos, Manutenção e Construção do Estado do Amazonas (Sindinaval) e da Associação dos Armadores do Transporte de Cargas e Passageiros do Estado do Amazonas.
Na ocasião, Pagot reiterou que o empreendimento era visto pelo Governo Federal como prioritário dentro do programa de investimentos da União e como uma proposta para dinamizar a economia manauara e amazonense: A construção deste Polo é extremamente importante para alavancar o setor e a economia do Amazonas. As observações serão levadas ao ministro Alfredo Nascimento. E, no máximo, em 15 dias devemos marcar uma audiência com ele, seja em Manaus ou em Brasília, para discutirmos o assunto e dar andamento à execução do plano.
Analisando o setor naval no estado, Evandro Brandão Barbosa, economista e mestre em educação, afirmou que, historicamente, os estaleiros possuem uma importância estratégica para a economia amazonense, porém:
Na atualidade, a construção naval do Amazonas tem participação muito mais significativa no Valor Adicionado Bruto do Estado, mas ainda não desenvolveu as infraestruturas necessárias à elevação do setor à categoria de excelência que a sua história potencialmente guarda. Essa potencialidade pode ser identificada na qualidade das embarcações de madeira, aço, ferro, fibra de vidro e alumínio, atualmente construídas nos estaleiros de todo o Estado do Amazonas. Embora não haja precisão estatística na contagem da quantidade de estaleiros existente no Amazonas, a literatura sobre o tema indica aproximadamente a existência de 300 estaleiros no Estado, dos quais em torno de 60 encontram-se instalados em Manaus; entre todos esses estaleiros considerados estão também as oficinas de consertos e reparos de embarcações de pequeno, médio e grande porte. Paralelamente, o nível de informalidade do setor continua elevado apesar da sua secularidade, competência, faturamento e representatividade na indústria naval regional e nacional.
Apesar de reconhecer a importância do setor para a economia, Barbosa afirmou ser prematura a criação de um Polo Naval no estado, pois O processo capaz de criar as condições necessárias à criação de um Polo Naval em Manaus é a estruturação de um Plano Diretor Preliminar do Polo Naval do Amazonas, no qual o setor da construção naval do estado teria a explicitação de todas as suas características, necessidades e as indicações das ações a serem executadas com o objetivo de estabelecer um Polo Naval de fato e de direito. (…) Construir um Plano Diretor Preliminar do Polo Naval do Amazonas significa a integração de uma equipe multidisciplinar constituída pelas três esferas governamentais, instituições responsáveis pelo meio ambiente, instituições de Ensino e Pesquisa, empresários e sindicatos do setor. Antes mesmo de uma primeira reunião conjunta para iniciar os trabalhos de construção do Plano Diretor, cada um dos participantes deve se inteirar da missão, da visão e dos valores que a sua instituição atribui ao futuro Polo Naval do Amazonas; isso é importante porque, uma vez constituída a equipe multidisciplinar de trabalho com todos os atores em questão, será necessário definir a missão, a visão e os valores do futuro Polo Naval do Amazonas, características estas que deverão contemplar os interesses socioculturais, políticos e econômicos do Estado do Amazonas.
Em novembro de 2009, representantes das comunidades ameaçadas pelo Polo divulgaram nota em que reivindicavam sua permanência no local. Organizadas em torno do Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, elas repudiavam a a possibilidade de deslocamento e incorporação de cerca de 800 famílias na região do Rio Cuieiras, no Baixo Rio Negro, conforme notícias e informações oficiais e extraoficiais que estão circulando. Além disso, exigiam respeito às famílias que vivem na área do Puraquequara (Costa do Jatuarana até São Francisco do Guajará) e na margem direita do Rio Preto da Eva e que elas se mantenham em sua centenária morada de origem [e] [q]ue os moradores da região do Rio Cuieiras e do PDS (Projeto de Desenvolvimento Sustentável Cuieiras-Apuaú) sejam respeitados, considerando a capacidade de suporte desta região.
Exigiam ainda que o Exército buscasse uma área mais adequada para exercer suas atividades sem prejuízo às comunidades locais e indígenas, respeitando a Constituição Federal que versa sobre a dignidade humana e o direito a um meio ambiente sadio, as determinações da OIT 169 e da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (decreto 6.040, de 7 de fevereiro de 2007).
Em novembro do ano seguinte, oficialmente para solucionar o conflito com as forças armadas, técnicos do ITERAM e da Superintendência de Patrimônio da União (SPU) propuseram aos moradores do local a entrega de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU). O documento permitiria a permanência das famílias em suas terras, com a possibilidade de repasse das mesmas aos seus herdeiros, de plantar em áreas previamente demarcadas e caçar e pescar na região. Entretanto, tais atividades seriam vetadas durante os períodos de treinamento militar.
