SP – População da periferia de São Paulo sofre com o descompromisso de políticas públicas e administração voltada para a exclusão

UF: SP

Município Atingido: Vargem Grande Paulista (SP)

Outros Municípios: Arujá (SP), Barueri (SP), Biritiba-Mirim (SP), Caieiras (SP), Cajamar (SP), Carapicuíba (SP), Cotia (SP), Diadema (SP), Embu-Guaçu (SP), Ferraz de Vasconcelos (SP), Francisco Morato (SP), Franco da Rocha (SP), Guararema (SP), Guarulhos (SP), Itapecerica da Serra (SP), Itapevi (SP), Itaquaquecetuba (SP), Jandira (SP), Juquitiba (SP), Mairiporã (SP), Mauá (SP), Mogi das Cruzes (SP), Osasco (SP), Pirapora do Bom Jesus (SP), Poá (SP), Ribeirão Pires (SP), Rio Grande da Serra (SP), Salesópolis (SP), Santana de Parnaíba (SP), Santo André (SP), São Bernardo do Campo (SP), São Caetano do Sul (SP), São Lourenço da Serra (SP), São Paulo (SP), Suzano (SP), Taboão da Serra (SP), Vargem Grande Paulista (SP)

População: Moradores em periferias, ocupações e favelas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Poluição de recurso hídrico

Danos à Saúde: Acidentes, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal

Síntese

Há décadas existem conflitos pela ocupação do espaço urbano na metrópole paulista. Porém, nos últimos anos, estão ocorrendo ações de remoção violenta que levam à remoção compulsória de populações pobres dos seus territórios. Esse deslocamento perverso pode se dar por razões políticas, de mercado e levam até à de ?limpeza? para preservação ambiental de áreas que passam a ser valorizadas para outros usos. Os excluídos constituem uma população vulnerável, condicionada tanto pela precariedade urbanística, quanto pela irregularidade administrativa e patrimonial.

Contexto Ampliado

Impulsionado pela migração de um vasto contingente de pobres, durante décadas, o movimento sócio-territorial que urbanizou São Paulo, ocorreu sob a égide de um modelo de desenvolvimento urbano que privou pessoas menor renda de condições básicas de urbanismo e de inserção à cidade. Como explica Raquel Rolnik, em toda grande cidade brasileira existem famílias e domicílios instalados em favelas, loteamentos irregulares, loteamentos clandestinos e outras formas de assentamentos marcados por alguma forma de precariedade urbanística e irregularidade administrativa e patrimonial. Esta situação é particularmente dramática na metrópole paulista.

Excluídos do marco regulatório e dos sistemas financeiros formais, os assentamentos precários foram autoproduzidos por seus próprios moradores com os meios que se encontravam à sua disposição: salários baixos, insuficientes para cobrir o custo da moradia, falta de acesso aos recursos técnicos e profissionais, e terras rejeitadas ou vetadas pela legislação ambiental e urbanística para o mercado imobiliário formal. Assim, em terrenos frágeis ou áreas não passíveis de urbanização, como as encostas íngremes e as várzeas inundáveis, além das vastas franjas de expansão periférica sobre as zonas rurais, vai sendo produzida a ?cidade fora da cidade?, desprovida das infraestrutura, equipamentos e serviços que caracterizem a urbanidade.

Para Rolnik, ao delimitar as fronteiras que separam os regulares/formais dos irregulares/informais, o modelo de exclusão territorial que define a cidade é muito mais do que a expressão das desigualdades sociais e de renda, funcionando como uma espécie de engrenagem de uma máquina de crescimento que, ao produzir cidades, reproduz desigualdades. Em uma cidade dividida entre a porção rica, legal e infraestruturada e a porção pobre, ilegal e precária, a população em situação desfavorável acaba tendo muito pouco acesso às oportunidades econômicas e culturais que o ambiente urbano oferece.

Historicamente, a metrópole paulista vem passando por transformações que só agravam a desigualdade. Enquanto o centro expandido perdeu população suficiente para compor uma cidade do porte de Santos, a periferia incha o equivalente a Guarulhos. Segundo o Seade, entre 1996, o primeiro ano com números disponíveis, e 2007, a base mais recente, o centro expandido, que abrange os bairros de alto poder aquisitivo, como Moema, perdeu 441 mil pessoas. Nesse mesmo período, os extremos de São Paulo, onde estão as regiões mais pobres, como o Grajaú, ganharam cerca de 1,23 milhão de moradores. Ao mesmo tempo, a população de cidades como Barueri, Vargem Grande Paulista e Santana de Parnaíba, que concentram condomínios de luxo na Grande São Paulo, quase dobrou no mesmo período.

