Com 38,7 mil hectares de terras em disputa, povo Avá-Canoeiro luta pela conclusão do processo de homologação de seu território, demarcado desde 1996
UF: GO
Município Atingido: Colinas do Sul (GO)
Outros Municípios: Campinaçu (GO), Cavalcante (GO), Minaçu (GO), Santa Tereza de Goiás (GO)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas, Pecuária
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Incêndios e/ou queimadas, Pesca ou caça predatória, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal
Síntese
Os Avá-Canoeiro estão divididos em duas famílias. Uma delas, localizada na bacia do rio Araguaia, no Estado do Tocantins, dispersa em duas aldeias na Ilha do Bananal: Aldeia Canuanã, próxima ao município de Formoso do Araguaia (TO), e Aldeia Boto Velho, a 60km da cidade Lagoa da Confusão (TO). A outra família está presente na bacia do rio Tocantins, no Estado de Goiás, entre os municípios de Colinas do Sul (GO) e Minaçu (GO).
Segundo aponta o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), essas duas parcelas dos Avá-Canoeiro foram separadas há mais de 160 anos, o que resultou em destinos e conflitos distintos, além de terem se diferenciado em termos étnicos, linguísticos e culturais.
A parcela que habita o estado do Tocantins, na região da bacia do Araguaia, não possui terra indígena própria e há anos luta pela demarcação da Terra Indígena (TI) Taego Ãwa, declarada como de posse permanente em 2016 pelo Ministério da Justiça (MJ), mas ainda não demarcada. Enquanto isso, os Avá-Canoeiro de Araguaia vivem em aldeias do povo Javaé, com o qual mantêm uma relação conflituosa; na aldeia Boto Velho, dentro da TI Inãwebohona; e na TI Parque do Araguaia, nos municípios de Formoso do Araguaia, Lagoa da Confusão, Sandolândia e Pium (CIMI, 2016).
Já os Avá-Canoeiro que residem no território goiano, objeto deste relato, vivem em terras próprias, nos limites da TI Avá-Canoeiro, embora seu território tenha sido interditado em 1985 e ainda se encontre em processo de homologação. Há informações de que há outros dois grupos de Avá-Canoeiro ainda não contatados pela Funai. Um deles provavelmente se desloca pela região serrana dos formadores do alto Rio Tocantins (GO), e o segundo deve habitar o norte da Ilha do Bananal (TO), no interior da TI Parque do Araguaia (ALVES et al, 2016).
O povo indígena Avá-Canoeiro residente no estado de Goiás ocupa uma área de aproximadamente 38 mil hectares demarcada pela então Fundação Nacional do Índio (Funai, hoje Fundação Nacional dos Povos Indígenas), em 1996. A TI Indígena Avá-Canoeiro situa-se entre os municípios de Minaçu e de Colinas do Sul, tendo a sua maior parcela territorial dentro dos limites deste último município (55,56%, segundo dados publicados pelo Instituto Socioambiental).
Ela foi identificada no final dos anos 1940 pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e a etnia Avá-Canoeiro foi oficialmente reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) durante a Ditadura Militar, mais especificamente em 1983, momento a partir do qual os indígenas começaram a reivindicar seus direitos territoriais. Apesar de demarcada em 1996, sob os auspícios dos direitos originários reconhecidos pela Constituição Federal de 1988, a TI Avá-Canoeiro ainda não foi homologada, gerando uma situação de insegurança e incertezas quanto à reprodução social e física desse povo indígena ainda nos dias de hoje.
Os conflitos envolvendo situações de injustiça ambiental e saúde sofridos por esse povo de reduzido número, já que atualmente existem apenas oito descendentes da etnia vivendo na área da TI Avá-Canoeiro, ameaçam sua sobrevivência e os aproximam da extinção.
O principal e mais contundente conflito que o grupo enfrentou nas últimas décadas foi a construção da represa e o enchimento do lago da Usina Hidrelétrica (UHE) Serra da Mesa, de propriedade da Furnas Centrais Hidrelétricas S. A. Anos mais tarde, os Avá-Canoeiro foram atingidos pela UHE Cana Brava, que barra o mesmo Rio Tocantins, abaixo da UHE Serra da Mesa. Mais detalhes sobre o conflito referente a UHE Cana Brava podem ser lidos neste Mapa em: https://bit.ly/3YORJjI.
Entretanto, ao longo das décadas, a nação indígena Avá-Canoeiro vem sendo atingida por inúmeros casos de violação de seus direitos, que passam pela ausência e negligência do poder público (na figura da própria Funai e de outras agências governamentais, como a Fundação Nacional de Saúde – Funasa), até a ação indiscriminada de saque e roubo de madeira e outros recursos naturais dentro de suas terras tradicionais.
Em 2004, a exploração ilegal madeireira e de minerais foi denunciada pela administração regional de Goiás, além da pesca predatória em suas terras. Investigações da Polícia Federal (PF), da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) levaram ao envolvimento de madeireiros, pescadores e garimpeiros nos crimes ambientais.
No caso da UHE Cana Brava, o Ministério Público Federal (MPF) acatou as denúncias de que a construção da barragem não cumpriu com a legislação ao deixar na área inundada a mata original. Isso causou, entre outros problemas, o apodrecimento da água, comprometendo a reprodução da fauna aquática represada no lago artificial e a utilização do pescado como fonte de alimentos para a comunidade indígena, bem como para as demais comunidades que vivem da pesca na região do entorno da represa.
Com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República e conforme anunciado pelo próprio Governo Federal em janeiro de 2023, vários processos de homologação de terras indígenas paralisados serão, enfim, executados. Conforme previsão do próprio governo, é possível que a TI Avá-Canoeiro seja homologada até o mês de abril de 2023, reconhecendo, enfim, a legitimidade do pertencimento desse povo – que virou poesia na composição “Canoa canoa”, de Milton Nascimento – ao seu território tradicional.