Para o general de brigada Vagner Oliveira Gonçalves, diretor de Patrimônio do Exército, com sede em Brasília, essa seria uma solução moderna e que traria grandes benefícios, tanto para os ribeirinhos quanto para o Exército. A CDRU é a legalização que as famílias precisavam. A partir dessa documentação os moradores da região poderão fazer financiamentos em bancos e com isso melhorar as condições de vida, mas algumas regras de convivência deverão ser respeitadas, principalmente as ambientais, observa o general.
Em reunião com a procuradora Luciana Fernandes Gadelha, Iteam, SPU e Comando Maior do Exército definiu-se que os militares iriam esclarecer e discutir com as comunidades todas as regras de convivência que deveriam ser respeitadas por ambos.
Em reportagem para o jornal A Crítica, em abril de 2011, a jornalista Elaíze Farias informou que o conflito entre as comunidades e o Exército ainda permanecia sem acordo, e que comunitários acusavam o Comando Militar da Amazônia (CMA) de impedir a chegada do programa Luz Para Todos do Governo Federal na região.
O presidente da comunidade Jatuarana, Doramir Cunha, disse à jornalista que, no dia 17 de março daquele ano, representantes do Centro de Instrução de Guerra na Selva do Exército (CIGS) ofereceram aos comunitários a opção de assinar um documento no qual abriam mão da posse de suas terras em troca do direito ao programa Luz para Todos.
Muitos assinaram, mas outros não fizeram isso, como eu. Se a gente assinar vai virar mero morador das comunidades. O general nos pressionou, dizendo que os nossos títulos caducaram e que estávamos perdendo dinheiro ao ficar pagando tributos. Quer dizer que estamos dando nossas terras para o Exército?, disse Cunha, que possui um título de terra em Jatuarana que data de 1903. Conforme Doramir Cunha, Jatuarana, Mainã, São Francisco e São Raimundo foram as únicas comunidades que ficaram de fora do programa Luz Para Todos de uma área que abrange um aglomerado de 19 comunidades no total.
A Eletrobrás informou, por meio da assessoria de imprensa, que o programa Luz Para Tdos no Amazonas já atendeu às comunidades da área do Puraquequara até o assentamento Nazaré, conforme rege o contrato do programa até este momento. Um novo contrato, por meio do Governo Federal, vai dar continuidade às ações, previstas para acontecerem ainda este ano (2013) nas comunidades que ainda faltam serem atendidas; entre elas, Jatuarana.
Em setembro de 2011, moradores da comunidade de Jatuarana denunciaram que homens do Exército estiveram no local e, após ameaças, desmontaram casas e benfeitorias de comunitários. Os militares não possuíam autorização e mandado judicial para a ação, se constituindo, portanto, em uma arbitrariedade. Na semana seguinte, os moradores do local apresentaram suas denúncias ao MPF.
Essa disputa territorial como Exército foi objeto de análise de fascículo produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) no âmbito do projeto Nova Cartografia Social (PNCSA).
O Exército e os mapas das instituições oficiais dizem que não existem comunidades naquela área. Que a área foi invadida. O fascículo e o vídeo produzido pelo projeto mostram que o local é ocupado antes do Exército chegar. É o que as populações querem mostrar, destacou Érica Takasono, pesquisadora do NCSA e uma das organizadoras do trabalho.
Segundo Elaíze Farias, a publicação integra a série Movimentos Sociais, Identidade Coletiva e Conflito. Ela foi batizada de Pescadores e Pescadoras, Agricultores e Agricultores do Lago do Puraquequara e Jatuarana: Luta e Garra Contra a Opressão do Exército – À vitória das comunidades ribeirinhas, área rural de Manaus.
Muitos possuem títulos e mesmo aqueles que não possuem têm direito garantido de permanecer no território. O Decreto 6.040 instituiu a Política Nacional de Povos Tradicionais, garante este direito e é reforçado pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que foi ratificado pelo Brasil. O que interessa é o território coletivo. Os trabalhos trazem depoimentos das famílias relatando essa tradicionalidade, comentou Takasono.
O presidente da Associação Comunitária do Mainã, Francisco Matias da Silva, 54, afirmou durante o lançamento que espera que os trabalhos do NCSA ajudem a promover um diálogo melhor com o Exército. Morador de Mainã desde que nasceu, Silva conta que as restrições de acesso a determinadas áreas dificultam a sobrevivência das famílias.
Não podemos viver de agricultura, só da pesca e do extrativismo. Há áreas onde a gente não pode circular porque o Exército diz que é um campo de instrução. Só temos livre acesso às áreas para pescar, disse Silva, que já deu entrada na publicação do MPF/AM para ser anexado a outros documentos que tramitam no órgão.
