AM – Missão religiosa desestabiliza mundo cultural de povo indígena isolado
UF: AM
Município Atingido: Tapauá (AM)
Outros Municípios: Tapauá (AM)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Ação missionária
Impactos Socioambientais: Desmatamento e/ou queimada
Danos à Saúde: Suicídio
Síntese
Os Suruwahá, ou Zuruahã habitam as terras altas entre os igarapés Riozinho e Coxodoá, afluentes da margem direita do Cuniuá – com seu curso em direção a leste, na bacia do rio Purus. Atualmente são cerca de 140 indivíduos que vivem na Terra Indígena Zuruahã (no município de Tapauá, região Sul Amazonense, área de 239.070 hectares, homologada pelo governo federal em outubro de 1991.
Os Suruwahá são considerados uma etnia relativamente isolada, que realiza pouco contato com a sociedade nacional e fala exclusivamente seu próprio idioma. Contudo, o isolamento não é completo devido à ação missionária de entidades ligadas às igrejas católica e evangélica. Essas entidades, que atuam sob o pretexto de realizar ações humanitárias ou pesquisas, são acusadas pela Funai de forçar o contato com os Suruwahá e de estarem ameaçando a integridade cultural deste povo.
Os missionários, especialmente aqueles ligados à ong norte-americana Jovens com uma Missão (Jocum) defendem suas missões, como forma de prover aquela população de serviços básicos relacionados à saúde e de aprender seu idioma. Entretanto, a Funai os acusa de impor obstáculos para que a entidade assuma suas responsabilidades junto àqueles índios. Isto vem acontecendo devido ao fato de que os Suruwahá falam apenas sua língua e que a Funai ainda não possuiria intérpretes próprios para realizar o contato – os únicos bilíngües disponíveis são os próprios missionários, que ainda não atenderam à solicitação da Funai para que para que realizem uma capacitação com seus técnicos de forma a permitir que assumam o controle da área e possam implantar no local sua política direcionada aos povos isolados. Este não atendimento denotaria o interesse da entidade em permanecer no local, contrariando a política do Estado brasileiro para a situação.
Todo o caso permanece indefinido e a atividade missionária permanece na região.
Contexto Ampliado
Os Zuruahã, ou Suruwahá, são considerados uma etnia isolada pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Seus membros falam apenas uma língua, da família Arawá (a mesma família dos Jamamadi, Kanamanti, Jarawara, Banawa, Deni, Paumari e Kulina das bacias dos rios Purus e Juruá). O isolamento geográfico e linguístico de suas aldeias não foi, entretanto, suficiente para manter a etnia sem as influências danosas do contato e das tentativas forçadas de aculturação.
Kariny Souza e Márcio Santos (2009) destacam que originalmente O povo Suruwahá foi formado a partir da unificação de diversos subgrupos autônomos que, apesar de serem da mesma etnia, possuíam autodenominações diferentes: Jokihidawa, Tabosorodawa, Adamidawa, Nakydanidawa, Sarakoadawa, Yjanamymady, Zuruahã, Korobidawa, Masanidawa, Ydahidawa e Zamadawa.
Apesar dos contatos frequentes e a língua comum, cada subgrupo possuía seu próprio território. A atual unificação dos subgrupos Suruwahá é o resultado da paulatina invasão e expropriação, a partir do início do século XX, dos territórios tradicionais por grupos não índios como sorveiros e seringueiros, que contribuíram para sua dizimação através da transmissão inadvertida de doenças para as quais os índios não possuíam imunidade até confrontos diretos.
O primeiro contato oficialmente registrado com os Suruwahá se deu em 08 de maio de 1980, realizado pela pastoral indigenista de Lábrea/AM, vinculada ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O primeiro contato da Funai ocorre somente em 1983.
