PE – Povo Truká conquista território, mas convive com violência e megaprojetos dos “donos” do São Francisco

UF: PE

Município Atingido: Recife (PE)

Outros Municípios: Cabrobó (PE), Paulista (PE), Recife (PE)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Políticas públicas e legislação ambiental, Transposição de bacias hidrográficas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – assassinato, Violência – coação física

Síntese

No município de Cabrobó os povos indígenas Truká ocupam a região formada por um arquipélago de 66 ilhas, banhado pelas águas do rio São Francisco, tradicionalmente chamado pelos indígenas de ?Opará?. A fertilidade das terras, a localização estratégica e a possibilidade de acesso fluvial aos estados de Pernambuco e Bahia, sempre despertou a cobiça dos invasores do interior do Nordeste.

O resgate histórico das populações Truká nos mostra a gravidade do conflito, que data da colonização aos dias atuais. Atualmente as populações encampam sentimentos e ações de resistência à transposição do rio São Francisco e à construção das barragens ou Aproveitamentos Hidrelétricos (AHEs) de Pedra Branca e Riacho Seco ? em pontos situados entre as Terras Indígenas (TIs) Truká (em Pernambuco) e Tumbalalá (na Bahia) separadas ou unidas pelo rio de São Francisco. Os projetos das hidrelétricas objetivam uma geração de 560 MW e cerca de 170 km² de áreas inundadas na região.

Em 2005, o primeiro Encontro dos Povos Indígenas Ribeirinhos de Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia manifestou sua contrariedade ao projeto de transposição do Rio São Francisco. A carta elaborada pelo coletivo mostra a força das argumentações contrárias ao projeto da transposição, demandando outras alternativas mais ?baratas e eficientes no combate à seca?, tais como a revitalização do rio São Francisco, a reativação de centenas de obras não terminadas, que ajudaram no combate à seca e o saneamento básico nos municípios da bacia.

A relação material, como a produção na terra e a pesca, está ligada a vivências simbólicas, a rituais sagrados, a crenças e valores espirituais, permeados pela própria sabedoria tradicional que imana do uso e da interação instrumental com a natureza. Essa conjunção de conhecimentos incorpora-se como patrimônio imaterial de um povo ou comunidade tradicional. Para preservar os traços delicados e únicos da nossa diversidade cultural, as cartas maiores das nações e das organizações mundiais comprometidas com a liberdade e os direitos culturais, promovem salvaguardas para que os fortes ou poderosos não espezinhem os humildes, nem desrespeitem as minorias.

É este sentido de ordenamentos constantes da atual Constituição Brasileira e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Contexto Ampliado

O Rio São Francisco circula ilhotas que são parte da realidade ecológica dos Truká, sendo integrante de sua história social (Batista, 2007). Neste sentido, o Velho Chico é um elemento de sustentação e manutenção da memória do lugar, sendo revigorado pelos indígenas no discurso político pela posse, proteção e manutenção da autonomia dele e das terras que o circundam. Neste sentido o Rio parece ser, e é, um grande motivo para que aquela comunidade se encontre ali, onde homens e mulheres se esforçam pela manutenção da cultura indígena ribeirinha.

Entretanto, tanto histórica e contemporaneamente, a representação de um rio como um pai ou uma mãe vem se enfraquecendo em virtude dos antigos processos de construções de barragens no intercurso do rio e das transformações ambientais em consequência (Barros, 2008). Além disso, as preocupações com a natureza não estão presentes apenas como questão pragmática ou pela necessidade de se equacionar recursos que dela se tira, mas também porque o plano simbólico e afetivo faz parte de toda uma cadeia de vivências, de crenças e de práticas dessas crenças pelos Truká.

Os povos indígenas Truká tiveram suas terras expropriadas desde pelo menos o final do século XVII, início do século XVIII, por autoridades coloniais, eclesiásticas, do Império e, mais recentemente, da República, além dos estados e municípios. Somente em meados da década de 40 do século XX, com mudanças na política indigenista nacional, houve espaço político para ser iniciado um processo de reivindicação da terra junto ao Serviço de Proteção aos Índios (SPI), graças aos contatos mantidos entre os Truká e os Tuxá de Rodelas. Por meio destes, os Truká ficaram sabendo da existência do SPI e da possibilidade de, obtendo seu apoio, serem capazes de impedir o processo de expulsão que vinha se iniciando por parte dos compradores das terras das ilhas. Após trocas de correspondências, telegramas e deslocamentos feitos ao Recife e à antiga capital federal (Rio de Janeiro), o grupo conseguiu que o SPI instaurasse uma Ação de Nulidade de Venda e Reintegração de Posse das terras originais. Esta ação percorreu o foro municipal, estadual e, atualmente, encontra-se no Supremo Tribunal Federal (STF).

O Estado de Pernambuco, ignorando a ação impetrada pelo SPI, comprou então parte da ilha da Assunção, a maior do arquipélago, para criar, em 1965, um núcleo de colonização. O empreendimento foi entregue à Companhia de Revenda e Colonização (CRC), que recrutou colonos ou pessoas de fora aos quais entregaria lotes individualizados, ignorando os tradicionais habitantes da ilha.

Agravando ainda mais a situação da comunidade, no final da década de 1960, um trecho da ilha foi apropriado por outro órgão estatal – a Semempe (Companhia de Produção de Mudas e Sementes Selecionadas do Estado de Pernambuco) – e convertido em viveiro de mudas. Diante da crise financeira, a CRC foi extinta e parte de seu espólio revertido para a Semempe. Com receio de serem expulsos e diante da exiguidade de terras para plantarem, os indígenas retomaram o processo de reivindicação territorial, dessa vez junto à Fundação Nacional do Índio (Funai, sucessora do SPI).

Em 1976, o órgão indigenista deslocou uma equipe (Portaria n. 876/P de 21/06/1976) para averiguar a existência de remanescentes indígenas e avaliar sua situação fundiária. O relatório do trabalho reconheceu a existência do grupo, historiou o problema com relação à propriedade da ilha de Assunção e sugeriu a possibilidade de obter-se junto ao Estado de Pernambuco a concessão de 500 hectares não cultivados, parte da gleba, como forma de se resolver a questão levantada pelos Truká. Na época, Pernambuco foi governada por José Francisco de Moura Cavalcanti, sucedido, em 15 de março de 1979, por Marco Maciel.

Nessa época, os Truká passaram a contar com apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja Católica), para informar à sociedade, por órgãos da imprensa local e regional, sobre a situação adversa em que viviam.

Diante da não sensibilização do governo de Pernambuco, a FUNAI designaria nova comissão (Portaria n. 687/E de 05/03/1980) para realizar o levantamento antropológico dos Truká. Em 1981, a FUNAI obteve a concessão de dois lotes de 14 ha do Estado, para uso temporário de todo o grupo. Em 1982, os Truká resolveram ocupar mais um trecho de 70 ha. Finalmente, em 1984 a Terra Indígena foi demarcada com superfície total de 1.659 ha, estando mil hectares então ocupados por posseiros.

Poucas famílias indígenas conseguiam manter-se em algumas ilhotas de difícil acesso, enquanto a maioria servia de mão-de-obra barata nas fazendas invasoras de suas terras e nas vizinhanças delas.

Entre os anos 1980 e 1990, uma grande ofensiva de violência avançou sobre os Truká: sequestros, torturas e assassinatos passaram a ser praticados contra os indígenas por pistoleiros de fazendas da região, muitas das quais extravasaram a tradicional atividade agropecuária para passarem a cultivar maconha. Foi de tal ordem a propagação dessa cultura na década de 1990, que partes do sertão pernambucano e baiano passaram a integrar o chamado polígono da maconha.

O açodamento aos Truká e as reivindicações da etnia levaram a FUNAI a criar um posto indígena em Arcoverde, em 1987. Com esta presença, a FUNAI conseguiria dificultar o processo de grilagem das potenciais terras indígenas na região.

A década de 1990 assistiria, entretanto, à aceleração da retomada do território Truká. Em 1990, a FUNAI, através da portaria nº 826 de 29.08.1990, interditou formalmente a área de 1.659 hectares. A proposta da área foi novamente avaliada em 1992 pela Comissão Especial de Análise da FUNAI, que a aprovou de acordo com Parecer nº 040/CEA/ de 18 de dezembro de 1992 e com o termo de anuência assinado por 30 índios, concordando com os limites apresentados. O ministro da Justiça Maurício Correa autorizou o presidente da FUNAI a emitir portaria (nº 15, de 17 de agosto de 1993) declarando a área como de posse permanente indígena. Contudo, aos não-índios não foi vetado entrarem e permanecerem na terra, até a devida desintrusão.