Contexto Ampliado
De acordo com estudos etnográficos e historiográficos compilados pelo portal Povos Indígenas do Brasil (PIB), mantido pelo Instituto Socioambiental (ISA), há controvérsias em relação à origem do povo indígena Avá-Canoeiro. Algumas versões alegam que os Avá-Canoeiro remontam aos grupos Carijó (denominação genérica atribuída pelos colonizadores aos diversos grupos Guarani do Sul do país) de São Paulo, levados para Goiás entre 1724 e 1726 pela bandeira de Bartolomeu Bueno a fim de auxiliar na defesa contra os indígenas nativos da região e para trabalhar como mão de obra forçada na mineração.
Após o fim da bandeira, os Avá-Canoeiro permaneceram no território, dessa vez como grupo autônomo; porém, estudos etnolinguísticos apontam uma afinidade entre os Avá-Canoeiro e grupos Tupi-Guarani amazônicos. A separação entre os grupos do Araguaia e do Tocantins significou o desenvolvimento de diferenças nos dialetos entre esses dois grupos. O linguista Ayron Rodrigues, conforme publicado pelo Instituto Socioambiental, concluiu que a língua dos Avá-Canoeiro estaria mais próxima dos povos Tapirapé, Asurini do Tocantins, Suruí do Tocantins, Parakanã, Guajajara e Tembé, que são povos de família tupi-guarani mais setentrionais, quando comparados aos Guarani do Sul e Sudeste.
Historicamente, os registros apontam o rio Tocantins e seus afluentes como principais áreas de ocupação da etnia. Entretanto, a partir de 1820, os Avá-Canoeiro passam a ser encontrados não apenas nos rios, mas também nas altas montanhas entre o rio Maranhão e os povoados de Santa Tereza e Amaro Leite; além disso, também há registros de ocupação em algumas aldeias no rio Cana Brava e outros lugares.
Segundo o portal PIB, os Avá-Canoeiro continuaram suas relações hostis com a população regional, fazendo com que diversos governos da Província dirigissem contra o grupo inúmeras expedições oficiais. Sua localização era crucial na incipiente ocupação do território goiano naquele período, já que ficavam em plena área de expansão da pecuária e em meio à rota de contato (o rio Tocantins) que ligava os dois mais importantes polos de desenvolvimento regional: a capital da província, Vila Boa, e o Porto Real, hoje Porto Nacional.
Como consequência, os Avá-Canoeiro se dispersaram por um vasto território, desde os sopés da serra Dourada até o interior e leste da Ilha do Bananal. Separados, os grupos do Araguaia e do Tocantins passaram a ter histórias diferenciadas.
Ainda segundo o PIB, os grupos do alto Tocantins permaneceram, entre 1940 e 1998, nos municípios de Santa Tereza, Cavalcante e Campinaçu, todos no estado de Goiás. Nesse período, prosseguiram os conflitos armados com fazendeiros e demais ocupantes da região.
A primeira frente de contato oficial com esses grupos iniciou seus trabalhos por volta de 1946, com a fundação, pelo CNPI (Conselho Nacional de Proteção ao Índio), do Posto Canoeiro na serra das Trombas, na região do rio Cana Brava. A frente construiu estradas, alegou manter contatos visuais com indígenas, iniciou a entrega (supostamente bem-sucedida) de brindes, mas não conseguiu estabelecer nenhum contato mais concreto com os Avá-Canoeiro.
Os trabalhos da frente de atração foram encerrados em 1950, sendo retomados somente em 1969, após conflitos entre indígenas e fazendeiros em torno da posse de gado – aqueles estariam abatendo os animais nas fazendas para consumo próprio. A Funai não conseguiu estabelecer contato com os indígenas e, neste ínterim, os fazendeiros passaram a contratar jagunços para “caçá-los” e “manter a área limpa” – eufemismos que escondiam o massacre dos Avá-Canoeiro.
Como consequência, os indígenas abandonaram diversas aldeias, como as dos córregos Jacira, Descobertas, Limeira, Boa Nova e Abaixo. Na mesma época, a aldeia da Mata do Café foi atacada e dizimada por fazendeiros. Cerca de 15 pessoas foram mortas e seus corpos incendiados junto com suas malocas.
Em 1983, cerca de 14 anos após o estabelecimento da segunda frente de atração, a Funai finalmente estabeleceu seu primeiro contato oficial com a etnia. Segundo o PIB, um grupo Avá-Canoeiro remanescente da aldeia da Mata do Café, formado por duas mulheres, uma menina e um menino, rendeu-se ao contato com os regionais.
Em 1985, houve avanços nos estudos demarcatórios e ocorreram os primeiros atos de interdição de suas terras, localizadas nos municípios de Minaçu e Cavalcante. A partir dessa época, a Funai, com auxílio da Polícia Federal (PF), começou a monitorar e afastar invasores da área da futura TI. Em agosto de 1988, cerca de 30 garimpeiros foram expulsos da área pela PF.
Os primeiros esforços de identificação e demarcação da população e da terra indígena dos Avá-Canoeiro aconteceram nos anos 1990, sem, entretanto, garantir uma delimitação de seus territórios tradicionalmente ocupados, em decorrência da falta de informação dos agentes do serviço público federal à época.
Atualmente, os Avá-Canoeiro do alto Tocantins encontram-se divididos em dois grupos: o contatado em 1983 vive próximo ao Posto de Atração; o outro grupo, arredio, perambula pela TI Avá-Canoeiro e pelo interflúvio dos rios Preto e Bagagem, nas serras próximas ao rio Maranhão. O ponto de dispersão desse grupo parece ter sido o mesmo dos outros em isolamento voluntário e contatados do alto Tocantins: a Mata do Café e as serras dos municípios de Niquelândia, Cavalcante e Minaçu, ao longo do alto rio Tocantins.