Desde então, os Suruwahá são objeto de ações missionárias católicas e evangélicas. O CIMI e a ONG Jovens Com Uma Missão (Jocum) são acusados pela Funai e pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), encarregadas das políticas indigenistas e de saúde indígena brasileiras, respectivamente, de agirem ilegalmente na região e de estarem realizando um processo de evangelização forçada dos Suruwahá. A entidade evangélica ainda é acusada de uma série de irregularidades, como escravizar indígenas, extrair ilegalmente sangue dos índios, contrabandear sementes, construir pistas de pouso clandestinas, fazer uso de radioamador pirata, vender madeira ilegal, remover indígenas de seu território sem autorização da Funai, estar possivelmente envolvida com a adoção ilegal de crianças, realizar expedições veladas em busca de índios isolados e fazer uso indevido de imagens dos Suruwahá. Porém, a acusação mais grave atribuída à ação missionária das entidades seria sua associação com a onda de suicídios que assola os Suruwahá. A prática, comum entre a etnia, teria se intensificado após a introdução de preceitos cristãos entre os índios. Desde 2003, 28 deles já haviam se suicidado com o timbó (veneno extraído de cipó da região).
Ao abordar a tradição do suicídio entre os Suruwahá, Souza e Santos (2009) explica que entre eles a vida após a morte seria considerada preferível à vida atual e que a ingestão do timbó (um veneno conhecido entre os Suruwahá como kunaha) seria o caminho ideal para atingir uma vida melhor.
Dessa forma, eles afirmam: Dizem os índios que a existência humana só tem sentido quando se visa o suicídio. A linha diretriz do entendimento sobre a vida aponta o suicídio como a máxima de todos os valores. (…) A outra vida seria o melhor lugar para se viver, um lugar de muita alegria, onde se reencontra com os antepassados e onde as pessoas não envelhecem jamais. Todavia, só chegam a este lugar aqueles que morrem pela ingestão do veneno. Quem morre por velhice será privado deste lugar e sua alma ficará vagando sem destino.
O suicídio ritual possui, portanto, um papel espiritual muito importante dentro da cosmologia da etnia, não sendo interpretado, como por muitos grupos da nossa cultura, como um ato de covardia ou uma afronta aos desígnios divinos, mas um caminho respeitoso e digno para uma vida melhor.
Viver muito, sim, possui conotação negativa, como explicitam Souza e Santos (2009):
Assim, as pessoas mais idosas, vítimas de zombaria por parte de crianças e adolescentes por não terem ingerido o timbó, tornam-se caladas e distantes, sabedoras que, ao não seguirem o costume, excluíram-se da possibilidade do reencontro com aqueles que já se foram. De acordo com os Suruwahá, não é bom morrer velho, é bom morrer jovem e forte. Por esta razão, as estatísticas indicam que o índice da morte voluntária é maior nesta faixa etária: entre os 15 e 20 anos para as mulheres e entre os 20 e 25 anos entre os homens. A velhice é tida como a segunda alternativa de vida, como uma alternativa mais penosa ao verdadeiro caminho, ou seja, à morte por ingestão de kunaha.
Isto não significa, contudo, que a perda de um ente querido não provoque comoção, tristeza ou até mesmo tentativas de dissuadi-lo a realizar tal ritual. Porém, há maior aceitação da prática entre o grupo do que haveria em nossa sociedade, por exemplo.
Apesar de o suicídio gozar de tal aceitação na sociedade suruwahá, contribuir direta ou indiretamente para que outros o façam é um ato negativo na nossa sociedade, considerado crime pelo código penal e pecado pelo sistema de crenças das principais religiões cristãs; por isso, ambas as entidades negam veementemente essa possível influência.
O Cimi afirma ter entrado em contato com a etnia, a partir de 1980, para evitar que os mesmos fossem massacrados por sorveiros […] da região. Afirma ainda que sua atuação, desde então, tem se limitado a ações educacionais junto aos ribeirinhos, “com objetivo de esclarecer a população envolvente sobre os direitos indígenas” e “junto à FUNAI, para que fossem tomadas as providências para a demarcação do território indígena e sua proteção”.
Segundo comunicado divulgado pela entidade em março de 2006: “A postura do Cimi desde o primeiro momento foi a de garantir que o povo Suruwahá tivesse assegurado seu direito à terra, cultura e a liberdade de decidir seu futuro. Como tem feito historicamente em relação a todos os povos indígenas do país, o Cimi também solicitou providências dos órgãos públicos quando a integridade física e cultural do povo Suruwahá estava ameaçada”. A entidade afirma ter sido esse o motivo da denúncia que realizou em 2000, junto ao Ministério Público Federal (MPF), contra a Jocum, pois os missionários evangélicos estariam interferindo “no mundo simbólico Suruwahá motivado pelas suas convicções religiosas”.
