RJ – Jardim Gramacho – catadores de materiais recicláveis lutam pelo direito ao trabalho, apesar das condições de marginalização, doenças e insalubridade
UF: RJ
Município Atingido: São João de Meriti (RJ)
Outros Municípios: Duque de Caxias (RJ), Mesquita (RJ), Nilópolis (RJ), Queimados (RJ), Rio de Janeiro (RJ)
População: Catadores de materiais recicláveis, Moradores de aterros e/ou terrenos contaminados, Pescadores artesanais
Atividades Geradoras do Conflito: Aterros sanitários, incineradores, lixões e usinas de reciclagem, Atuação de entidades governamentais, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Assoreamento de recurso hídrico, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida
Síntese
Criado em 1976 para receber os resíduos sólidos dos municípios de Rio de Janeiro, Nilópolis, São João de Meriti e Nova Iguaçu, o Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (AMJG), localizado no município de Duque de Caxias, foi fruto de um convênio firmado entre as prefeituras desses municípios, a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM) e a Companhia de Limpeza Urbana do Município do Rio de Janeiro (COMLURB), que recebeu um lote do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a implantação de um depósito de lixo.
Instalado num contexto sociopolítico em que a preservação ambiental ainda era uma questão incipiente (o movimento ambientalista brasileiro só iria se fortalecer especialmente na década de 1990), o projeto do “Lixão de Gramacho”, como é popularmente conhecido, possui uma série de erros estruturais que geraram riscos ambientais para a população local e ameaçam, mesmo após seu fechamento oficial em junho de 2012, o ecossistema da Baía de Guanabara.
O primeiro desses erros foi a escolha do local de instalação. Ocupando mais de 1,3 milhões de m², o lixão foi instalado em área de aterro onde outrora existia um manguezal, o que gerou diversos acidentes, ameaçando a baía com o despejo de toneladas de lixo e chorume diretamente em suas margens e águas.
Além disso, o bairro de Jardim Gramacho é um local extremamente empobrecido do município de Duque de Caxias, provido de precária infraestrutura sanitária e saneamento básico quase inexistente. Tudo isso contribuiu para aumentar a insalubridade do local, sujeito à poluição do ar, chorume pelas ruas, falta de limpeza pública, grande quantidade de vazadouros e depósitos clandestinos de lixo no entorno do aterro, bem como proliferação de vetores de diversas doenças, como tuberculose, hanseníase, alergias etc.
Este quadro foi exposto em depoimentos de catadores e moradores do bairro, tanto para os noticiários e reportagens quanto em pesquisas como a de Maria Inês Corrêa Cárcamo (2013), que analisou um quadro socioeconômico propício à proliferação de doenças e que, aliado à precariedade do atendimento de saúde municipal, gerou riscos à saúde da população local.
De acordo com Oliveira Magalhães, até 2016, das cerca de 20.000 pessoas que moravam em Jardim Gramacho, a maior parte dependia direta ou indiretamente do comércio de sucata e materiais recicláveis. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre a situação social e econômica dos catadores de materiais recicláveis no Brasil (2013) estimou em cerca de 3.000 o número de catadores de materiais recicláveis (cooperativados e autônomos) no bairro.
O aterro foi fechado em abril de 2012, mas, apesar de todos os esforços das associações de catadores para garantir visibilidade e melhoria na qualidade de vida, a maioria dos catadores e moradores do bairro de Jardim Gramacho continua abandonada pelo poder público.
Seis anos após o fechamento do aterro, o bairro ainda é um grande bolsão de miséria, além de foco de denúncia dos pescadores artesanais do rio Sarapuí. Estes têm denunciado a ação de empresas poluidoras, como a Gás Verde, que, ao se comprometer com a reparação ambiental do aterro, não considerou a participação e o modo de vida deste grupo tradicional, poluindo ainda mais o rio.