Os primeiros debates acerca dos possíveis impactos da UHE Serra da Mesa sobre o território dos Avá-Canoeiro tiveram lugar em Altamira, em fevereiro de 1989. Como consequência, a União das Nações Indígenas (UNI) decidiu, em abril daquele ano, impetrar um mandado de segurança visando garantir a área da reserva. Ao mesmo tempo, a entidade buscava firmar um acordo com a então Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente de Goiás (hoje, Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás – Semad) e a empresa Furnas Centrais Elétricas S.A .
Em maio de 1989, a Funai entrou na Justiça Federal com um pedido de liminar de reintegração de posse com o objetivo de garantir intervenção policial na retirada de garimpeiros do território. A operação de desintrusão ocorreu em 9 de maio de 1989, quando a PF expulsou de 40 a 100 garimpeiros da região do rio Maranhão.
Em junho de 1989, nova reunião realizada pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente de Goiás serviu para discutir a demarcação da TI. Àquela altura, a extensão e o perímetro da reserva já estavam definidos pela Funai.
No mês seguinte, julho de 1989, nasceu Putjawa, uma das primeiras crianças Avá-Canoeiro nascidas após a aproximação dos indígenas com a Funai em 1983. Com esse nascimento, a etnia passou a contar com 14 indivíduos conhecidos. O nascimento da pequena indígena foi apresentado pela imprensa da época como um símbolo de esperança para a etnia, pois há 18 anos não se registrava o nascimento de uma menina.
Em abril de 1990, diversas entidades sensíveis à causa dos indígenas criaram o Comitê Pró-Avá-Canoeiro, e uma das primeiras ações do grupo foi o encaminhamento de um documento ao Governador do Estado de Goiás na época, Henrique Santillo, pressionando-o a garantir a demarcação da reserva, segundo notícia do Correio Braziliense (1990) republicada pelo Instituto Socioambiental.
Em 4 de fevereiro de 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello assinou o decreto 22, que alterou os procedimentos administrativos para demarcação de terras indígenas no Brasil, estabelecendo a competência da Funai para tal e extinguindo o Grupo Interministerial até então existente..
O decreto também estabeleceu as bases para a participação do grupo indígena interessado no processo de definição da área a ser demarcada, de forma a respeitar suas especificidades culturais e territoriais (BRASIL, 1991). As mudanças reacenderam as esperanças do Comitê Pró Avá-Canoeiro de que o processo administrativo relativo à TI Avá-Canoeiro fosse finalmente concluído.
Em julho de 1993, uma notícia reavivou também as preocupações em relação aos impactos da UHE Serra da Mesa. Visando garantir a continuidade das obras da usina e cumprir um acordo firmado com a então empresa estatal Furnas, a Funai iniciou a busca de um indivíduo isolado da etnia que supostamente estaria vivendo na área do território a ser inundada.
Em abril de 1996, diante da iminente abertura das comportas da UHE Serra da Mesa, foi anunciado que os Avá-Canoeiro remanescentes, reduzidos a apenas seis sobreviventes do massacre da Mata do Café, seriam transferidos de sua aldeia para uma nova, fora da área a ser inundada. Foi estabelecida uma indenização monetária de dois milhões de dólares aos indígenas como compensação, e os recursos deveriam ser utilizados pela Funai para custear programas de preservação da cultura da etnia.
Em outubro de 1996, matéria de Roberto Naves para o Correio Braziliense informava, entretanto, que o represamento do rio Tocantins poderia ser adiado, pois o empreendimento – apesar de ameaçar a integridade do território Avá-Canoeiro e secar áreas exploradas por uma população ribeirinha não-indígena estimada na época em 1.800 pessoas – não contava com estudos de impactos ambientais.
Por este motivo, o procurador da República no Tocantins, Mário Lúcio de Avelar, exigiu a suspensão do fechamento das comportas, previstas para aquele mês, até que tais estudos estivessem concluídos e analisados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A dispensa dos estudos havia ocorrido devido ao fato de que a lei que passou a exigi-los ainda não estava em vigor à época do licenciamento ambiental da usina em 1986.
O juiz federal em Tocantins, Marcelo Dolzany da Costa, atendeu parcialmente aos pedidos do MPF determinando que o Ibama realizasse novo licenciamento do empreendimento sob as regras da época da decisão, mas de forma simplificada, já que um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi descartado pelo magistrado. Até aquela ocasião, a autorização do congresso para a inundação da terra indígena ainda estava pendente.
Em outubro de 1996, o Ministério da Justiça reconheceu a Terra Indígena Avá-Canoeiro, abrangendo parte dos municípios de Minaçu e Colinas do Sul, com superfície de 38 mil hectares, e determinou que a Funai procedesse sua demarcação administrativa para posterior homologação (PEQUENO, 2006:707).
Entretanto, no mesmo mês, o Congresso Nacional autorizou a Furnas Centrais Hidrelétricas S. A. a proceder no aproveitamento hidrelétrico da Serra da Mesa, localizada no Rio Tocantins, exatamente nos trechos dos municípios de Minaçu e Colinas do Sul.
A autorização, prevista pelo Decreto Legislativo nº103/1996, estabelecia que os concessionários de utilização da Usina Hidroelétrica (UHE) Serra da Mesa ficariam obrigados a cumprir e manter integralmente os convênios, ajustes e termos de cooperação celebrados com a Funai, visando a proteção e compensação da etnia Avá-Canoeiro (DL nº103/1996) – segundo aponta Pequeno (2006).
O fechamento das comportas aconteceu em 27 de outubro de 1996. A inundação do lago da represa tomou 10% de seu território, e outros grandes impactos vieram com a construção das estradas de acesso, linhas de transmissão e retirada de material argiloso para as construções da UHE. Em 1997, foi criado o Posto Indígena Avá-Canoeiro, dentro da TI, como compensação pela área inundada das nascentes do Rio Tocantins.