A Jocum também se defende afirmando não ter provocado qualquer tipo de “agressão cultural às práticas indígenas”, limitando-se ao trabalho de pesquisa linguística (atualmente, os missionários da Jocum são os únicos que falam a língua suruwahá), de atendimento médico e de evangelizá-los quando solicitados pelos índios.
Tais argumentos não convenceram o Estado brasileiro. Em 2003, a Funai e o MPF determinaram a saída dos missionários da Terra Indígena (TI). Em maio de 2003, o então Procurador da República Sérgio Lauria Ferreira, tendo como base o estudo antropológico do Analista Pericial em Antropologia do MPF Marcos Farias de Almeida e a Representação PR/AM nº 1.13.000.000077/2002-46-PRDC/AM nº 440, apresentada pelo Cimi, denunciando a organização missionária Jocum, determinou, por meio da RECOMENDAÇÃO PRDC-AM Nº 003/2003, que a Funai promovesse a IMEDIATA DESINTRUSÃO de não índios da Terra Indígena Suruwahá. A orientação não foi cumprida pela Jocum na época.
Em 2005, a atuação da Jocum voltou a preocupar as autoridades indigenistas brasileiras. A entidade levou, no mês de setembro, duas crianças e seis adultos da etnia para São Paulo, sem qualquer comunicação ou autorização aos órgãos federais. Na ocasião, uma criança hermafrodita e outra com paralisia cerebral foram atendidas no Hospital das Clínicas, sendo a primeira operada e a outra medicada.
Tendo em vista as acusações, em março de 2006, a Funasa entrou com nova representação junto ao MPF exigindo a retirada dos missionários do Cimi e da Jocum da TI Suruwahá. Em resposta, o MPF determinou que os missionáros evangélicos teriam 6 meses para treinar funcionários da Funai e da Funasa na língua suruwahá e depois saírem do local. Essa medida tinha como objetivo viabilizar que os funcionários federais assumissem o controle da TI e pudessem negociar sua ação com os índios.
Como forma de iniciar suas atividades entre os indígenas, a Funasa divulgou que realizaria, em abril do mesmo ano, uma ação de saúde na aldeia. O atendimento contaria com uma equipe de nove profissionais, incluindo médicos, odontólogos, técnicos em enfermagem e agentes de endemias. Durante o atendimento seriam realizados tratamentos de saúde bucal como aplicação de flúor, extração, restauração, tratamento de canal e outros. Além disso, seria prestado atendimento para casos de doenças endêmicas como disenteria, cólera, tuberculose e outras.
Diante da repercussão do caso envolvendo as crianças levadas ilegalmente para São Paulo, surgiram algumas consequências inesperadas para a Funai e outros órgãos federais relacionados à política indigenista. Em 11 de maio de 2007, por exemplo, o deputado federal Henrique Afonso, do Partido Verde do Acre (PV/AC), apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados – uma política federal de combate à práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais. Pegando carona no caso das crianças suruwahá, o projeto ficou conhecido como “Lei Muwaji”.
Em seu artigo primeiro, o projeto condicionava o respeito às práticas tradicionais dos povos indígenas e outras sociedades não tradicionais à conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos. As violações no âmbito do PL se referiam principalmente às práticas que atentem contra a vida e a integridade físico-psíquica e elencava uma série de tradições que na visão do deputado se adequavam a tal classificação.
A lei exigia a imediata comunicação de tais práticas às autoridades policiais, judiciais e aos órgãos indigenistas. A não-notificação sujeitaria a todos à pena de seis meses a 1 ano de detenção ou multa, prevendo também que as autoridades federais seriam punidas caso não intervissem nos casos denunciados.
O artigo 6ª previa que: Constatada a disposição dos genitores ou do grupo em persistirem na prática tradicional nociva, é dever das autoridades judiciais competentes promover a retirada provisória da criança e/ou dos seus genitores do convívio do respectivo grupo e determinar a sua colocação em abrigos mantidos por entidades governamentais e não governamentais, devidamente registradas nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. É, outrossim, dever das mesmas autoridades gestionar, no sentido de demovê-los, sempre por meio do diálogo, da persistência nas citadas práticas, até o esgotamento de todas as possibilidades ao seu alcance.