O fenômeno tem nomes: urbanização dispersa ou espraiamento da ocupação. Ou seja, a cidade se expande para onde não deveria crescer. O tema gera preocupações em aspectos como a distribuição de água, a coleta de lixo e o transporte público – serviços mais difíceis (e caros) nesse ambiente mais fragmentado do que a cidade tradicional. Além disso, especialistas apontam implicações mais amplas e preocupantes, como a ocupação de áreas de mananciais e o uso intensivo do carro.

Em simultâneo com estas transformações, registra-se um ?discurso da desordem urbana?, sugerindo que a ocupação de determinados espaços por favelas e assentamentos irregulares é responsável por uma série de transtornos, danos ambientais, aridez urbana, poluição visual e criminalidade. Porém, a chamada desordem urbana configura a ordem espacial própria do capitalismo brasileiro de baixos salários, que nunca computou o custo da moradia na remuneração regularmente paga.

Contudo, por trás da capa ideológica da desordem urbana, radicalizam-se práticas de especulação e valorização da terra, associadas à retomada das remoções nas políticas urbanas. Tais práticas são justificadas, entre outros motivos, pelos novos eixos de centralidade, pelos processos de renovação urbana e pela recuperação ambiental. Historicamente, essas práticas estão associadas ao aumento dos níveis de segregação e da concentração espacial da pobreza/riqueza com todas as suas consequências.

A exclusão social não é passível de mensuração, mas pode ser caracterizada por indicadores como a informalidade, a irregularidade, a ilegalidade, a pobreza, a baixa escolaridade, o oficioso, a raça, o sexo, a origem e, principalmente, a ausência de cidadania. Como afirma Pedro Demo, a carência material é a face externa da exclusão política. Ser pobre não é apenas não ter, mas sobretudo ser impedido de ter.

Nas duas últimas décadas, não faltam exemplos de conflituosas remoções na cidade de São Paulo. As transformações sócio-econômicas do eixo da Marginal do rio Pinheiros constituem um caso representativo desta problemática. De acordo com Mariana Fix, essa região está se transformando num grande eixo de negócios e consumo, cercado nos dois lados por bairros residenciais de alto padrão. A realização desse projeto, chamado de ?Nova Cidade? e fortemente apoiado pelo Estado, requereu com remoção das favelas do córrego Água Espraiada, em especial a favela Jd. Edith, na Avenida Luís Carlos Berrini, e o deslocamento da população de classe média para as obras de extensão da Avenida Faria Lima. Os movimentos sociais de oposição contra a chamada ?nova cidade? tiveram poucas chances contra a parceria entre Estado e capital financeiro. ?Nova Cidade? é um dos muitos exemplos de uma política pública que empurrou os favelados para novas ocupações clandestinas.

Ao todo, são 19 favelas da Região do rio Pinheiros que estão passando por processos de remoção, a favela Real Parque ? núcleo Vila Nova – foi alvo no dia 11 de dezembro de 2007 da ação direta da polícia com o objetivo da desocupação imediata da área. A reintegração de posse foi concedida à EMAE ? Empresa Metropolitana de Águas e Energia, e efetuada de forma rápida pela polícia. Localizada na Marginal Pinheiros, ao lado da Ponte Estaida Otavio Frias de Oliveira e no eixo de valorização do bairro Real Parque, a desocupação ganhou espaço significativo na mídia. A retomada das remoções nessa região foi o estopim para debates sobre a propriedade privada, ?invasão?, com forte tom de criminalização da pobreza.

Outros casos similares são:

.Jardim Panorama: um condomínio fechado, de alto luxo, pressiona os moradores para que saiam da região. Moradores protestam, pois querem ficar em suas casas,

.Jardim Edith: A Prefeitura de São Paulo pretende remanejar os moradores para outras regiões, pagando indenização. Pretende estimular a vinda de empresas e condomínios de luxo. A maioria das famílias protesta, exigindo a urbanização da favela,

. Paraisópolis: O governo municipal pretende urbanizar a favela, sem uma política de geração de renda para os moradores. Assim, os mais pobres, sem condições de custear a habitação em uma região valorizada, vão ser progressivamente expulsos,

.Condomínio Vargem Grande de Parelheiros: 40 mil pessoas em unidade de conservação e com projeto de remoção e urbanização proposto pela Prefeitura de São Paulo. O loteamento foi feito, nos anos 80, para receber famílias desalojadas de áreas urbanas da região da Avenida Berrini. Não tem saneamento básico, não tem asfalto e os aparelhos públicos foram conseguidos através da influência de políticos de ocasião.

A transferência de famílias de baixa renda que vivem em favelas, cortiços e ocupações em áreas nobres da cidade para bairros periféricos sem oferecer infraestrutura tem sido prática da gestão municipal dos prefeitos. De acordo com Kazou Nakano, urbanista do Instituto Pólis, com ?o boom imobiliário, e o crescimento da indústria da construção civil, o processo de disputa pela terra urbana tornou-se mais acirrado e conflituoso. Essas reintegrações de posse e remoção de famílias estão sendo feitas para valorizar as áreas de interesse do capital imobiliário?, aponta. Assim, explica Nakano, ?a política habitacional do município tem sido ineficaz e descomprometida com os direitos sociais, com o direito à cidade.