Segundo o jornal o Popular, em janeiro de 1997, um grupo de garimpeiros, atraídos pelo rebaixamento das águas do rio Tocantins, invadiu a área da reserva em busca de ouro na altura dos municípios de Colinas do Norte e Minaçu. A atividade impactava diretamente o território indígena na medida em que as águas estavam sendo contaminadas por mercúrio e estavam sendo abertas clareiras nas matas.
Segundo informações do chefe do posto da Funai veiculadas no jornal O Popular (1997), a Fundação, com apoio do Batalhão da Polícia Federal (BPF), estava realizando inspeções na área para coibir atividades ilegais, mas tais operações estariam sendo dificultadas pelo leito reduzido do rio, já que muitas áreas invadidas apresentavam difícil acesso.
Em reunião na antiga Comissão de Consumidor, Meio Ambiente e Minorias do Congresso Nacional, em fevereiro de 1997, as invasões à reserva foram objeto de debates. A partir de relatório de técnicos da Funai, ficou claro que a questão do garimpo ilegal não era o único problema para o povo Avá-Canoeiro, pois também foram identificadas 58 famílias de posseiros na área, as quais não poderiam ser removidas até que a regularização fundiária e a desintrusão da TI fossem realizadas.
Em abril de 1997, a Furnas anunciou que daria sequência ao acordo firmado com a Funai e adquiriria terras para reassentar os indígenas como forma de compensação pelo território inundado. Tudo dependia apenas da entrega de um relatório da Funai especificando as terras a serem compradas.
Entre as áreas preferenciais para os antropólogos da Funai estavam terrenos que continham as nascentes dos rios que cortam a reserva, principalmente a cabeceira do rio Pirapitinga, perto da nova aldeia. Tais escolhas, segundo a Funai, visavam evitar que as nascentes dos rios fossem contaminadas.
Enquanto isso, havia reiteradas invasões da TI por garimpeiros. Em fevereiro de 1998, nova ação de fiscalização encontrou 11 balsas usadas para o garimpo de ouro dentro da TI. Paralelamente aos esforços para garantir a integridade ambiental do território Avá-Canoeiro, a Funai também realizava ações para garantir a continuidade da existência do povo em si – segundo O Popular (1998), republicado pelo Instituto Socioambiental.
Conforme apontou notícia do Jornal O Popular, a partir de julho de 1999, com apoio do Instituto Goiano de Pré-história e Arqueologia (IGPA) da Universidade Católica de Goiás (UCG), iniciaram-se tentativas de aproximar o grupo de Minaçu de outro que vivia na Ilha do Bananal, no lado tocantinense da fronteira. Esse grupo também se encontrava extremamente reduzido, contando com apenas nove indivíduos. Para tanto, ele foi convidado a conhecer a reserva goiana.
A expectativa dos indigenistas era de que eles pudessem ser atraídos para a TI como forma de fortalecer a etnia. Além disso, os Avá-Canoeiros no Tocantins viviam em terras da etnia Javaé, sendo todos oriundos do grupo expulso da Mata do Café, com os quais historicamente possuíam relações hostis, de forma que viviam precariamente em terras alheias e frequentemente eram objeto de atitudes discriminatórias.
As primeiras tentativas, entretanto, se mostraram infrutíferas. Na visita realizada naquele ano, 1999, os Avá-Canoeiro da aldeia Javaé permaneceram na reserva por apenas cinco dias, talvez devido aos diferentes costumes adquiridos e à distância linguística.
Enquanto o grupo de Tocantins falava principalmente o português, o grupo em Goiás tinha dificuldades com a língua do colonizador, falando principalmente sua língua original; além disso, apesar de pertenceram à mesma etnia, eles advinham de frações historicamente tornadas distantes (O POPULAR, 1999).
O processo de demarcação do território, contudo, sofreu novo revés no final do ano 2000, quando, mesmo após 15 anos do início do processo de desintrusão da reserva, e quando restavam apenas cinco famílias de posseiros na área, um advogado chamado José Paiva de Novaes apareceu alegando ter adquirido terras cedidas por Carlindo Esteves Filho, antigo posseiro, à sua ex-esposa Isabel Natividade Pinheiro por ocasião de sua separação.
Segundo matéria de Marina Oliveira para o Correio Braziliense, o novo posseiro estaria incentivando os remanescentes a permanecerem nas terras, além de ter movido uma ação de manutenção de posse contra a Funai, que alegou na época que a transmissão era ilegal, na medida em que a própria posse de Carlindo foi considerada de má-fé durante o processo de indenização das famílias de posseiros da região.
Em sua defesa pública, divulgada em nota do Correio Braziliense, o advogado alegou que a demarcação da TI Avá-Canoeiro era um subterfúgio utilizado pela própria Funai para reservar a área, de grande beleza cênica, para futuros empreendimentos de turismo ecológico, não sendo a demarcação procedente na medida em que (recorrendo a um argumento hoje em voga no ramo do agronegócio), “haveria muita terra para pouco índio”.
Em março de 2001, o juiz federal Abel Cardoso de Morais cassou liminar e manteve a posse das terras dos indígenas em detrimento das alegações de posse de José Novais. Para o juiz Abel Cardoso não existia qualquer prova digna de credibilidade de que a situação anterior pudesse comprometer a vida ou a saúde das pessoas residentes na fazenda Sono Dourado.
Em 2004, foi denunciada pela administração regional de Goiás a exploração ilegal madeireira e de minerais, além da pesca predatória nas terras. Investigações da Polícia Federal, da Funai e do Ibama levaram ao envolvimento de madeireiros, pescadores e garimpeiros nos crimes ambientais (WOLFF, 2023).