Paralelamente ao conflito com o Exército, a proposta do Polo Naval continuava a ser promovida pelo Governo do Estado do Amazonas, ameaçando ainda mais a permanência de parte da comunidade em seu território tradicional.
Em agosto de 2012, o projeto foi apresentado a possíveis parceiros privados durante a Navalshore 2012, maior evento da indústria naval do país. O evento reuniu mais de 350 expositores nacionais e internacionais no Rio de Janeiro, e contou com atividades de networking e conferência para fomentar o conhecimento e o intercâmbio entre profissionais do setor.
No dia 23 daquele mês, o Ministério Público Federal entrou com uma ação civil pública contra a União e o Exército Brasileiro para exigir a continuidade do Programa Luz Para Todos nas comunidades de São Francisco do Mainá, Jatuarana e Santa Luzia do Tiririca. A ação teve como base a tradicionalidade das comunidades envolvidas, atestada por documentos antigos e reafirmada pelo material gerado pelo Projeto Nova Cartografia Social (citado pelo MPF na ação). Segundo o MPF, as comunidades citadas cumpriam todos os requisitos para serem atendidas pelo programa, possuindo características muito semelhantes àquelas já atendidas pela União na mesma região. Havia indícios documentados que provavam que o Exército estava condicionando a execução do projeto na região à assinatura dos CDRUS, restando desassistidas aquelas comunidades que se negavam a assinar tais contratos.
Por isso, concluíram os procuradores: O que se verifica é a tentativa de isolamento das referidas comunidades, a fim de que se sintam compelidas a assinar a CDRU em termos que se mostrem apenas às necessidades do Exército, o que se faz por meio de uma indevida associação entre essa regularização e a concretização de um direito fundamental ao uso da energia elétrica em suas residências.
Baseando-se nos fatos narrados e na violação de uma série de direitos das comunidades, o MPF exigiu o provimento de pedido de liminar para obrigar o Exército a deixar de impor obstáculos à execução do programa nas comunidades citadas sob pena de multa de R$ 50 mil por cada ato de obstrução.
Em outubro de 2012, o Governo do Estado do Amazonas publicou no Diário Oficial uma classificação das terras nas comunidades do rio Puraquequara como de interesse social e sujeitas à desapropriação.
Cerca de três meses depois, em janeiro de 2013, após nova denúncia de moradores das comunidades atingidas, o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), através do procurador da república Leonardo Andrade Macedo, resolveu instaurar inquérito civil público para acompanhar o procedimento de licenciamento ambiental do Pólo Naval do Amazonas – PINAM que pretende ser instalado no Rio Amazonas, na região do Lago do Puraquequara-Jatuarana. Para tanto, o MPF requisitou informações junto ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), à Casa Civil do Governo do Estado do Amazonas e à Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA).
No mesmo mês, o deputado Luiz Castro (PPS) agendaria uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas para discutir as denúncias das comunidades e aprofundar os debates em torno dos impactos sociais e econômicos da implantação do Polo Naval. O objetivo é dar oportunidade para que as comunidades tradicionais se manifestem. De acordo com o deputado, nenhum dos líderes comunitários foram ouvidos até agora. Na ocasião, o Ministério Público Federal também abriu novo inquérito para investigar um litígio existente na mesma área entre os comunitários e o Exército Brasileiro. Uma reunião foi realizada para discutir o assunto em 28 de janeiro de 2013. Estiveram presentes representantes das comunidades, os procuradores da República Júlio José Araújo Junior e Leonardo Andrade Macedo, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE/AM), deputado Luiz Castro e membros do movimento SOS Encontro das Águas. A implantação do Programa Luz Para Todos, a regularização fundiária no local e a instalação do Polo Naval em área próxima às comunidades foram os principais temas do encontro.
A partir desta reunião foi firmado acordo entre os presentes para que uma audiência pública fosse realizada em 08 de março daquele ano na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM). Segundo Elaíze Farias, na reunião ficou claro que o que mais intrigava os moradores das comunidades era a forma como as notícias sobre o empreendimento chegavam ao seu conhecimento: pela imprensa, por boletins e por ameaças veladas (segundo eles) de funcionários do governo que realizavam estudos nas comunidades. O Governo do Estado do Amazonas, através da Secretaria Estadual de Planejamento e Desenvolvimento Econômico (Seplan), prometia esclarecer todas as dúvidas e apreensões das comunidades ameaçadas pelo Polo Naval nesta reunião.