O ano de 1999 é tido como um divisor de águas para a demarcação e homologação de grande parte do território. Conforme reporta Saulo Feitosa na página eletrônica do Cimi:

A mobilização do povo manteve-se num processo contínuo, culminando com a retomada definitiva de todo o arquipélago, no ano de 1999, quando todas as fazendas foram ocupadas, tendo sido expulso todo o gado nelas existentes. Como há apenas uma ponte que liga a grande ilha da Assunção ao continente, mais precisamente à cidade de Cabrobó, a ponte serviu como corredor para a gigantesca boiada, que não tendo para onde se deslocar, se dispersou pelas ruas da cidade, provocando grande tumulto entre os moradores.

Nessa histórica e heróica empreitada, as lideranças e alguns membros da comunidade sofreram toda sorte de perseguição e violação de seus direitos. Foram violentamente reprimidos por agentes do poder público, sendo a Ilha da Assunção invadida várias vezes por policiais federais e militares, que espalhavam terror entre a população e praticavam torturas físicas e psicológicas. Como parte da estratégia de criminalização das lutas do povo, muitos indígenas foram processados. O cacique Aurivan, mais conhecido como Neguinho Truká, chegou a ser preso.

Neste novo contexto, toda a ilha será delimitada, num total de 5.770 hectares; a área total, englobando todas as ilhas, alcançaria cerca de 9.700 hectares. Mas, também, observa Feitosa: a recuperação do domínio total sobre o arquipélago, hoje sob a posse plena de seus habitantes originários, provocou mudanças substanciais na vida do povo.

(…) No imaginário Truká, seu território tradicional conforma um reino. A Ilha da Assunção representa o coração desse reino. A ideia de reino, que durante o processo de colonização se configurou na memória de alguns povos indígenas do Nordeste, não corresponde às tradicionais monarquias, constituídas por um poder totalitário oprssor que domina outros povos e os expropria de seus territórios e riquezas naturais. Refere-se a um reinado mítico, onde não há soberanos nem vassalos. Trata-se de um reino com contornos escatológicos, governado pelos encantados que se constituem nos principais protetores da terra sagrada onde aqueles povos habitam. Aproxima-se mais da ideia de Reino de Deus da teologia cristã. O esbulho praticado contra suas terras representou um processo de dessacralização, laicização e profanação do espaço sagrado, os territórios tradicionais.

A expulsão dos invasores das ilhas, e a consequente recuperação territorial, significa muito mais que uma simples posse fundiária, representa o fim do exílio; mais do que isso, a recriação do espaço sagrado, do território mitológico, o reencontro das pessoas e do povo consigo mesmo. É o renascimento do Reino da Assunção e esse sentimento está registrado na obra de produção coletiva das comunidades, recentemente publicada – No Reino da Assunção, Reina TRUKÀ.

A conquista territorial despertará, no mesmo passo da autoestima dos Truká, animosidades e casos violentos. Em 30 de junho de 2005, pai e filho Truká, Adenilson Vieira (38) e Jorge Vieira (17), foram assassinados por quatro policiais militares à paisana durante uma festa da comunidade. Outro indígena de 26 anos foi baleado, mas sobreviveu ao ataque. Mozeni Araújo, testemunha ocular do crime foi também morto três anos depois em Cabrobó. Ele tentara denunciar os assassinos de Adenilson e Jorge, que permaneciam impunes. Quando foi assassinado, presidia a Associação Truká e era candidato a vereador com fortes possibilidades de eleição pelo seu povo.

Por outro lado, a obra da transposição aportará na região desencantando toda essa nova condição emancipada e duramente conquistada. A partir do anúncio da obra, o povo começou a resistir ao projeto, que começa pela ocupação do território Truká pelo Exército brasileiro e tem como ameaças as anunciadas barragens hidrelétricas de Pedra Branca e Riacho Seco, que poderão trazer grandes impactos à região (‘tudo isso é uma serpente. A cabeça tá nos nossos irmãos Truká e Tumbalalá; aqui, no Povo Anacé, está o rabo que é onde tá o pior veneno’ – João, do povo Anacé, no Ceará, referindo-se à transposição).