Ainda segundo Wolff (2023), no caso da UHE Cana Brava, o Ministério Público Federal acatou as denúncias de que a construção da barragem não cumpriu com a legislação, como já foi dito, ao deixar na área inundada a mata original. Isso causou, entre outros problemas, o apodrecimento da madeira com a consequente redução do oxigênio da água pela rápida reprodução de microrganismos e espécies vegetais que se alimentam da matéria orgânica decomposta, comprometendo a reprodução da fauna aquática represada no lago artificial e a utilização do pescado como fonte de alimentos para a comunidade indígena e outras que vivem da pesca na região do entorno da represa. Em 2007, o MPF moveu Ação Civil Pública contra as empresas do consórcio da UHE, solicitando a reparação da vegetação não retirada onde hoje se encontra o reservatório.
Em setembro de 2012, reportagem assinada por Wilson Isaías, publicada no Jornal Diário do Norte, denunciava que, apesar dos esforços empreendidos ao longo das décadas anteriores e de serem legalmente beneficiários de grandes recursos financeiros (somente das indenizações oriundas dos impactos da UHE Serra da Mesa foram recebidos mais de US$ 2 milhões), os Avá-Canoeiro ainda permaneciam em situação de miséria, pressionados pela continuidade dos impactos da ação de invasores em suas terras.
Sem uma população numerosa o suficiente para garantir a sustentabilidade de seu extenso território e a autodefesa de suas terras, e sem ações fiscalizatórias do Estado, os Avá-Canoeiro continuavam aguardando a titulação da TI. Ao mesmo tempo, estavam sujeitos à insuficiência na alimentação, dificuldades para obtenção de água potável e a condições precárias de habitação, enquanto fazendeiros, madeireiros, caçadores, pescadores e garimpeiros continuavam a enriquecer e a destruir o seu território com a complacência das autoridades federais. Incêndios provocados pelos pecuaristas seguiam sendo constantes na área.
Apesar de terem direito a R$ 18 mil mensais oriundos das indenizações, a reportagem do jornal Diário do Norte esteve na reserva e encontrou os indígenas se alimentando com arroz e feijão. O chefe Iawi e sua esposa, Tuia, contaram que a Funai fornecia arroz, sal, farinha, açúcar, café, fubá, feijão e carne temperada. Porém, a carne acabava logo ou estragava. Muitos alimentos também perdiam qualidade devido à falta de refrigeração ou acondicionamento ideal.
A reportagem citou ainda que a filha mais nova do casal, Niwatima, na época com 23 anos, e seu irmão Trumak, com 24 anos, revelaram preocupação com as condições das casas onde moravam. Falaram que precisavam de moradias novas antes que chegassem as chuvas, pois tinham medo de que tudo desabasse com o volume de água.
As moradias eram parcialmente cobertas com palha e restos de telhas de amianto. As vigas de sustentação estavam apodrecidas, bem como as paredes de palha. Os indígenas queriam que a Funai construísse três casas num lugar escolhido por eles. Em uma delas, moraria o casal Kaptomayi, sua esposa Niwatima, o filho Paxeo e o cunhado Trumak.
A outra seria para o chefe Iawi e Tuia, sua mãe Matxa, que na época tinha 71 anos, e sua tia Nakuatxa, com 66 anos. Na terceira casa residiria com a Sebastião Pereira dos Santos e sua família, um não-indígena que os auxiliava na roça. Eles queriam também energia elétrica, pois, embora seu território tenha sido impactado por uma usina hidrelétrica, utilizavam lanternas ou velas de parafina para iluminação.
Ademais, os Avá-Cavoeiro seguiam denunciando a grilagem em suas terras. Segundo eles, no jornal Diário do Norte, fazia mais ou menos quatro anos que um homem conhecido por Adão – mas cujo nome verdadeiro seria João – ocupou parte da gleba já desocupada pela União e teria vendido parcelas a três homens: um empresário do ramo de gelos de Goiânia, um capitão, do qual não se sabia a corporação, e um empresário do ramo de turismo, com escritório em Goiânia, Uberlândia-MG e Porto Seguro-BA.
O grileiro Adão (ou João) também continuava na gleba. De acordo com os indígenas, o dono da fábrica de gelo construiu no alto da serra uma casa de alvenaria de 160 metros quadrados e nela instalou um gerador de energia com potência para iluminar uma pequena cidade, móveis, churrasqueira, antena de TV paga e até um veículo adaptado para trafegar por terrenos acidentados. Os invasores garantiam que estavam providenciando escrituras.
O histórico de violência, abandono, massacres e descaso sofridos pela etnia, bem como a fragilidade no acesso a políticas públicas de moradia, alimentação, eletrificação rural, segurança territorial e de saúde, se reflete no histórico de vulnerabilização de seus membros.
Segundo matéria de Danielo Fariello, publicada no jornal O Globo em março de 2013, a matriarca do grupo, Matxa, na época com 73 anos, já não enxergava devido a um quadro de glaucoma. Enquanto isso, seus filhos e netos encontravam dificuldades na manutenção do núcleo familiar, já que a caça, a pesca e a produção agrícola, diferente de seus antepassados, foi impactada pela drástica redução populacional, tendo paulatinamente sido obrigados a abandonar sua dieta tradicional em prol de uma dieta mais pobre, que passou a ser fornecida pelo órgão indigenista.
Este quadro se agravava após décadas de precárias condições de vida, lento extermínio e, paralelamente, fornecimentos periódicos de cestas básicas aliadas à condição de plantio num terreno irregular e pouco produtivo no local onde foram reassentados pela Funai.
Em junho de 2013, foi também divulgado que Iawi, cacique da aldeia, havia sido diagnosticado com câncer no baço e anemia, mas não estava recebendo o devido tratamento. Por isso, a então presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati – em ofício à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) – havia pressionado o Ministério da Saúde (MS) a providenciar seu tratamento, disponibilizando inclusive os recursos financeiros da etnia geridos pela Fundação, haja vista que o tratamento necessário (com o uso do quimioterápico rituximabe) não estava disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). O custo do tratamento era estimado entre 40-50 mil reais.