Última atualização: 28 nov. 2019
Contexto Ampliado
Jardim Gramacho é um bairro do município de Duque de Caxias que se encontra dividido em diversas localidades, como o conjunto habitacional construído pela Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara (COHAB, hoje substituída pela Companhia Estadual da Habitação do Rio de Janeiro – CEHAB), o Morro do Cruzeiro, o Triângulo e o Morro da Placa, Chatuba, Favela do Esqueleto, o Beco do Saci, a Cidade de Deus, a Avenida Rui Barbosa, o Parque Planetário, a comunidade da Paz/Maruim, entre outras.
De acordo com a publicação, de 2005, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), o local se caracteriza por possuir grandes bolsões de miséria. Algumas áreas do bairro não apresentam qualquer infraestrutura (como saneamento, água, luz elétrica e ruas pavimentadas), e surgiram em decorrência da ocupação desordenada do solo urbano, através de um processo de loteamento realizado por políticos locais com a anuência do poder paralelo atuante na região.
De acordo com Soares Meirelles e Moreira Gomes (2016), o Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho está localizado em uma área de 1,3 milhões de m² e recebeu um volume de lixo de 8.000 toneladas/dia, o que representa cerca de 240.000 toneladas/mês, volume que era transportado por cerca de 600 caminhões por dia ao aterro.
Até o ano de 1996, funcionou como um lixão, nome pelo qual o aterro é popularmente conhecido até hoje e, após esse ano, passou a funcionar como um aterro controlado, gerido pela empresa Queiroz Galvão S/A, junto com a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb).
Foi também nessa época (1996) que surgiu a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis de Jardim Gramacho (CooperGramacho), a primeira do bairro e até hoje a única oficialmente legalizada. Até então, os catadores atuavam de forma autônoma, sem qualquer tipo de controle por parte do poder público.
Moreira Gomes (2008) acrescenta que a criação da cooperativa e a introdução de algumas formas de controle dos catadores, como o cadastramento dos mesmos pela operadora, geraram três categorias de trabalhadores. Na época do estudo, os catadores cooperativados eram minoria entre os catadores que atuavam no aterro, com direitos trabalhistas, plano de saúde, seguro de vida e benefícios sociais, mas também possuíam deveres, como horários pré-definidos, necessidade de utilização de uniformes e equipamentos de proteção, com atuação nas unidades de triagem disponibilizadas pela operadora em parceria com a Comlurb.
O segundo grupo vinculava-se aos depósitos de sucata situados no entorno, sendo na época o mais numeroso, com 1.190 trabalhadores. O terceiro grupo era formado por 370 catadores que trabalhavam sem qualquer tipo de vínculo. O segundo e o terceiro, analisa o autor, trabalhavam diretamente nas rampas de serviço em condições extremamente precárias, desprovidos de equipamentos de proteção individual adequados, sujeitos às condições climáticas e circulando livremente entre os tratores e caminhões, expostos a acidentes e doenças. Nenhum dos grupos possuía vínculos formais de qualquer tipo, nem qualquer tipo de proteção para caso de acidentes. Em compensação, costumavam auferir ganhos maiores do que os catadores cooperativados, com maior flexibilidade em relação à carga-horária.
De acordo com Adriana Xerez (2013), o catador Sebastião Santos, seus irmãos e outros companheiros formaram a Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (ACAMJG), em 2005, a fim de garantirem os direitos dos catadores e obterem reconhecimento social de seu importante papel em prol de reivindicações políticas.
Xerez acrescenta que a ACAMJG, em seu início, tentou criar uma consciência política no catador, e, apesar de conseguir cadastrar quase 1.500 deles, apenas 118 eram de fato associados. Desses, a associação investia para estimular a conscientização sobre a condição do trabalho.
Também em 2005, segundo este estudo, o lixo extraordinário (lixo produzido em grandes quantidades, como supermercados, grandes condomínios, grandes empresas, fábricas etc.) não era mais despejado. Nesse evento, muitos trabalhadores compreenderam que o aterro realmente ia fechar:
“Na concepção dos trabalhadores, este tipo de lixo era muito bom, pois caía material de grandes empresas e supermercados; logo, era possível catar, além de muito arquivo e papelão, uma comida boa e embalada para levar para casa. Mas, como os resíduos sólidos domiciliares continuavam sendo despejados, o problema do lixo extraordinário caiu no esquecimento.”