Parágrafo único. Frustradas as gestões acima, deverá a criança ser encaminhada às autoridades judiciárias competentes para fins de inclusão no programa de adoção, como medida de preservar seu direito fundamental à vida e à integridade físico-psíquica.
Apesar da aparente disposição governamental em assumir o controle da terra indígena, isso não significou a saída da Jocum e do Cimi da região. Por isso, em maio de 2008, foi tentado novo acordo com as entidades. Uma reunião na Procuradoria da República no Amazonas, com a presença do Procurador Rodrigo da Costa Lines e de representantes da Funai, Cimi, Funasa e Jocum acordou que as missões, Jocum e Cimi deveriam se retirar do interior da Terra Indígena Suruwahá até o dia 20 de maio e poderiam apresentar, para serem apreciadas pela Funai, propostas de ingresso na TI. Também foram convidadas a colaborarem na capacitação dos funcionários da Funai para o aprendizado da língua suruwahá. Segundo o acordo, as propostas de ação referentes à área de saúde deveriam ser encaminhadas à Funasa. O controle de entrada e saída de pessoas da terra indígena, deveria ser feita pelos órgãos governamentais e a Funai e a Funasa se comprometeram a manter entendimentos com o Cimi e a Jocum, para apresentação de proposta de cursos de capacitação, no prazo de trinta dias.
A perspectiva de um acordo só durou, porém, até o dia 19 de maio, véspera do prazo determinado para a saída das missões. Neste dia, a Jocum encaminhou documento informando que não sairia da Terra Indígena e apresentou uma série de condições para o cumprimento da recomendação do MPF.
A nova quebra de acordo por parte da entidade não foi o único motivo de aumento das tensões entre a Jocum e o Estado brasileiro. Em julho, a Funai divulgou que estaria estudando medidas contra a exibição do filme “Hakani”, dirigido por David Cunningham. O roteiro do filme se baseia na história de vida da menina suruwahá Hakani, que aos dois anos foi vítima de uma tentativa de infanticídio por parte de seus familiares (devido a um quadro de hipertireoidismo), e que, por não conseguirem realizar o intento, teriam se suicidado. A menina foi adotada por missionários da Jocum e hoje vive e estuda em Brasília. Essa história é o fio condutor de uma campanha contra o infanticídio indígena promovida pela instituição. Tal campanha recebeu a oposição da Funai e de antropólogos, sendo denunciada por prejudicar a imagem e veicular informações deturpadas sobre os Suruwahá, com base em uma visão etnocêntrica e “estigmatizante das tradições indígenas”.
Enquanto no seio da sociedade o debate a respeito do infanticídio indígena se avolumava e mobilizava diversos grupos sociais indígenas e não indígenas, no congresso nacional, o projeto do deputado Henrique Afonso tramitava lentamente. Em 1º de junho de 2011, ele foi apreciado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e teve como relatora a deputada federal Janete Pietá (PT/SP), que defendeu a autonomia dos povos indígenas para gerenciar seus assuntos e que uma medida mais efetiva seria o estabelecimento de práticas de conscientização dessas comunidades em relação ao tratamento das crianças e de garantia de seus direitos humanos fundamentais.
Para tanto, a deputada apresentou um texto substitutivo ao projeto de lei que o reduzia a apenas um único artigo que preconizava que cabia aos órgãos responsáveis pela política indigenista oferecerem oportunidades adequadas aos povos indígenas de adquirir conhecimentos sobre a sociedade em seu conjunto quando forem verificadas, mediante estudos antropológicos, as seguintes práticas: I – infanticídio; II – atentado violento ao pudor ou estupro; III – maus tratos; IV – agressões à integridade física e psíquica de crianças e seus genitores.
Tal parágrafo seria acrescentado ao art. 54-A à Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio. O parecer foi aprovado pela referida comissão na sessão realizada naquele dia.
A imprensa nacional atribuiu a mudança no projeto de lei a pressões da Funai, que o entendeu como uma forma de criar uma interferência indevida e reforçaria o preconceito contra os índios. Uma reportagem de Bernardo Mello Franco à Folha de São Paulo, por exemplo, repercutia críticas da bancada evangélica no congresso que acusavam o governo de cruzar os braços diante da morte de crianças e defendem que o Estado seja obrigado por lei a protegê-las. Márcia Suzuki, da ONG Atini, afirmou a Mello que: O texto ficou muito fraco. Vai permitir que o governo continue omisso diante dessas mortes”.