Francisco Mateus da Silva, presidente da comunidade São Francisco do Mainã, afirmou a Elaíze Farias que: A gente nunca foi procurado. Soubemos por terceiros, extraoficialmente. Estão falando desse Polo Naval como se não existissem pessoas morando nas comunidades. Por isso que a gente quer, através da audiência, que nossos governantes nos deem uma informação mais concreta. Não somos contra nenhum projeto que traga desenvolvimento para o Estado, mas queremos ser ouvidos também.
Dorair Viana da Cunha, morador de Jatuarana e um dos organizadores da resistência contra a ameaça de remoção da comunidade pelo Exército, diz que, nesse caso, novamente, todos foram pegos de surpresa, mas que os ribeirinhos exigiam participar das discussões sobre o projeto. Até agora nada sabemos direito. Algumas pessoas se dizendo do governo chegam nas casas falando que haverá indenização, que o povo terá que sair, que não sei mais quê. Por que o governo não nos procura para dar explicação? Muita gente está com medo de sair de suas terras. Ninguém quer ir para a cidade, que já está cheia. Queremos continuar aqui. (…) Ao todo, são 19, mas podem ser até mais. Só aqui em Jatuarana tem 24 famílias com título de terra. Como se não bastasse o Exército querer tirar a gente daqui, agora vem esse projeto de Polo Naval. A situação não está nada boa para nosso lado, disse.
Mesmo no legislativo estadual, ainda pairavam dúvidas sobre o projeto. Entrevistado por Farias, o deputado estadual Luiz Castro afirmou: A gente quer entender de que maneira o governo vai implementar o Polo Naval nessa região ribeirinha. Não tem estudo técnico, não há informações sobre o porquê o governo escolheu aqueles lotes. Não sabemos qual vai ser o critério para indenização e porque precisa desapropriar uma área tão extensa. A nossa preocupação é de harmonizar o interesse econômico, que é justo, com a permanência das comunidades tradicionais. Por enquanto, o projeto está muito nebuloso. Me parece que houve precipitação ao se publicar o Decreto e causou mal-estar nas comunidades. Algumas talvez nem sejam atingidas. Uma delas já tem um precedente de conflitos com o Exército. Eles (os ribeirinhos) estão traumatizados. Por isso vamos pedir informações mais claras e que tornem o processo mais participativo.
A audiência foi realizada no plenário da ALEAM e contou com a participação de representantes de 19 comunidades da região do Puraquequara e de diversas instituições e entidades, entre elas o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP/AM), a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE/AM), a Secretaria de Estado de Planejamento (SEPLAN), a Secretaria de Estado de Política Fundiária (SPF), a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o Sindicato da Indústria da Construção Naval de Manaus (Sindnaval), o Movimento SOS Encontro das Águas e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Segundo relato do Ministério Público Federal, durante a audiência pública, as intervenções dos comunitários refletiram a preocupação apresentada anteriormente, se concentrando principalmente sobre a questão das desapropriações e remoções. Além disso, os representantes das comunidades tradicionais defenderam a permanência dos moradores na região do Puraquequara, criticaram a falta de informações sobre o projeto e reivindicaram participação no processo de implantação do polo naval.
Em resposta aos questionamentos dos comunitários, o secretário estadual de Planejamento, Airton Claudino, afirmou que o projeto deveria ser implantado no prazo de dez anos e que não previa a retirada das famílias da área do Puraquequara. Não haverá desapropriação. Não é essa a ideia. Ao contrário, a ideia é que sejam integrados ao polo.
Em sua fala, o secretário afirmou que o Decreto nº 32.875, de 10 de outubro de 2012, que declarou como área de utilidade pública para fins de desapropriação o local onde deverá ser implantado o polo naval, foi feito para evitar a especulação imobiliária na área.
Claudino afirmou que ainda serão feitos vários estudos para subsidiar a instalação do polo naval, incluindo estudos ambientais, de implantação, de viabilidade técnica, de ocupação, geohidrológicos e estudos junto às populações tradicionais. O secretário afirmou também que o grupo de trabalho formado para elaborar o projeto do polo naval, composto por representantes do governo estadual, Suframa, instituições de pesquisa e de financiamento, empresas e trabalhadores que atuam no setor, terá também a participação de comunitários e técnicos especializados.
Ele também afirmou que: Nossa intenção é integrar a comunidade ao projeto. Abrir novas frentes de negócios para os produtores da área, e não esvaziar os nichos de economia que já existem na área. Quem está naquela região a vida inteira, trabalhando, vai continuar lá até quando quiser.
Após a fala do secretário, o presidente da comunidade de São Francisco do Mainã, Francisco Mateus da Silva, demonstrou preocupação com relação à formalização do compromisso assumido pelo secretário estadual de Planejamento quanto à permanência das famílias na área.