Luiz Claudio Moreira Gomes (2016), por sua vez, afirma que os catadores são a base de uma cadeia econômica que ainda inclui empresários, indústrias, atravessadores e comerciantes (os quais muitas vezes possuem relações com o crime organizado, o que impede que se constituam relações de negócio favoráveis aos catadores).
Muitos trabalhadores reivindicam que a promoção da coleta seletiva no município seja realizada pelas cooperativas de catadores, de forma a impedir que esses empresários e comerciantes dominem a cadeia, bem como que os responsáveis pela coleta e triagem permaneçam subjugados a uma hierarquia que os mantém na miséria através da imposição de preços baixos para o produto vendido. Baseando-se no trabalho de Eigenheer (2003), Gomes acentua que:
“Tanto as pessoas que trabalham com lixo como os locais em que ele é disposto recebem tratamento negativo similar ao de pessoas e espaços ligados a outras ‘produções’ da sociedade igualmente antigas e indesejadas, como cemitérios, manicômios, hospitais terminais, prisões, áreas de prostituição e albergues para mendigos. São lugares malditos, relegados, de preferência aos ‘cantos’ e à ‘periferia’ da cidade. Aqueles que trabalham nesses lugares são discriminados, e em muitos casos considerados cidadãos de terceira categoria. (…) A identidade do catador de material reciclável ainda não se encontra construída como a de um importante agente ambiental, sendo ao contrário remetida ao universo da marginalidade.”
O objetivo de ultrapassar o estigma que os perseguia se deu através da atuação política da ACAMJG. De acordo com Adriana Xerez (2013), a Associação levou os problemas dos catadores de Gramacho para além das fronteiras municipais, através da sua participação em encontros, seminários e até mesmo no Fórum Social Mundial (FSM), ampliando as articulações da entidade e fortalecendo sua capacidade de luta, fazendo com que seus problemas fossem debatidos a nível nacional e internacional, ao mesmo tempo em que se aproximavam de grupos que enfrentam questões semelhantes em outras partes do Brasil e da América Latina.
Em julho de 2006, foi lançado o documentário “Estamira”, dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha. Trata-se da história protagonizada por Estamira Gomes de Sousa, que vivia e trabalhava (à época da produção do filme) no aterro de Jardim Gramacho.
De acordo com Marcos Prado: “Ela acreditava ter a missão de trazer os princípios éticos básicos para as pessoas que viviam fora do lixo onde ela viveu por 22 anos. Para ela, o verdadeiro lixo são os valores falidos em que vive a sociedade”.
O documentário “Estamira” teve repercussão internacional, angariando muitos prêmios e o reconhecimento da crítica (disponível aqui).
Em fevereiro de 2006, os catadores de materiais recicláveis também passaram a se articular com mais intensidade com outros grupos e organizações de Jardim Gramacho, através do Fórum Comunitário de Jardim Gramacho. De acordo com a ACAMJG, este Fórum recebeu o apoio do Instituto Brasileiro de Análise Econômica e Social (IBASE), cujo objetivo era:
“Fortalecer e valorizar o bairro; identificar, discutir e apontar possíveis soluções para os problemas do bairro; construir um Plano de Ação de Desenvolvimento Comunitário de J. Gramacho, dentre outros”
No nível municipal, os catadores conseguiram, da prefeitura local, a promessa da construção de um Polo de Reciclagem gerido por eles. Essa proposta havia avançado, e a prefeitura de Duque de Caxias já havia reservado um terreno para a instalação do Polo, com a promessa de realizar obras de infraestrutura no local.
Contudo, em abril de 2008, conforme noticiado pelo site lixo.com.br, o prefeito da ocasião, Washington Reis (do Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB), voltou atrás na promessa e iniciou obras a fim de realizar o loteamento do terreno, o que gerou protestos por parte dos catadores e até um ato em frente à prefeitura, organizado pelo MNCR no mesmo mês.