Novas dificuldades começaram a se interpor entre a realização dos Truká e agentes dominadores da bacia do São Francisco. Referimo-nos às empresas energéticas como a Companhia de Energia de Pernambuco/Neoenergia (Celpe), a Companhia de Eletricidade da Bahia/Neoenergia (Coelba) e a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). Acordos firmados entre estas empresas e os Truká foram descumpridos. Torres de alta tensão foram instaladas na terra indígena, prevendo isenção do pagamento de energia. Os índios negam-se a pagar a conta de luz que lhes é cobrada. O fornecimento de eletricidade para a Ilha de Assunção foi cortado, inclusive o da escola, do posto de saúde e de bombas de água fundamentais ao abastecimento de toda a comunidade.

Segundo o cacique Neguinho Truká o corte de energia pode ser uma retaliação por causa dos protestos do povo contra o projeto de transposição do rio São Francisco ou, muito provavelmente, uma pressão para baixar a resistência às hidrelétricas de Pedra Branca e Riacho Seco.

O ano de 2007 foi bastante significativo na história de várias populações do Nordeste atingidas pela Transposição do Rio São Francisco. Desde que as iniciativas pela transposição saíram do papel, uma corrente de mobilizações e ações de resistência começaram a ser deflagradas pelos movimentos sociais e redes. A resistência aglutinou o apoio de diversas pessoas, especialmente durante a realização de acampamento no local onde o exército iniciou o projeto, em Cabrobó.

Todo este esforço foi, contudo, impedido por ações da Polícia Militar, que dificultou o acesso dos manifestantes ao local. Cerca de 15 deles, sem identificação – em quatro viaturas -, bloquearam a entrada para o acampamento e afirmaram estar ali por determinação do comando da polícia.

Diversos documentos relativos ao projeto da transposição podem ser baixados na página do Ministério da Integração Nacional, na internet. Um deles, o estudo de impacto ambiental (EIA), identificou 44 impactos, sendo 23 considerados como de maior relevância. Desses impactos, 11 são positivos e 12 negativos. Para cada um destes as medidas mitigadoras e potencializadoras estão descritas, revelando a inevitabilidade do projeto e/ou a sua desconsideração com o que pensam os atingidos sobre sua implantação, já que sempre há soluções ou medidas mitigatórias ou compensatórias para os impactos considerados negativos, ou potencializadoras para os impactos tidos como positivos.

Representantes da OAB se manifestaram publicamente contrários ao projeto. Em suas argumentações, a proposta só deveria sair do papel após aprovada pelo Congresso Nacional, e avalizada pelas comunidades indígenas diretamente afetadas em suas terras.

Em resposta à OAB, o então coordenador-geral do projeto e chefe de gabinete do ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes, Pedro Brito (que o sucederia no posto, sendo igualmente sucedido por Geddel Vieira Lima), afirmou que os dirigentes da OAB precisavam se informar melhor sobre o projeto, pois o traçado dos canais não atravessa[va] nenhuma reserva indígena. Pedro Brito sustentaria a tese de que, sendo o rio São Francisco federal, a União poderia tomar qualquer decisão sobre suas águas independentemente da posição dos estados. “Estamos levando água para 12 milhões de pessoas. Isso também é um direito previsto na Constituição”, explicou.

Ao longo dos anos seguintes, o Povo Truká estabeleceu dinâmicas para fortalecimento de suas articulações com povos e comunidades da região e de outras partes do País a fim de potencializar sua luta por território e contra os impactos socioambientais de atividades produtivas e obras de infraestrutura propostas para o rio São Francisco. Em julho de 2010, por exemplo, foi realizado o Seminário Os projetos de barragem no Rio São Francisco e o Território Truká. Na ocasião, o povo indígena recebeu representantes do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Núcleo de Estudos em Povos e comunidades Tradicionais e Ações Socioambientais (NECTAS), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) e da Articulação Popular pela Revitalização do Rio São Francisco.

De acordo com a carta final do evento, eles relatam que Nesses dias levantamos dados e informações sobre os projetos governamentais que prejudicam nossas vidas, a vida da nossa mãe terra e de nosso pai, o rio sagrado.

E alegam que: Já fomos muito prejudicados com as barragens no rio São Francisco ao longo dos anos e com a construção do canal da transposição, que modificaram nossas vidas, nossos costumes e nossa sobrevivência. A construção das barragens de Pedra Branca e Riacho Seco, bem como de uma possível usina nuclear na região, não prejudicará somente nossas atividades produtivas, mas terá impacto no equilíbrio social e espiritual de nosso povo. Como também afetará várias comunidades ribeirinhas, quilombolas, pescadores, muitos povos indígenas e população urbana, entre outros.