Para a representante da Comissão Pastoral da Terra, Marta Cunha, as informações apresentadas pelo governo não tranquilizam as populações tradicionais com o compromisso de mantê-las do local, e sim indicam que os ribeirinhos terão de deixar seus costumes tradicionais para se integrarem ao projeto como operários da indústria naval. Outros representantes comunitários que se manifestaram publicamente durante a audiência pública repudiaram essa possibilidade e afirmaram que querem continuar trabalhando como agricultores, pescadores e produtores rurais.
Segundo relato de Rosianne Couto, da rádio D24 AM, o vice-presidente da comunidade de São Francisco do Mainá, Carlos Augusto Campos, também expressou sua preocupação com a sobrevivência das comunidades tradicionais: O Governo destaca que irá gerar cerca de 30 mil empregos. Será que nosso povo vai ser beneficiado com isso? Essas pessoas querem pessoas qualificadas. Somos pescadores e é disso que sobrevivemos, ressaltou o vice-presidente.
Em maio de 2013, a jornalista Elaíze Farias esteve presente em uma audiência pública realizada na comunidade Puraquequara e relatou que os comunitários, dois meses após a audiência realizada na ALEAM, permaneciam preocupados com as contradições das informações passadas pelos representantes do Estado.
Segundo Farias: Moradores que nasceram nestas comunidades ou que vivem nelas há 60 e até 70 anos estão confusos e angustiados frente à ameaça de terem que deixar suas terras. Ou, caso não seja preciso sair, com a mudança no seu modo de vida. Para isso, decidiram pela organização de cada comunidade para tentar obter informações com mais clareza do governo do Estado sobre as reais consequências do polo naval em suas vidas e no meio ambiente que lhes dá o seu sustento. (…) [na audiência pública do dia 02 de maio] os moradores relataram sua preocupação com os impactos do polo naval e se mostraram encorajados a empreender uma ação social cujos resultados somente o tempo dirá.
Cinco dias antes, em visita realizada com a presença de representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Cáritas Diocesana e com o Valter Calheiros, do Movimento SOS Encontro das Águas, Farias já havia ouvido relatos semelhantes: Durante a visita a Bom Sucesso, fui interpelada por uma moradora que, ao saber que eu era jornalista, perguntou por que a imprensa pouco ou nunca fala deles. Parece que não existe ninguém aqui. Que aqui é só água e terra, me disse ela. Por que eles não fazem essa obra em outra área do rio? Por que não mexem onde vivem os ricos? Querem vir para cá porque só moram ribeirinhos. (…) Também conversei com um senhor de 87 anos, que me disse morar na comunidade Bom Sucesso há 60 anos. Seu receio é ter que ir para a cidade. Vou fazer o que na cidade? Acho que querem que a gente morra, me indagou. Nesta reunião, alguns encaminhamentos foram tirados. Um deles é a criação de um Conselho com representantes de cada comunidade.
Enquanto ainda discutiam as estratégias de resistência ao Polo Naval, os moradores da região acabaram por firmar um acordo com o Exército Brasileiro quanto à disputa fundiária relativa ao funcionamento do CIGS. Após anos de negociação, com intermédio da Advocacia Geral da União (AGU), do Ministério Público Federal (MPF) e da Procuradoria da República no Amazonas, os moradores aceitaram assinar contratos de Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel (CDRUR), nos quais ficaram delimitadas a áreas privativas de cada sítio ou propriedade rural e as áreas reservadas aos exercícios de treinamento do Exército. Ficando acordado ainda que o Exército abriria mão da proposta de remoção das comunidades em troca da garantia de que os moradores permaneceriam fora das áreas militares.
Em 22 de maio, os primeiros documentos foram entregues a 21 famílias da comunidade União e Progresso. A previsão era de que até dezembro daquele ano um acordo semelhante fosse firmado com todas as demais comunidades (Jatuarana, São Francisco do Mainã, São Pedro da Costa do Tabocal e Santa Luzia do Tiririca). Segundo o general Guilherme Cals Theophilo, comandante da 12ª Região Militar, o documento delimitaria os lotes de cada morador e onde os treinamentos seriam realizados.
Dois dias depois, a SEPLAN anunciou o fim da chamada fase técnica do desenvolvimento do Polo Naval e, através de nota à imprensa, anunciou que o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) do empreendimento estariam concluídos até o final de 2013. Na nota, a SEPLAN anunciava que o projeto estava previsto para ser implantado após o Rio Puraquequara, no eixo das comunidades conhecidas como lago do Jacinto e Lago Guajará. A Secretaria também anunciava projetos complementares ao Polo em si.
A nota da SEPLAN também era esclarecedora da aparente sincronia entre o acordo firmado pelo Comando Militar da Amazônia com os comunitários que outrora desejaram expulsar e o anúncio do fim dos estudos técnicos. Segundo a Secretaria, o Exército Brasileiro, mais especificamente o CMA, seria um dos principais clientes do Polo Naval (fato não noticiado até então):
A implantação do Polo Naval vem demandando intervenções em diversas frentes de trabalho. Em outubro de 2012, SEPLAN e SEBRAE lançaram uma campanha voltada para a formalização dos pequenos empresários do setor naval. O programa visa capacitar as empresas do setor para atender as demandas do novo distrito, mais precisamente as encomendas de embarcações para a renovação da frota do Comando Militar da Amazônia (CMA). De início foram regularizadas cerca de 60 empresas, mas a expectativa é que todas as 200 empresas que integram o segmento sejam assistidas pelo programa de formalização, compreendendo as exigências da legislação, sobretudo junto aos órgãos de proteção ambientais.
Em 28 de maio, uma reunião foi realizada na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal para discutir a questão da assinatura dos CDRU pelas demais comunidades envolvidas no conflito. Pela proposta da CDH, o Exército retiraria a ação judicial aberta contra moradores que rejeitam os termos da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) proposta e deixaria de existir o condicionamento da titulação prévia das famílias para acesso ao programa de eletrificação rural (Luz para Todos). A CDH também anunciou a criação de uma comissão especial, que teria prazo de três meses para viabilizar um acordo a ser negociado entre os senadores Capiberibe e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e representantes do Exército, do Ministério Público Federal (MPF), da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), da Advocacia Geral da União (AGU), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e da comunidade local.
Em 24 de junho de 2013, o MPF encaminhou recomendação ao Comando Militar da Amazônia e ao Comando da 12ª Região Militar para que formalizassem, em documento, as diretrizes definidas para a concessão do direito real de uso à população tradicional que habita a comunidade São Francisco do Mainã, localizada à margem esquerda do rio Amazonas, perto da região do Puraquequara, em área do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS). As diretrizes para a regularização fundiária da área foram traçadas a partir de reunião realizada em abril daquele ano, com a participação dos comunitários, do Exército e do MPF.
Dentre as condições que o MPF recomendou constar do documento a ser assinado pelos comunitários estavam o caráter coletivo da concessão do direito real de uso, a transmissão do direito de ocupação das terras aos descendentes dos atuais moradores tradicionais da comunidade São Francisco do Mainã, o livre exercício da pesca para subsistência, o uso dos igarapés Mainã e Mainãzinho e a prévia comunicação de treinamentos militares. O MPF/AM recomendou à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) que promovesse, no prazo de 60 dias, a conclusão do processo de regularização fundiária assim que fossem assinados os requerimentos.
Dois dias depois, o MPF anunciou que o Exército havia acatado suas recomendações. Segundo Elaíze Farias, em reunião realizada no dia 27 de junho, foram firmados os termos do acordo e a entrega das CDRU formatadas nesses novos moldes foi agendada para o dia 20 de julho, na própria comunidade.
Farias afirmou ainda que representantes do Exército fizeram a leitura integral do requerimento a ser assinado pelos moradores e detalharam cada uma das regras de convivência estabelecidas em comum acordo entre militares e comunitários durante as reuniões realizadas.
O procurador da República Júlio Araújo ressaltou o caráter participativo da construção do termo, o que tornou este caso singular, pois a comunidade pôde recusar um formulário previamente elaborado e apresentar suas demandas, as quais, após muitas discussões, foram atendidas pelo Exército. Ele disse ainda que esse modelo de negociação deveria ser adotado para buscar a regularização das comunidades Jatuarana e Santa Luzia do Tiririca.
Para o presidente da Associação Comunitária do São Francisco do Mainã, a realização de um acordo amplamente discutido com os comunitários e todas as partes interessadas é a concretização de um importante passo rumo ao reconhecimento dos direitos das comunidades tradicionais.
O que nós sempre buscamos é justamente esse entendimento justo para todas as partes. Não queremos criar empecilhos para ninguém. Há mais de 40 anos esperamos pelo momento de resolver esse problema e agradecemos por essa abertura de diálogo que trouxe a esse entendimento, disse.
Porém, se a assinatura dos CDRUs participativos afasta um dos focos de conflito na região, a ameaça do Polo Naval ainda permanece como uma incógnita na vida das comunidades da área e um foco de preocupação para todos os ameaçados pelo empreendimento.
Em 02 de maio de 2014, o MPF anunciou que a Justiça Federal havia decidido favoravelmente ao pedido constante em ação civil pública movida pela procuradoria em 2012 e determinou que a União se abstivesse de impor obstáculos à implantação do Programa Luz Para Todos nas comunidades São Francisco do Mainã, Jatuarana e Santa Luzia do Tiririca.
De acordo com nota do MPF, na sentença, a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe ressaltou que a realização de cursos de guerra na selva – com troca de tiros em área próxima às comunidades tradicionais – precisa ser revista e que o fato de a União utilizar uma área da Amazônia, próxima às localidades sub judice, para promover cursos de guerra na selva não possui o condão de transformar a região discutida em área de interesse para a Segurança Nacional, menos ainda de modo a proibir a chegada do Programa Luz para Todos, já deferido e custeado pelo governo federal.
Em 14 de maio, a Companhia de Desenvolvimento do Estado do Amazonas (Ciama) divulgou um edital para licitar a contratação de prestação de serviço técnico especializado de engenharia para elaboração de estudos de caracterização socioambiental preliminar da área destinada à implantação do Complexo Naval.
No dia 28, porém, numa nova conquista judicial da procuradoria, o projeto foi paralisado quando a Justiça Federal no Amazonas, atendendo a ação civil pública movida pelo MPF, determinou, em caráter liminar, a suspensão dos efeitos do decreto, que declarou de utilidade pública áreas para sua implantação. A Justiça determinou ainda a suspensão imediata de todas as medidas referentes ao projeto de implantação do Polo Naval enquanto não fosse realizada consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais ribeirinhas que ivem na região.
Apesar do Estado do Amazonas ter recorrido da decisão, ela foi confirmada pela Justiça Federal ainda em agosto daquele ano. Diante da manutenção da liminar, o MPF iniciou movimentações para viabilizar a referida consulta prévia às comunidades impactadas.
A primeira ação nesse sentido foi a realização de um seminário coordenado pelos procuradores da República Fernando Merloto Soave e Julio José Araújo Junior no dia 30 de agosto de 2014, que reuniu cerca de 90 pessoas, entre comunitários, representantes de movimentos sociais, do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, da Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico (Seplan), da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e do Exército. Na ocasião, o processo de consulta foi explicado e suas diretrizes e procedimentos discutidos com os participantes do evento (Portal Amazônia, 02/09/2014).
Diante dos avanços na luta por direitos das comunidades tradicionais do rio Puraquequara, e da possível discordância das comunidades quanto à sua instalação ali, o Governador do Estado, José Melo, anunciou que estava em estudo a possibilidade de transferência do empreendimento para uma nova área no município de Itacoatiara/AM (A Crítica, 18/10/2014).
Entrevistado pelo portal do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM), o secretário executivo de planejamento da Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico (Seplan), Roney Peixoto, afirmou na época que estava sendo avaliada a questão fiscal, econômica e técnica, além da social e ambiental e depois nós vamos comparar com o projeto do Puraquequara. Além disso, o governo estadual ainda tentava suspender os efeitos da liminar.
Além disso, o secretário tentava minimizar os impactos do empreendimento sobre a vida das comunidades locais: O projeto não tem impactos diretos nas comunidades. Ele não retirará nenhuma comunidade do local. Como impactos indiretos, nós podemos citar que o polo irá gerar fluxo maior de atividade econômica naquela área. Mas esses impactos serão mais positivos, salientou na época.
Este tipo de estratégia é bastante comum em casos de conflitos ambientais, e é conhecida no campo da sociologia ambiental como transferência de risco. Pois, geralmente, empreendedores ou o Estado, quando pretendem viabilizar empreendimentos socioambientalmente degradantes, apostam na fragilidade política dos povos e comunidades ameaçados. Quando estes se organizam, resistem e passam a impedir a sua implantação, impondo obstáculos políticos ou econômicos, então passa-se a se buscar novos territórios onde a organização política local seja menor – ou seja, onde a vulnerabilidade socioambiental seja mais profunda -, para que se possa transferir o empreendimento e evitar arcar com os altos custos econômicos de adequá-los às exigências ambientais e sociais.
Tal proposta recebeu reação de políticos da capital. Em novembro de 2014, a Prefeitura de Manaus divulgou que o prefeito Arthur Virgílio Neto estava em negociações com o governador para manter o empreendimento no município.
Enquanto o impasse permanecia, empresas que pretendiam se instalar no Polo Naval começaram a fazê-lo em outros municípios da Região Metropolitana de Manaus. Segundo o portal do SINAVAL (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore), o Estaleiro Rio Negro (ERIN) foi a primeira empresa a anunciar a desistência de instalação em Manaus e a transferência de sua nova planta produtiva para Iranduba. O mesmo destino teria os estaleiros Juruá e Prates. Com a migração das empresas, a viabilidade economica do Polo Naval de Manaus também estava em xeque.