Outra proposta existente para resolver o problema foi o projeto apresentado pelo consórcio Novo Gramacho Energia Ambiental S.A. de capacitação e aproveitamento de parte dos catadores na Usina de Biogás do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho. Segundo o consórcio:
“A Usina de Biogás produzirá, por meio da decomposição de matéria orgânica do lixo, cerca de 160 milhões de metros cúbicos de biogás por ano. A energia gerada com a produção de biogás será equivalente à de gás natural consumida pelas residências na cidade do Rio [de Janeiro], evitando a liberação de 75 milhões de metros cúbicos de metano por ano na atmosfera.
O projeto, o maior do Brasil em redução das emissões de gases de efeito estufa, demandará investimentos de R$ 91 milhões até a sua fase final – dos quais R$ 41 milhões já foram aplicados. O restante será investido na purificação do gás e no seu transporte, além de obras de compensação ambiental.
Entre as ações contempladas no projeto da usina, está previsto um fundo de cerca de R$ 1,2 milhão/ano para ser destinado aos catadores de Gramacho para capacitação e compra de equipamentos. A ideia é garantir trabalho e renda para eles.
Vamos fazer um redesenho dos catadores, identificar o que cada um pode fazer e a capacitação mais indicada. Temos certeza de que há pessoas que estão em Gramacho por terem sido expulsas do mercado de trabalho e outras que têm uma tradição de catador na família”. (SANTOS, )
Esse projeto, contudo, ainda não foi apropriado pelos catadores como uma bandeira. Talvez porque tenha sido construído sob a perspectiva do empreendedor, ignorando as apreensões e necessidades dos catadores, seus próprios projetos, suas aspirações e atuação política. É uma proposta elaborada sem a participação dos principais interessados e os mantém, como define Moreira Gomes (2008), “instalados na pior e menos rentável posição da cadeia econômica da reciclagem”.
Assim, o destino das milhares de famílias que, naquele momento, dependiam do lixo depositado no aterro de Jardim Gramacho, seguia indefinido. Os catadores permaneciam na luta por seus direitos e pela dignidade de trabalhar na profissão que não escolheram, mas lhes garantia a subsistência num contexto social excludente, que os impedia de ingressar no mercado trabalho em atividades menos insalubres.
Em janeiro de 2010, reportagem de Victor Abdala para a Agência Brasil divulgou que a Petrobras pretendia usar o gás resultante da decomposição do aterro sanitário de Jardim Gramacho como combustível pela Refinaria de Duque de Caxias (Reduc). Tratava-se de um acordo firmado entre empresas como a Gás Verde, a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e o Governo do Estado do Rio de Janeiro, respectivamente, através da gestão de Eduardo Paes e Sergio Cabral Filho. A empresa Gás Verde processaria o gás retirado da montanha de lixo para separar o gás carbônico do metano. Um duto de seis quilômetros levaria o combustível até a Reduc.
Em 2 de agosto de 2010 foi instituída a lei que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada pelo legislativo e regulamentada pelo Governo Federal. De acordo com o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), na referida lei existe incentivo às organizações de catadores, bem como sua participação na gestão integrada dos resíduos sólidos e na cadeia produtiva, sendo, portanto, uma política resultante do movimento.
Um dos seus principais objetivos era a construção de políticas públicas para o tratamento adequado do lixo com inclusão social dos catadores. Segundo o Jornal O Trecheiro (republicado na página no MNCR):
“Antes mesmo de se ouvir falar em aquecimento global e mudanças climáticas, os catadores buscavam imprimir nessa nova lei um caráter social que atendesse as ansiedades dos trabalhadores que, desde sempre, fizeram a destinação correta dos resíduos sólidos, gratuitamente, em condições precárias e, em muitas situações, sendo marginalizados pelo poder público.”
Em 2010 também foi lançado o documentário “Lixo Extraordinário”, dirigido por Lucy Walker, que acompanhou o trabalho do artista plástico Vik Muniz no reconhecimento da realidade dos trabalhadores do aterro e suas histórias de vida. O artista elabora, em conjunto com alguns deles, painéis com suas imagens formadas por objetos jogados no aterro.
O documentário ganhou alguns dos mais importantes festivais do mundo, como o Festival Sundance de Cinema, realizado em Salt Lake City, nos Estados Unidos, onde recebeu o Prêmio do Júri Popular como Melhor Documentário Internacional. Em 2011, o filme também concorreu ao Oscar de melhor documentário.
De acordo com o “Cultura e Currículo”, Sebastião Carlos dos Santos, o Tião, fundador e presidente da Associação de Catadores de Material Reciclável do Jardim Gramacho (ACAMJG), esteve presente no Festival de Berlim e no Oscar. O filme está disponível no YouTube através deste link.
Em abril de 2011 começou a funcionar a Central de Tratamento de Resíduos (CTR) de Seropédica, que passou a receber, gradativamente, o lixo que estava sendo destinado ao Aterro de Jardim Gramacho, de acordo com reportagem do G1.
No entanto, assim como na capital fluminense, a população da zona rural de Seropédica, principalmente as comunidades localizadas no entorno da área escolhida para instalação da Central de Tratamento de Resíduos (agora rebatizado como CTR Santa Rosa), resistiu à aprovação do projeto. A história desta resistência está presente neste Mapa de Conflitos (aqui).
Na avaliação da ACAMJG, a transferência do Aterro de Gramacho para a CTR Santa Rosa, além de expor o baixo índice de reciclagem no município do Rio de Janeiro, desmascarou a vulnerabilidade social dos catadores. Outra questão colocada era a urgente ampliação do sistema de coleta seletiva no município do Rio de Janeiro, com a devida inclusão dos trabalhadores, como prevista na lei federal do Programa Nacional de Resíduos Sólidos.
Ainda em julho de 2011, de acordo com a ONG Recicloteca, cerca de 2.500 catadores sobreviviam do lixo levado para Gramacho. Do total, a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS) estimou que apenas 15% destes estavam organizados em cooperativas.
Outra informação, acrescentada pela (ACAMJG), é que o Aterro de Gramacho recebia em média 17 mil toneladas de resíduos sólidos por dia, sendo nove mil toneladas oriundas do município do Rio de Janeiro e ainda de quatro outros municípios da região metropolitana. Segundo o presidente da ACAMJG, Sebastião Santos (Tião Santos), a cidade do Rio de Janeiro reciclava apenas 2% de todo o resíduo nela gerado. Na avaliação da associação, este percentual ínfimo seria resultante “da má gestão pública, da não responsabilização legal dos grandes geradores, como por exemplo, a indústria do PET (politereftalato de etileno) e do plástico, que pela lei federal não está obrigada a implantar logística reversa de seus produtos, e mesmo pela indiferença do consumidor quanto à importância da coleta seletiva.”
O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por sua vez, define a logística reversa a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que a trata como “(…) instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada.”
O MMA também insere nesta definição o Decreto nº 7.404/2010, que enquadra a implementação e a operacionalização do sistema de logística reversa, implementados e operacionalizados por meio de instrumentos como o regulamento expedido pelo Poder Público, acordos setoriais entre poder público, fabricantes, importadores e comerciantes, dentre outros, bem como os termos de compromissos firmados no bojo destes acordos.
Sebastião Santos ressalta no Blog na ACAMJG (jul. 2011) que a lei que define a política nacional de resíduos sólidos determina que os governos municipais priorizem a contratação de organizações de catadores para serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos recicláveis. Assim, conclui que os catadores de Gramacho poderiam trabalhar na separação dos resíduos gerados na cidade do Rio de Janeiro e nos outros municípios que outrora utilizavam o aterro.
O Inciso II do parágrafo 18, na Seção IV da PNRS, intitulada “Dos Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos”, prevê “a implantação da coleta seletiva com participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda”.
A diretora da Associação dos Catadores de Jardim Gramacho na época, Glória dos Santos, destacou a importância do setor público em se sensibilizar com as demandas daquele coletivo, através de quatro novos galpões, esteiras, prensas e caminhões, a fim de absorver os trabalhadores que buscavam material reciclável em condomínios e indústrias.