Em setembro de 2011, as disputas em torno da questão se intensificaram quando a Funai autorizou uma equipe de televisão da Austrália a adentrar na Terra Indígena Suruwahá para a realização de um vídeo sobre a polêmica.
O vídeo foi veiculado na emissora Channel 7 no programa Sunday Night sob responsabilidade de Paul Raffaele e Tim Noonan. Segundo a Funai, houve má-fé da equipe que o produziu, já que o resultado final teria rompido os acordos firmados e apresenta os índios Suruwahá como um pov selvagem, com o único proposito de apresentar os indígenas como bárbaros que precisam de salvadores.
Em nota, a Funai alegou à época que o objetivo dos produtores era mudar o foco e denunciar fatos inverídicos, para desqualificar a atuação de um indigenista que, ao longo de sua vida, só lutou para que os Suruwahá consigam se autodeterminar, sem a influência nefasta dos missionários da JOCUM. Aliás, durante a presença da JOCUM entre os Suruwahá, ocorreram muitos suicídios. Após suas retiradas (da JOCUM) por determinação do Ministério Público, os suicídios acabaram.
Segundo a Funai:
O que fora acordado com a equipe: 1) Consultar os Suruwahá antes de qualquer atividade proposta e respeitar sua aprovação ou rejeição; 2) Paul se comprometeu diante de todos a enviar uma cópia da produção e de todo o material na íntegra para ficar disponível para os Suruwahá; 3) Repasse de todo o material filmado para a FUNAI ainda em Lábrea; 4) Paul e Tim entrariam em contato com Adriana (linguista) para tradução de todo o material ; 5) Levar bateria suficiente para mostrar as filmagens para os Suruwahá; 6) Divulgação de uma imagem verdadeira e positiva do mundo dos Suruwahá.
O que de fato foi publicado: 1) A equipe deu foco na edição do filme em atividades sem respeitar a aprovação/rejeição dos Suruwahá, sem a consulta dos mesmos; 2) As cópias do material não foram repassadas à Funai. A Funai só viu o vídeo após editado e pronto, pelo site youtube.com. O material na íntegra nunca fora entregue à Funai ou aos Suruwahá; 3) Não levara baterias suficiente para exibir as filmagens aos Suruwahá; 4) Fizeram uma divulgação falsa da imagem dos Suruwahá, de forma leviana e preconceituosa; 5) O preconceito quanto à cultura dos indígenas é observado em todos os momentos durante o vídeo, quando os chamam sempre de Povos Primitivos ou Povos da idade da pedra. E também há uma grande inverdade quando falam referente ao infanticídio, prática esta que não ocorre há vários anos. Relatam tal prática como sendo corriqueira e comum; 6) Conforme relatos do Chefe de Serviço, responsável pelo PVIP Suruwahá, foram feitas diversas filmagens nas quais os Suruwahá afirmam que não mais praticam tais atos, mas os mesmos não foram aproveitados; 7) Utilização indevida da indígena Muwaji, que fora retirada ilegalmente da TI Suruwahá pela organização evangélica Jocum, para um suposto tratamento médico de sua filha, portadora de necessidades especiais.
A repercussão negativa do programa também foi objeto de críticas da ONG Survival International, que iniciou uma campanha de desagravo em relação ao vídeo. Intitulada de Show de Horrores na TV, ela tinha como objetivo: desafiar a representação na televisão de povos tribais como primitivos, atrasados e selvagens. Além disso, a Survival escreveu ao Channel 7 marcando os diversos erros e distorções da matéria produzida; contudo, o canal de televisão rejeitou todas as acusações. Entretanto, a Autoridade Australiana em Mídia e Comunicação (ACMA) abriu uma investigação formal.
Em setembro de 2012, um ano depois da veiculação do programa, o Channel 7 foi condenado pela ACMA por violações ao código de comunicação australiano. De acordo com Síntia Maciel, do jornal A Crítica: Em seu julgamento, a ACMA considerou o Channel 7 culpado pela quebra da sua cláusula de racismo – provocar um intenso desgosto, sério desprezo ou severo ridículo de uma pessoa ou um grupo, além de declarar o Channel 7 também culpado por emitir material impreciso. O canal recorreu ao judiciário australiano para tentar reverter a decisão.
Enquanto a matéria sofreu sanções administrativas na Austrália, no Brasil os realizadores do vídeo foram convidados pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Senado Federal, por iniciativa do senador Magno Malta (PR/ES), para relatar suas suas experiências com os índios Suruwahá.
Não há registro de quaisquer notas ou iniciativa anterior da referida comissão em relação à veiculação do vídeo. Entretanto, em seu requerimento, o senador Malta classifica Rafaelle como um dos mais respeitados profissionais da área da comunicação na Europa. E, ao contrário da posição da ACMA – que considerou o documentário impreciso -, o senador considerou que o vídeo permitiu que as pessoas daqueles países tiverem a oportunidade de conhecer mais sobre os índios Suruwahá do que os próprios brasileiros. Dessa forma, a audiência pública contribuiria mais para corroborar o trabalho de Rafaelle do que para questioná-lo a respeito do resultado final ou das críticas feitas pela FUNAI a este.
Cerca de dois anos depois, em junho de 2014, o Estado australiano respondeu de forma mais efetiva a esta questão do que o Estado brasileiro, quando o judiciário australiano decidiu pela confirmação da condenação impingida ao Channel 7 em 2012.
Segundo o portal G1: O Channel 7 argumentou perante a Corte a ACMA interpretou as leis de forma errada e exerceu poder de forma imprópria, além de não levar em conta sua própria política em relação à exibição de material factual. A Corte, no entanto, descartou a argumentação da emissora, e manteve a determinação contra a ACMA.
Cronologia:
~ Início do Século XX: Extrativistas e índios iniciam relações interétnicas. Competição por território e epidemias contribuem para a redução da população indígena.
~ 1980: Início da ação missionária católica junto à população Suruwahá dos igarapés Riozinho e Coxodoá na bacia do rio Cuniuá, Tapauá, Amazonas.
1983: Primeiro contato oficial da Funai com a etnia.
1984: Jocum entra pela primeira vez em território suruwahá.
Outubro de 1991: Governo Federal homologa uma área de 239.070 hectares no município de Tapauá/AM como terra indígena Zuruahã.
2003: FUNAI e MPF determinam saída de missões religiosas das terras Suruwahá.
Setembro de 2005: ONG Jovens com uma Missão (JOCUM) retira índios Suruwahá de sua aldeia para tratamento médico em São Paulo. Ação é realizada sem ciência ou anuência da FUNAI ou qualquer outro órgão indigenista brasileiro.
Março de 2006: FUNASA entra com representação junto ao MPF exigindo a retirada dos missionários do CIMI e da JOCUM da terra Suruwahá. MPF acata representação e determina saída de missionários do local.
Maio de 2007: Deputado federal Henrique Afonso apresenta projeto de lei para combater práticas tradicionais nocivas à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais.
Maio de 2008: MPF, FUNASA, FUNAI, JOCUM e CIMI fazem acordo para saída de missionários da T.I. Também fica acordado que as missões realizariam capacitações para auxiliar os técnicos federais no aprendizado da língua Suruwahá.
19 de maio de 2008: JOCUM rompe com o acordo e impõe condições para cumprimento do mesmo.
Julho de 2008: FUNAI divulga nota em que afirma estudar medidas contra a exibição do filme Hakani, dirigido por David Cunningham. Segundo a entidade, o filme denigre a imagem dos Suruwahá e veicula informações deturpadas sobre a etnia, classificando-o como “etnocêntrico” e “estigmatizante das tradições indígenas”.
1º de junho de 2011: PL 1057/2007 recebe proposta de texto substutivo na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Setembro de 2011: Canal australiano Channel 7 veicula vídeo depreciativo aos Suruwahá.
Março de 2012: ONG Survival International inicia campanha contra vídeo do Channel 7.
Setembro de 2012: Channel 7 é condenado pela ACMA por violação do código de conduta australiano.
29 de novembro de 2012: Senado Federal realiza audiência pública para ouvir Paul Rafaelle a respeito do vídeo.
Junho de 2014: Corte australiana confirmação condenação do Channel 7 pelo ACMA.
Última atualização em: 13 jul. 2014.
Fontes
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