Em novembro daquele ano, dando continuidade às articulações políticas e acadêmicas, os Truká participaram de um seminário de formação promovido pelo CIMI, cujo tema foi O sonho, a realidade do bem viver frente ao modelo de desenvolvimento. Cerca de 120 pessoas participaram do evento, entre professores, pesquisadores, lideranças indígenas, assessores de movimentos sociais etc. Na ocasião, além de discutirem temas como o modelo de desenvolvimento da América Latina, os governos de esquerda do continente, fenômenos como as mudanças climáticas e conceitos como o bem viver e a justiça ambiental, eles puderam expor seus problemas e trocar experiências entre si e com os palestrantes presentes, o que contribuiu para fortalecer possíveis ações conjuntas e aianças estratégicas.

O caso dos Truká obteve maior divulgação quando foi tema de um relatório elaborado pela Plataforma Dhesca Brasil. Elaborado pelo sociólogo Sergio Sauer, o relatório foi lançado no plenário da Assembleia Legislativa de Pernambuco, no dia 22 de fevereiro de 2011, e elaborado com base em visitas realizadas às diversas comunidades do rio São Francisco em outubro do ano anterior.

Eles assinalam que as obras realizadas na bacia nos anos anteriores, ou em licenciamento, violam os direitos humanos dessas populações, principalmente o direito à terra e ao território. E nem as obras de compensação, como habitação adequada e escolas, até agora foram cumpridas.

No tocante ao povo Truká, eles afirmam que os estudos antropológicos dos povos indígenas Truká e Tumbalalá não foram finalizados e já perduram por muito tempo, cujos territórios não são reconhecidos e nem demarcados, na sua integralidade. Essas áreas serão inundadas ou impactadas por essas obras na região. E, diante dessas incertezas, têm ocorrido conflitos entre esses povos indígenas e os órgãos governamentais.

O problema foi novamente abordado durante encontro nacional realizado pelo CIMI em Luziânia/GO em maio de 2011. O evento reuniu cerca de 200 lideranças indígenas de todo o País; entre elas, as dos Truká. De lá, eles se dirigiram para Brasília, onde se uniram a mais 300 índios que, naquele momento, realizavam o chamado Acampamento Terra Livre em frente ao Congresso Nacional, reivindicando que o governo federal desistisse da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, e que pare as obras de transposição do Rio São Francisco, cercadas de polêmica desde o governo passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou a decisão de tocá-las.

Os conflitos chegaram à ONU em julho de 2011, quando Uilton Tuxá, membro da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e coordenador da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOIMNE), se reuniu com o responsável pelo Programa de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas no Brasil, o Sr. Antônio Cisnero, a quem entregou denúncias de violações dos direitos indígenas nessas obras. Principalmente, a de transposição do rio São Francisco, que afeta diretamente os índios da bacia de uma forma geral, e os Truká, Tuxá e Tumbalalá, mais especificamente.

A proposta indígena era que os relatores das Nações Unidas pudessem intervir junto ao Estado Brasileiro, para que este adotasse medidas que assegurem o respeito aos Direitos Indígenas de acordo com os tratados internacionais, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Em abril de 2014, foi divulgado que, além dos impactos socioambientais das grandes obras em curso na região, décadas de manejo inadequado do solo por parte dos grandes fazendeiros, cujo modelo de produção ao longo do tempo também foi apropriado pelos Truká, estavam resultando em intensificação do processo de desertificação da ilha da Assunção, que compartilhava o problema com outras regiões de Cabrobró.

De acordo com reportagem publicada no portal G1, o local já foi bastante explorado na produção de arroz. No ano passado, índios Truká plantaram o cereal, mas não colheram nada. Dos cinco mil hectares que a gente tem apto à produção agrícola, três mil estão totalmente comprometidos com a salinização, afirma o líder indígena Neguinho Truká.

As famílias que antes sobreviviam da agricultura tiveram que deixar a Zona Rural de Cabrobó por causa da desertificação. Entre elas, muitos índios buscaram na cidade oportunidades de trabalho. As famílias da gente têm padecido. Nossa juventude, principalmente, está buscando alternativas nos grandes centros por falta de opção no campo, relatou Neguinho Truká.

No mês seguinte, quando a presidente Dilma Rousseff visitou o município, os índios fecharam a BR-483 para protestar contra a transposição do rio São Francisco, obra que pode intensificar problemas como esse. Contrário à transposição do rio desde o seu anúncio, Yssô Truká defendeu, na ocasião, políticas públicas que realmente ajudem o povo. A transposição só atende ao agronegócio e aos barões. Fomos traídos pelos governos Lula e Dilma. Os indígenas estão sendo massacrados pelas ações do governo federal.

Cronologia:

Final do século XVII/Início do Século XVIII: Início da expropriação do território dos Truká.

1940: Povo Truká pressiona SPI para garantir posse de seu território tradicional. Contato com os Tuxá de Rodela é estratégico para este processo.

1965: Estado de Pernambuco adquire ilha tradicionalmente ocupada pelos Truká e inicia colonização a cargo da Companhia de Revenda e Colonização (CRC).

Fins de 1960: Companhia de Produção de Mudas e Sementes Selecionadas do Estado de Pernambuco (SEMEMPE) instala canteiro de mudas na ilha e expropria nova parcela do território Truká. Povo indígena volta a pressionar União para demarcar seu território.

1976: FUNAI encaminha técnicos para a ilha a fim de avaliar situação fundiária dos Truká.

1980: FUNAI designa comissão para realizar levantamento antropológico dos Truká.

1981: A partir de acordo com o Governo do Estado de Pernambuco, FUNAI obtém dois lotes de 14 ha para assentar temporariamente as comunidades Truká.

1982: A fim de pressionar a FUNAI, povo Truká ocupa área de 70 hectares.

1984: FUNAI realiza demarcação reconhecendo área de 1659 hectares como território tradicional dos Truká. Pelos menos mil hectares estavam na ocasião ocupados por posseiros.

1987: FUNAI cria posto indígena em Arcoverde.

1990: Povo Truká começa a sofrer violência em seu território. Fazendeiros e plantadores de maconha são acusados de serem os responsáveis por praticar sequestros, espancamentos e assassinatos contra os membros do povo.

1992: Comissão Especial de Análise da FUNAI confirma perímetro a ser demarcado como terra indígena Truká. Representantes indígenas concordam com área proposta.

1999: Desde a confirmação da demarcação, povo Truká intensifica a retomada de seu território tradicional. Este ano marca a retomada de todo o arquipélago tradicionalmente ocupado pela etnia. Repressão contra os índios também se intensifica, tendo o apoio de policiais federais e militares.

30 de junho de 2005: Adenilson Vieira (38) e Jorge Vieira (17), membros da etnia, são assassinados por policiais militares. Mozeni Araújo é alvejado na mesma investida, mas sobrevive.

2007: Fortalecem-se as articulações entre o povo Truká e outros povos indígenas e comunidades tradicionais do rio São Francisco, para resistir à proposta de transposição do rio e suas obras auxiliares.

2008: Mozeni Araújo é assassinado; na ocasião, ele era presidente da Associação Truká e candidato a vereador com fortes possibilidades de eleição pelo seu povo.

29 de julho de 2010: Povo Truká e entidades parceiras divulgam carta final do Seminário Os projetos de barragem no Rio São Francisco e o Território Truká, realizado em Cabrobó.

22 de fevereiro de 2011: Relatório da Plataforma Dhesca Brasil divulga violações dos direitos humanos em obras na Bacia do rio São Francisco, destacando os impactos destas sobre o povo Truká e outros povos e comunidades tradicionais da região.

Maio de 2011: Lideranças Truká participam de encontro nacional realizado pelo CIMI em Luziânia/GO. Cerca de 200 lideranças indígenas participam do evento, de onde partiram para o Acampamento Terra Livre realizado pelo movimento indígena em Brasília, para exigir a suspensão das obras da UHE Belo Monte e da transposição do rio São Francisco.

Julho de 2011: Denúncias de violações dos direitos indígenas brasileiros decorrentes de obras e empreendimentos são entregues ao responsável pelo Programa de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas no Brasil, o Sr. Antônio Cisnero.

Abril de 2014: Estudos comprovam avanço da desertificação nailha da Assunção.

Maio de 2014: Durante visita da presidenta Dilma Rousseff a Cabrobó, povo Truká fecha rodovia em protesto contra obras da transposição do rio São Francisco.

Última atualização em: 02 jul. 2014.

Fontes

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