Ao longo de 2009, tanto a imprensa corporativa quanto a alternativa, tem registrado ? embora com diferentes narrativas ? os eventos de violência que acompanham as remoções de população pobre na metrópole paulista.

– Em janeiro, durante uma remoção de moradores de um terreno na Cidade A.E. Carvalho, na Zona Leste de São Paulo, atearam fogo nos barracos em protesto à ação policial.

– Em agosto, cerca de duas mil pessoas que moram no acampamento Olga Benário (Frente de Luta por Moradia – FLM) desde 2007 enfrentaram as forças policiais que cumpriam um mandato de reintegração de posse do terreno no Capão Redondo, na zona sul da capital paulista. Três pessoas foram detidas.

Além do FLM, outro importante movimento social atuante nesta problemática é o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que estabeleceu um acampamento João Cândido em Itapecerica da Serra, na grande São Paulo, além de atuar no reaproveitamento de prédios abandonados para moradias populares no casco cêntrico da cidade. De acordo com dados da própria prefeitura, há em São Paulo cerca de 400 mil prédios desocupados. Uma situação que confirma a supremacia do direito à propriedade dos proprietários sobre o direito à saúde, à assistência social e à moradia digna da população brasileira.

A Secretaria Municipal de Habitação anunciou que nos próximos 16 anos pretende urbanizar todas as 1.595 favelas da cidade. Desde 2005, oito foram urbanizadas e outras 36 estão em obras, segundo a secretaria. Segundo a secretaria, o Programa de Urbanização de Favelas da prefeitura investirá, neste e nos próximos três anos, R$ 1,7 bilhão – sendo R$ 824 milhões do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), R$ 482 milhões da prefeitura e o restante do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano do Estado de São Paulo) e da Sabesp. Há casos, porém, em que a urbanização é parcial. Segundo matéria publicada no Folha de São Paulo (2008), em certas favelas, cujas obras já são consideradas completas pela prefeitura, ainda é possível ver famílias em barracos de madeira, muitas vezes escondidos atrás de fachadas de concreto.

É importante frisar que as relações entre Estado e capital imobiliário e financeiro são os principais orientadores dos processos de valorização e de desvalorização, da formação das novas centralidades e dos eixos de expansão urbana. A dinâmica urbana é marcada pelos planos urbanos promovidos pelos organismos estatais, mas também pelas leis do mercado, que regulam a ocupação do solo numa estrutura informal de poder. Como alerta Ermínia Maricato a lei de mercado precede a lei ou norma jurídica do Estado. A hegemonia dos setores dominantes é reforçada através da criminalização dos movimentos sociais.

Última atualização em: 25 de fevereiro de 2010

Fontes

Arantes Otília, Vainer Carlos e Maricato Ermínia. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. 3a edição, Petrópolis: Vozes, 2002.

Centro expandido perde “uma Santos” em 11 anos – Folha de S. Paulo ? Disponível em LINK

DEMO, Pedro. Pobreza política. In: Papers. São Paulo, Fundação Konrad Adenauer-Stiftung, 1993.

Falta moradia. E há 400 mil prédios vazios – O Estado de S. Paulo – Disponível em LINK

Fix Mariana. Parceiros da Exclusão. Duas histórias de construção de uma ?nova cidade? em São Paulo: Faria Lima e Água Espraiada. São Paulo, Boitempo, 2001.

Gama Torres, H., Marques E., Ferreira M e Bitar S. Pobreza e espaço: padrões de segregação em São Paulo ? Disponível em LINK

Maricato Ermínia – Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. – São Paulo: Hucitec, 1996 ? Disponível em LINK

Marques EC., Gama Torres H. – Pobreza e distribuição espacial de grupos sociais na metrópole de São Paulo – Disponível em LINK

Moradores protestam contra reintegração de posse em São Paulo ? Disponível em LINK

MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto ? Disponível em LINK LINK

Polli, Simone Aparecida. O discurso da desordem urbana: entre a preservação e a remoção. IV Encontro Nacional da Anppas ? Brasília – junho de 2008. Disponível em LINK

Prefeitura afirma que urbanizar todas as ocupações leva 16 anos – Folha de S. Paulo ? Disponível em LINK

Prefeitura de São Paulo expulsa pobres de áreas nobres da cidade ? Disponível em LINK

Raquel Rolnik. A lógica do Caos ? 2008 ? Disponível em LINK

Reintegração de posse afeta duas mil pessoas em São Paulo ? Disponível em LINK

Reintegração de posse pode desabrigar três mil acampados em São Paulo ? Disponível em LINK

Sem-teto tentam reverter reintegração de posse na Grande São Paulo ? Disponível em LINK

Três pessoas são presas durante reintegração de posse em São Paulo ? Disponível em LINK

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *