MT – Sofrimento e perseguição do povo Bororo no Mato Grosso

UF: MT

Município Atingido: Poxoréo (MT)

Outros Municípios: Poxoréo (MT)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Monoculturas, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato

Síntese

Os Bororo, ou Boe, etnia do ramo Macro-Jê, estão espalhados hoje por seis terras indígenas no Estado do Mato Grosso. Contatados pela primeira vez no século XIX, por missões jesuítas, esses índios viveram desde então uma contínua história de lutas e expropriação do seu território tradicional.


Divididos entre Bororos Orientais e Ocidentais, estima-se que a etnia contava com mais de dez mil índios. Os Bororo foram alvo de diversas campanhas entre os séculos XVIII e XIX que culminaram com o completo extermínio dos Bororo Ocidentais e a rendição dos Bororos Orientais em meados dos anos 1880. Derrotados e expropriados, os Bororo contam hoje com pouco mais de 1300 indivíduos, que ocupam uma área correspondente a 1/300 de seu território original.


Entre 1896 e 1930 o Marechal Cândido Rondon reservou diversas áreas visando garantir parte significativa do território Bororo. Em 1910, uma área de aproximadamente 100 mil hectares foi reservada para a etnia na região onde hoje se situa o município de Poxoréo. A então Reserva de São João do Jarudore ficou sob responsabilidade do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão que precedeu a Funai na execução da política indigenista nacional.


Contudo, em 1945 a Reserva de São João do Jarudore, por iniciativa do governo do Estado de Mato Grosso, reduziu sua área para cerca de seis mil hectares, e em 1951 para 4076 hectares. Não obstante essas sucessivas reduções, em 1958, a Prefeitura Municipal de Poxoréo criou o Distrito de Jarudorí, com 142.800 hectares. Este distrito se sobrepôs ao território Bororo remanescente e possibilitou a ocupação do mesmo por pessoas estranhas à etnia. Esta última medida culminou com a expulsão final dos Bororo de suas terras.


Desde junho de 2006, cerca de 30 famílias Bororo, lideradas pela cacique Maria Aparecida Toro Ekureudo, assumem a luta pela reconquista de seu território eles retornam à terra indígena, ocupando área em Jarudore pelo início da retomada dos cerca de 4 mil hectares demarcados para a etnia em 1951. Em resposta, têm sofrido diversas ameaças, atentados e assassinados provocados por pessoas ligadas aos fazendeiros e posseiros locais. A ação do Estado no conflito é marcada pela omissão e a leniência, o que impede que a etnia acesse seu direito constitucional ao território que lhe é tradicional.

Contexto Ampliado

A consolidação do Distrito de Jarudorí, cujas terras ao longo dos anos foram distribuídas entre uma centena de famílias de pequenos agricultores e grandes fazendeiros (no local, existem 218 imóveis entre residências, comércio e prédios públicos), é hoje o principal obstáculo à reocupação da área pelos Bororo. Em 1999, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou inquérito administrativo para averiguar as violações aos direitos territoriais dos Bororo, e deu entrada em 2006 a uma ação civil pública (ACP) a fim de garantir a reocupação da área pela etnia e a retirada dos não-índios que ocuparam-na ilegalmente. Não há ainda decisão favorável à demanda indígena.


A reconstituição da hoje chamada Terra Indígena (TI) Jarudore encontra grande resistência entre a população não-índia local. Essa resistência tem resultado em ameaças e atentados contra as lideranças Bororo e suas famílias. Em diversas ocasiões, a Cacique Bororo Maria Aparecida Toro Ekureudo veio a público denunciar ameaças contra seu povo. A primeira delas foi em 05 de dezembro de 2006, quando a cacique encaminhou denúncia ao MPF a respeito de ameaças de morte que o grupo estaria sofrendo. No dia 26 daquele mesmo mês, João Osmar Lopes, o Gaúcho, genro não-índio da cacique, sofreu um atentado enquanto transportava leite para ser vendido em um laticínio local.


Segundo veiculou a imprensa local, dois homens haviam pedido carona e uma moto acompanhou o caminhão. Já fora da terra indígena, os homens jogaram gasolina no caminhão, que pegou fogo. João Osmar foi achado no meio do dia seguinte, a cerca de 20 km do local do atentado. Ele tinha escoriações, sem ferimentos graves, mas estava psicologicamente muito abalado.


Na ocasião o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acompanhou o caso e repercutiu a notícia nacionalmente. Alguns relatos indígenas davam conta de que o presidente da Associação de Moradores do Distrito de Jarudore, Carlos Antônio do Carmo, o Mineiro, estaria envolvido no atentado. Em depoimento à Polícia Federal em Rondonópolis Carlos Antônio negou qualquer participação no ocorrido. Sob orientação da Funai, a Polícia Federal relutou inicialmente em abrir inquérito, – alegando que por não se tratar de vítima indígena, nem envolver a coletividade, o caso seria competência da Polícia Civil do Mato Grosso. A questão nunca foi esclarecida.


A repercussão negativa do caso e a ação leniente dos órgãos responsáveis pela apuração das responsabilidades não diminuiu a tensão na região. As ameaças continuaram, e em 17 de março de 2007 Helenildo Bataru Egiri, índio Bororo de 20 anos, foi assassinado por dois homens na porta de sua casa em Jarudore. Nessa ocasião também foi divulgado que missionários salesianos ligados aos Bororo também estariam sofrendo ameaças de morte.


O assassinato de Helenildo não pôs fim à luta Bororo, mas deu início a uma trégua velada na localidade. Segundo a cacique Toro Ekureudo, entre março de 2007 e janeiro de 2008 as ameaças cessaram, sendo contudo reiniciadas logo a seguir. Dessa vez a Funai não esperou que novos índios fossem assassinados e encaminhou representantes para o local. Depois de uma reunião, o chefe do núcleo da Funai de Rondonópolis, Antônio Dourado, e o chefe interino de meio ambiente do órgão, Benedito César Garcia de Araújo, seguiram para a aldeia em 10 de fevereiro de 2008.


Posteriormente, veio a público que o fim da trégua entre os Bororo e posseiros se deu devido ao fato dos índios terem denunciado fazendeiros do distrito ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), por desmatamentos na região. O Ibama multou os fazendeiros em aproximadamente R$ 300 mil.


Apesar dos atentados, ameaças, assassinatos, violência, do clima de tensão na região e das consequências negativas do conflito para a população local (tanto para índios, quanto não-índios), até hoje a ação civil pública movida pelo MPF em 2006 não foi julgada. Ao que se sabe somente o pedido de liminar determinando a saída dos não-índios da área foi julgado pela 3ª Vara Federal em Mato Grosso, sendo negado. Um total de 209 moradores do distrito de Jarudore são réus na ação e podem perder as terras que atualmente ocupam a qualquer momento. Isso significa uma situação de insegurança jurídica para ambos os lados, que se veem diante da impossibilidade de explorar plenamente o potencial das terras. A desocupação da terra indígena, e posterior indenização ou reassentamento dos posseiros, poderia pôr fim ao conflito, permitindo àqueles que querem explorar a terra, produzir legitimamente, e às comunidades originais reconstruir seu território ancestral e reunir uma comunidade há muito dispersa. A morosidade do judiciário impede, entretanto, que a solução definitiva ocorra, prolongando o estado de acirramento dos ânimos.


Em novembro de 2008, novo episódio veio acender mais uma vez o conflito. Segundo denúncias de lideranças Bororo, o professor bororo José Aniceto Xavier de Melo teria sido vítima de uma armação em Rondonópolis, que deu origem a acusação de que o mesmo teria furtado um carro. De acordo com relato da cacique Aparecida Ekureudo, o professor e outros Bororo estavam na cidade para tratar de questões da aldeia com a Fundação Nacional do Índio. […] no início da tarde, Aniceto foi para o centro de Rondonópolis. Lá, um rapaz conhecido como 'Batata' pediu que José Aniceto conduzisse um veículo até a Casa do Índio (Casai). Imediatamente, um carro de polícia começou a perseguir o veículo onde estava o indígena. No percurso, 'Batata' teria saído do carro. A polícia, então, parou o veículo e prendeu o jovem indígena. Durante a prisão de José Aniceto, ele teria sido agredido no rosto por um policial, supostamente filho de um dos não-índios que ocupam a terra indígena Jarudore. A Funai se comprometeu a acompanhar o caso.


O episódio demonstra o quanto o conflito pode estender suas ramificações até mesmo dentro de instituições que teoricamente deveriam garantir a segurança de todos, índios e não-índios, e como a prorrogação do conflito indefinidamente tende a tornar as ações ainda mais violentas e desesperadas. Assim como as outras ações contra os Bororo, o caso ainda não foi plenamente esclarecido, e, se as denúncias da cacique se confirmarem, isso poderá ser um indício de tentativas de deslegitimar localmente os povos indígenas a fim de garantir o apoio da população da região à resistência à desocupação.


A análise deste e de outros conflitos socioambientais exige que se atente para as suas múltiplas dimensões, na medida da sua dimensão fundiária (o uso dos recursos de um dado território em disputa), como também dos fatores simbólicos a fundamentar e legitimar as partes em disputa na defesa dos respectivos pontos de vista. A luta em Poxoréo se dá tanto pelo acesso à terra, quanto pela definição dos usos e das possíveis atribuições dos domínios territoriais em disputa.

Última atualização em: 10 de outubro de 2009

Fontes

AGÊNCIA BRASIL. Cacique denuncia ameaça a índios da etnia Bororo no Mato Grosso. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=262065. Acesso em: 10 jun. 2009.


AMAZONIA.ORG. Ação para devolver área a índios em Mato Grosso está parada há dois anos. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=262065. Acesso em: 10 jun. 2009.


______________. Índios bororos começam a falar à Funai. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=261331. Acesso em: 10 jun. 2009.


______________. Atentado abre conflito entre brancos e índios no Sul de Mato Grosso. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=229509. Acesso em: 10 jun. 2009.


______________. Após 50 anos, bororos reiniciam luta pela terra . Disponível em: http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=213341. Acesso em: 10 jun. 2009.


A TRIBUNA. Moradores querem intervenção do Estado na disputa de terras com índios. Disponível em: http://www.atribunamt.com.br/2008/02/jarudore-moradores-querem-intervencao-do-estado/. Acesso em: 10 jun. 2009.


INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos Indígenas do Brasil: Bororo. Disponível em:http://pib.socioambiental.org/pt/povo/bororo/241. Acesso em: 10 jun. 2009.


CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Os Bororo denunciam prisão suspeita de jovem indígena no Mato Grosso. Disponível em: http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=3510&eid=353. Acesso em: 10 jun. 2009.


______________. Índio Bororo é morto em Jarudóri, Poxoréu (MT). Disponível em: http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=2425&eid=353. Acesso em: 10 jun. 2009.


______________. Povo Bororo sofre atentado por voltar para terra homologada. Disponível em:http://www.cimi.org.br/dev.php?system=news&action=imprimir&id=2324&eid=274. Acesso em: 10 jun. 2009.

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