Segundo Fariello, um dos impedimentos para o acesso ao tratamento, mesmo se financiado com recursos da Funai, seria a resistência dos médicos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), onde Iawi foi atendido, em realizar o procedimento. Para os médicos, o tratamento configuraria privilégio exclusivo do cacique, na medida em que o procedimento não estava disponível para os demais usuários do SUS com as mesmas necessidades de saúde, um argumento que desconsiderava as especificidades do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi) e as regulamentações inscritas na Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena (PNasi).
Por isso, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) havia representado junto ao Ministério Público Federal (MPF) para assegurar judicialmente que o HC-UFG fosse obrigado a realizar o tratamento. Uma alternativa estudada na época seria a transferência do indígena para um hospital em Brasília, mas ela não foi realizada.
Paralelamente, e segundo o Ibama, em notícia de 29 de agosto de 2014, várias operações de brigadistas vinham ocorrendo em áreas florestais no País, com o intuito de evitar a evolução de grandes incêndios, que atingiriam o clímax em setembro daquele ano. Um dos focos de incêndios era a Terra Indígena Avá-Canoeiro, juntamente com uma série de Parques Nacionais e Terras Indígenas que vinham sendo devastadas pelo fogo.
Segundo publicado pelo Ministério Público Federal no Tocantins (MPT/TO) em 16 de junho de 2015, em razão de uma ação civil pública (ACP) proposta pelo MPF, o poder Judiciário condenou a União Federal e a Funai ao pagamento de quatro mil salários-mínimos, referentes a danos morais coletivos, aos integrantes da etnia Avá-Canoeiro.
A proposta era utilizar o valor para a aquisição de terras visando a alocação do grupo indígena até a conclusão do processo demarcatório de seus territórios tradicionais. A sentença também deferiu o pedido de antecipação de tutela, determinando um depósito judicial equivalente a dois salários-mínimos no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00.
A medida considerou a demora de quatro anos de tramitação da demarcação da área tradicional dos Avá-Canoeiro, sem perspectiva de conclusão. A sentença ressalta ainda que “não há como as requeridas União e Funai negarem que desconheciam a situação dos indígenas, pois trouxeram em suas contestações informações precisas sobre a história do grupo, especialmente a partir da década de 1970.”
No dia 04 de abril de 2016, a Funai noticiou que havia nascido o terceiro filho de Niwatima Avá-Canoeiro e Kapitomy’i Tapirapé (conhecido por Parazinho), em Minaçu (GO). A chegada da criança elevou para nove a população indígenas Avá-Canoeiro residentes na TI.
O nascimento foi tratado como algo importantíssimo, dado o desafio dos Avá-Canoeiro diante da vulnerabilidade de terem vivos, durante muitos anos, apenas quatro parentes, os quais resistiram aos massacres históricos e foram contatados oficialmente pela Funai em 1983.
Em 2016, os Avá-Canoeiro eram: uma indígena mais velha Matxa (com idade estimada em 78 anos); Nakwatxa (com 73 anos); Iawi (com 55 anos); e Tuia, de 43 anos. Além dos sobreviventes do massacre, Tuia e Iawi tinham dois filhos (Jatulika, de 29 anos, e Niwatima, de 27 anos) e Niwatima e Kapitomy’i Tapirapé tinham três filhos: Paxeo, de 4 anos, Wiro’i, de 1 ano, e o bebê que acabara de nascer.
Entretanto, o desafio demográfico dos Avá-Canoeiro permanecia, uma vez que um ano depois deste nascimento, após anos lidando com resistências associadas ao seu tratamento contra o câncer, o cacique Iawi, um dos indígenas mais longevos da etnia, morreu em 6 de junho de 2017, no Hospital de Câncer Araújo Jorge, onde estava internado em Goiânia. A informação foi divulgada pela Secretaria de Educação, Cultura e Esporte (Seduce), visto que Iawi, de 56 anos, era aluno da Extensão Avá-Canoeiro Ikatote, localizada na aldeia da TI Avá-Canoeiro, em Minaçu.
De acordo com a Seduce, Iwai estava internado há cerca de dois meses para o tratamento de câncer nos ossos. A Seduce disponibilizou um veículo para transportar o corpo dele até Minaçu, para que os familiares pudessem realizar os rituais funerários. Iawi era considerado um símbolo de resistência à ofensiva de fazendeiros contra a colonização. Com a sua morte, restaram apenas oito indígenas da etnia vivendo na TI no norte de Goiás.
Conforme noticiado pelo Jornal Hora Extra, no dia 15 de maio de 2018, o MPF em Anápolis (GO) ajuizou uma ACP (Inquérito Civil no 1.18.000.001311/2003-57), com pedido de liminar, para que fosse suspensa a licença de funcionamento da UHE Cana Brava, no Rio Tocantins. A ACP foi ajuizada perante a Justiça Federal em Uruaçu (GO) em desfavor da Engie Brasil Energia S.A., da União, do Estado de Goiás, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O MPF identificou uma série de violações a direitos humanos provocadas pela UHE, atingindo povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, garimpeiros, balseiros e agricultores familiares, conforme já havia sido relatado pelo Conselho de Defesa dos Direitos Humanos (depois Conselho Nacional de Direitos Humanos) e por uma auditoria do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O MPF destacou que a usina provocou o alagamento de parte da TI Avá-Canoeiro de forma ilegal, já que a inundação não havia sido planejada durante o processo de licenciamento da obra, e também pelo fato de empreendimentos como este não poderem afetar terras indígenas. Ciente disso, a Funai recomendou ao empreendedor o rebaixamento do nível do reservatório da usina para que não atingisse a TI, o que não foi acatado.
Além da suspensão da licença de funcionamento da usina, o MPF requereu à Justiça Federal a implementação de medidas mitigatórias urgentes em favor da comunidade indígena Avá-Canoeiro, como: a liberação de parcela da terra indígena ilegalmente alagada pelo reservatório do empreendimento; a identificação de todos os grupos sociais impactados pela UHE Cana Brava e o estabelecimento de critérios objetivos para a reparação e mitigação de danos sobre atividades econômicas e modos de vida ocasionados pelo empreendimento (JORNAL HORA EXTRA, 2018).
No dia 25 de junho de 2019, o MPF em Anápolis firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) objetivando resolver a questão da ocupação irregular da área no interior da TI Avá-Canoeiro por um casal de agricultores que havia sido detectada pelo Ibama em abril de 2014.
Segundo notícia republicada pelo blog Combate Racismo Ambiental, o casal de agricultores alegou desconhecer que o local se tratava de uma terra indígena, e disse que utilizava a terra apenas para moradia e subsistência. O MPF firmou o TAC dando um prazo de quatro meses para que houvesse a total desocupação, incluindo a demolição e retirada de estruturas instaladas, como casa, curral e cercas de animais, e impediu o desenvolvimento de outras atividades no local.
Após a desocupação, o MPF realizaria uma vistoria para avaliar o cumprimento do TAC. Visando a total desocupação por outros ocupantes irregulares, foi instaurado um Inquérito Civil na procuradoria da República de Anápolis com o objetivo de retirar não apenas esses, mas outros invasores da TI Avá-Canoeiro.
Entre os dias 8 e 13 de julho de 2019, ocorreu o Encontro Ampliado Avá-Canoeiro, que reuniu integrantes da Terra Indígena Avá-Canoeiro (GO) e indígenas da Terra Indígena Parque do Araguaia (TO) – conforme noticiou a Funai. O evento ocorreu na TI Avá-Canoeiro com o intuito de fortalecer a organização política dos dois grupos, além de viabilizar a preservação da memória, da língua e das cosmologias indígenas.
Com o encontro, os grupos demonstraram interesse em realizar esse diálogo de maneira mais constante, alternando-se a realização do encontro entre o Parque do Araguaia e a TI Avá-Canoeiro. Representada pela Coordenação Técnica Local de Minaçu, pela Coordenação Regional Araguaia Tocantins e pela Coordenação-Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato, a Funai esteve presente no evento colaborando com operações logísticas, além de ter aproveitado a oportunidade para qualificar e atualizar informações socioambientais acerca dos dois grupos (FUNAI, 2019).
Em novembro de 2019, o Jornal O Popular publicou notícia a respeito de um conflito gerado no interior da TI Avá-Canoeiro em decorrência da presença de indígenas de outras etnias residindo no território. Tratava-se de dois indígenas das etnias Tapirapé, do Mato Grosso, e Guajajara, do Maranhão, que teriam sido impedidos de residir no local mesmo tendo relações afetivas estabelecidas com os Avá-Canoeiro.
Antes, a miscigenação havia sido utilizada como alternativa para que o povo não fosse extinto, mas a Funai acabou gerando um imbróglio com a comunidade, alegando problemas entre indígenas de outras etnias, como agressões físicas e influências externas na definição de casamentos. O órgão alegou que a união se deu pelo interesse nos recursos financeiros que os Avá-Canoeiro recebem em decorrência de compensações ambientais pelo alagamento de parte de seu território pelo Lago de Serra da Mesa. A alegação, entretanto, foi descartada por pessoas da comunidade ouvidas pela reportagem do Jornal O Popular (2019), que confirmaram que a união entre os indígenas se dá pela vontade e interesses comuns entre eles, e não por mero oportunismo financeiro.
Os indígenas, por sua vez, reclamaram da separação. A situação foi denunciada para o MPF, que iria apurar se havia alguma interferência por sua presença na comunidade. O MPF, por meio do procurador da República Wilson Rocha, solicitou uma perícia antropológica para analisar o caso.
Conforme anunciado pelo portal Vermelho em 17 de fevereiro de 2023, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva pretende homologar 14 terras indígenas até a segunda semana de abril, além de incluir em portaria declaratória (momento anterior à homologação) outras 25 áreas.
Das 14 áreas listadas, uma delas é a TI Avá-Canoeiro, com extensão de 38,7 mil hectares, incluída no início de fevereiro na lista das terras que há anos aguardam por homologação, mas cujos processos seguem paralisados. Mesmo com indícios de que a gestão federal de Lula (2023-2026) buscará pôr em andamento processos de demarcação e homologação de terras indígenas, inclusive dada a criação inédita de um Ministério dos Povos Indígenas (MPI), conduzido pela indígena Sonia Guajajara (PSOL), a ação enfrentará grande resistência dos grupos ruralistas e do agronegócio, segundo apontou o portal Vermelho (2023).
Atualizada em março de 2023.
Cronologia
1724-1726 – Grupos Carijó, originalmente de São Paulo, são levados para Goiás pelo bandeirante Bartolomeu Bueno.
1820 – Grupos Avá-Canoeiro se dispersam por áreas de montanha, saindo de seu território original às margens do rio Tocantins e afluentes. Novas frentes de contato com a sociedade nacional são estabelecidas.
1844-1865 – Etnia se dispersa após conflitos com fazendeiros, garimpeiros e outros grupos que chegam à Ilha do Bananal.
1946 – SPI estabelece primeiro posto de atração na Serra das Trombas.
1950 – Primeira frente de atração do SPI é desmobilizada.
1966 – Aldeia Avá-Canoeiro da Mata do Café é atacada e dizimada por fazendeiros. Cerca de 15 pessoas são mortas e seus corpos são incendiados junto com suas malocas.
1969 – Nova frente de atração é estabelecida pela Funai.
1980 – Funai realiza os primeiros estudos visando a demarcação da TI Avá-Canoeiro.
1983 – Primeiro contato oficial entre um grupo Avá-Canoeiro e a frente de atração da Funai.
1985 – Funai interdita área de ocorrência dos Avá-Canoeiro.
Agosto de 1988 – Garimpeiros são expulsos das terras Avá-Canoeiro pela PF.
Fevereiro de 1989 – A possibilidade de o povo Avá-Canoeiro ser atingido com a construção da hidrelétrica de Serra da Mesa é discutida entre os povos indígenas em Altamira, no Pará.
Abril de 1989 – UNI impetra mandado de segurança para garantir integridade do território Avá-Canoeiro.
Maio de 1989 – Funai move ação de reintegração de posse para garantir integridade do território Avá-Canoeiro invadido por garimpeiros.
09 de maio de 1989 – PF expulsa 40 garimpeiros da região do rio Maranhão.
Junho de 1989 – Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente realiza reunião para discutir demarcação da TI Avá-Canoeiro.
1990 – Novos estudos realizam identificação de área a ser demarcada.
Abril de 1990 – Comitê Pró-Avá-Canoeiro encaminha documento ao Governador do Estado de Goiás pressionando-o a garantir a demarcação da reserva.
1991 – Decreto presidencial assinado por Fernando Collor de Mello estabelece novos procedimentos para demarcação de terras indígenas no Brasil.
Julho de 1993 – Funai inicia buscas de indígena Avá-Canoeiro em isolamento voluntário que habitaria área a ser inundada pela UHE Serra da Mesa.
Abril de 1996 – Povo Avá-Canoeiro é transferido de sua aldeia em decorrência da abertura das comportas da UHE Serra da Mesa.
Outubro de 1996 – MJ declara área da TI Avá-Canoeiro, reconhecendo cerca de 38 mil hectares como território tradicional da etnia.
– MPF exige suspensão do fechamento das comportas devido à ausência de estudos de impactos ambientais.
– Congresso Nacional autoriza Furnas Centrais Hidrelétricas S. A. a proceder ao aproveitamento hidrelétrico da Serra da Mesa; cerca de 10% do território dos Avá-Canoeiro é expropriado no processo.
27 de outubro de 1996 – Comportas da UHE Serra da Mesa são fechadas; começa a formação do lago.
1997 – É criado o Posto Indígena Avá-Canoeiro, dentro da TI, como compensação pela área inundada das nascentes do Rio Tocantins.
Fevereiro de 1997 – Possível atuação de famílias de posseiros no garimpo ilegal dentro da TI Avá-Canoeiro é objeto de debates na Comissão de Consumidor, Meio Ambiente e Minorias do Congresso Nacional.
Abril de 1997 – Furnas anuncia proposta de compra de terras para compensação de áreas inundadas na TI.
Fevereiro de 1998 – Onze balsas de garimpo são apreendidas na TI.
Julho de 1999 – Funai e IGPA iniciam tentativas de aproximação dos grupos Avá-Canoeiro da Ilha do Bananal (TO) e de Minaçu (GO).
Novembro de 2000 – Advogado José Novais entra com ação possessória contra a Funai para impedir continuidade de atos de desintrusão da TI Avá-Canoeiro, onde supostamente teria terras. Funai contesta judicialmente legitimidade da ação e das alegações do advogado.
Março de 2001 – Juiz Federal considera improcedentes as alegações de José Novais.
2004 – Administração Regional da Funai em Goiás denuncia ação de madeireiros na TI Avá-Canoeiro.
2007 – MPF move ação civil pública solicitando reparação dos impactos socioambientais da construção da hidrelétrica sobre a etnia.
2012 – Indígenas Avá-Canoeiro denunciam precariedade de vida e invasões em suas terras.
Junho de 2013 – Funai pressiona MS para que cacique Iawi receba tratamento necessário para a cura do seu câncer de baço.
29 de agosto de 2014 – Ocorre uma série de incêndios em áreas de proteção ambiental e terras indígenas, dentre elas a TI Avá-Canoeiro.
16 de junho de 2015 – O poder Judiciário condena a União Federal e a Funai ao pagamento de quatro mil salários-mínimos, em razão de danos morais coletivos, aos integrantes da etnia Avá-Canoeiro.
04 de abril de 2016 – Nasce na TI Avá-Canoeiro o terceiro filho de Niwatima Avá-Canoeiro e Kapitomy’i Tapirapé (conhecido por Parazinho), em Minaçu (GO).
06 de junho de 2017 – Um dos únicos indígenas sobreviventes do massacre dos Avá-Canoeiro durante a Ditadura Militar, Iawi, morre em Goiânia.
15 de maio de 2018 – O MPF em Anápolis (GO) ajuíza uma Ação Civil Pública (derivada do Inquérito Civil no 1.18.000.001311/2003-57), com pedido de liminar, para que seja suspensa a licença de funcionamento da UHE Cana Brava, no Rio Tocantins.
25 de junho de 2019 – O MPF em Anápolis firma um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) objetivando resolver a questão da ocupação irregular no interior da TI Avá-Canoeiro por um casal de agricultores.
08 e 13 de julho de 2019 – Ocorre o Encontro Ampliado Avá-Canoeiro, reunindo integrantes da Terra Indígena Avá-Canoeiro (GO) e indígenas da Terra Indígena Parque do Araguaia (TO).
Novembro de 2019 – É publicizado um conflito entre a Funai e os Avá-Canoeiro em decorrência de dois indígenas de outras etnias residindo na TI.
17 de fevereiro de 2023 – É anunciada a previsão de homologação de 14 terras indígenas pelo governo Federal (Luiz Inácio Lula da Silva) até a segunda semana de abril, dentre elas a TI Avá-Canoeiro.
Fontes
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