Enquanto isso, o imbróglio judicial permanecia. Em junho de 2015, mais um recurso do Governo Estadual foi julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, e novamente os efeitos da liminar concedida ao MPF foram mantidos.
Cronologia:
1960: Governo do Estado do Amazonas doa área próxima ao rio Puraquequara ao Centro de Instrução de Guerra na Selva.
1997: Exército se instala próximo a comunidade de Jatuarana.
2006: ITEAM inicia estudos para definição do local de instalação do Polo Naval de Manaus e seu projeto básico.
Abril de 2009: DNIT anuncia apoio do Governo Federal ao empreendimento.
Novembro de 2009: Comunidades do baixo Rio Negro divulgam nota repudiando ameaças do Exército Brasileiro a comunidades do rio Puraquequara e outras comunidades da bacia.
Novembro de 2010: ITEAM e SPU propõem a comunidades acordo para concessão de CDRUs relativas às suas terras e acordo para estabelecer convivência com o Exército e os treinamentos militares.
Abril de 2011: Representantes das comunidades do rio Puraquequara denunciam tentativas do Exército Brasileiro em condicionar o acesso ao programa Luz Para Todos à assinatura do acordo proposto no ano anterior.
Setembro de 2011: Exército destrói casas e benfeitorias na comunidade de Jatuarana. Denúncias são encaminhadas ao MPF.
Janeiro de 2012: Projeto Nova Cartografia Social (PNCSA/UFAM) lança fascículo sobre o conflito.
Agosto de 2012: Governo do Amazonas apresenta empreendimento para possíveis parceiros privados durante a Navalshore 2012 no Rio de Janeiro.
23 de agosto de 2012: MPF move ação civil pública contra o Exército Brasileiro para exigir continuidade do Programa Luz Para Todos na região conflagrada.
10 de outubro de 2012: Decreto 32.875 do Governo do Estado do Amazonas declara terras nas comunidades do rio Puraquequara como de interesse social e sujeito a desapropriação.
Janeiro de 2013: MPF/AM instaura inquérito civil público para investigar possíveis danos às comunidades ameaçadas pelo Polo Naval.
28 de janeiro de 2013: MPF e ALEAM realizam reunião com representantes das comunidades atingidas.
08 de março de 2013: MPF e ALEAM realizam audiência pública para discutir preocupações das comunidades em torno do Polo Naval.
28 de abril de 2013: CPT, Cáritas Diocesana e Movimento SOS Encontro das Águas realizam visita e reunião com ribeirinhos, pescadores e produtores rurais das comunidades atingidas.
02 de maio de 2013: MPF realiza audiência pública em comunidade afetada.
22 de maio de 2013: Primeiras comunidades recebem documento firmando Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel (CDRUR) com a União, pondo fim à disputa territorial com o Exército Brasileiro.
24 de maio de 2013: SEPLAN anuncia fim de estudos técnicos do Polo Naval.
28 de maio de 2013: CDH/Senado discute fim do condicionamento do Programa Luz Para Todos nas comunidades envolvidas no conflito, objeto de ACP do MPF no ano anterior, à assinatura dos CDRU.
24 de junho de 2013: MPF encaminha recomendação ao Comando Militar da Amazônia e ao Comando da 12ª Região Militar para que formalizem, em documento, as diretrizes definidas para a concessão do direito real de uso à população tradicional que habita a comunidade São Francisco do Mainã, localizada à margem esquerda do rio Amazonas, perto da região do Puraquequara, em área do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS).
26 de junho de 2013: Exército Brasileiro acata recomendação do MPF.
02 de maio de 2014: Justiça Federal garante acesso das comunidades São Francisco do Mainã, Jatuarana e Santa Luzia do Tiririca ao programa Luz Para Todos.
14 de maio de 2014: CIAMA divulga edital para licitar estudos de caracterização socioambiental preliminar da área destinada à implantação do Complexo Naval.
28 de maio de 2014: Justiça Federal no Amazonas determina suspensão dos efeitos do decreto que declarou de utilidade pública áreas para implantação do Polo Naval.
26 de agosto de 2014: Justiça Federal nega provimento ao recurso do Estado do Amazonas e mantém efeitos da liminar concedida em maio.
30 de agosto de 2014: MPF realiza seminário para discutir processo de consulta prévia às comunidades com todos os interessados.
18 de outubro de 2014: Governador do Estado do mazonas, José Melo, anuncia estudos para avaliar transferência do Polo Naval para o município de Itacoatiara.
Novembro de 2014: Prefeitura de Manaus anuncia negociações para manter o empreendimento no município.
12 de junho de 2015: TRF1 julga novo recurso contra liminar que suspende instalação do Polo Naval de Manaus e decide pela manutenção da decisão.
Última atualização em: 27 jun. 2015.
Fontes
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