Para Bastos e Magalhães (2016), a correlação sobre a PNRS e a vida dos trabalhadores do aterro se faz da seguinte forma:
“É indiscutível que o fechamento do lixão cumpriu o exigido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, porém permanece a impressão de que os trabalhadores do local encerrado seguem esquecidos, ainda deslocados de suas atividades – sendo a catação de materiais recicláveis a única atividade profissional que a maioria deles conhece – não recebendo qualquer oportunidade de inserção no mercado de trabalho formal enquanto se ausenta da fonte de renda que lhes permitia a sobrevivência.”
Em outubro de 2011, a Prefeitura do Rio de Janeiro divulgou que a Petrobras, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para melhorias da área operacional da Reduc, que dentre um dos itens incluía a destinação de R$ 3,5 milhões na instalação de um polo de reciclagem em Jardim Gramacho.
Em abril de 2012, após 34 anos de funcionamento, o aterro de Gramacho é fechado oficialmente. De acordo com reportagem do jornal O Globo, no local entraria em funcionamento a Usina de Biogás, através do uso do biogás como substituto do gás natural. Os catadores cadastrados receberam o cartão da Caixa Econômica Federal para sacar a indenização de R$ 14 mil cada um/a. A verba de R$ 23 milhões foi dividida entre os 1.603 incluídos na lista entregue pela Associação de Catadores de Gramacho.
Em agosto de 2012, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro também informou, como continuidade deste acordo, que a implementação do Polo de Reciclagem de Gramacho seria feita através de convênio entre a Secretaria do Ambiente, a Reduc e a organização civil Pangea Centro de Estudos Socioambientais.
Tal acordo foi feito por meio de uma reunião entre o então secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, o gerente de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Petrobras, Cândido Luis Queiroz da Silva, o gerente de Divisão da Fundação Banco do Brasil, Jefferson D’Avila de Oliveira, e o representante do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, Sebastião Santos, além de representantes de cooperativas de catadores não especificados na reportagem.
Além do TAC da Reduc, a refinaria e a ACAMJG firmaram um segundo convênio entre si, através do qual a Petrobras se comprometeria a doar resíduos recicláveis da Reduc para o polo de reciclagem, garantindo assim um insumo de qualidade para o trabalho a ser desenvolvido no local.
A expectativa gerada por este TAC, segundo Carlos Minc em reportagem no site da prefeitura, era de que a estatal teria de investir em coleta seletiva e na reciclagem do lixo, beneficiando as cooperativas de catadores. Este polo, considerado por ele como uma novidade, permitiria transformar o catador em reciclador.
Adriana Xerez (2013) destaca que o Polo de Reciclagem se encontrava dentro de um contexto maior, no qual se pensa com mais atenção o ofício do catador no Brasil, em um momento histórico em que essa categoria conquistava paulatinamente maior organização e mais voz.
Como relembram Bastos e Magalhães (2016), em 22 de novembro de 2013, lideranças dos grupos de catadores conquistaram, por meio de negociação com o poder público, a construção de um Polo de Reciclagem voltado para o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
O terreno foi concedido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), consoante um termo de cessão de uso à Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade do Rio de Janeiro (SEAS), que utilizou o citado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para negociar com a Reduc.
A construção e estruturação de galpões seriam feitas de modo a empregar os 500 catadores oriundos do antigo “lixão” e que, ainda na época do encerramento, segundo os autores, manifestaram o desejo de permanecer na atividade.
De acordo com o Recicloteca (2014), ainda que fosse projetado para operar com até 500 catadores, já havia 110 trabalhando na triagem de material reciclável. A matéria do Recicloteca faz ressalvas à forma de implementação do Polo, como, por exemplo, que este atendia parte das necessidades dos catadores que queriam continuar a trabalhar na reciclagem, mas que, embora essa opção tenha sido facultada a todos, o Estado perdeu a oportunidade de aproveitar boa parte dessa mão de obra qualificada “de uma maneira mais nobre e inteligente”.
Isso porque a relação dos catadores com o aterro e o ofício que realizavam era um problema complexo, mas que foi desconsiderado com as sucessivas gestões que não souberam tratar desta questão com maior responsabilidade, como “a necessidade de oferecer assessoria social e profissionalizante a esses especialistas dentro do ramo de reciclagem, valorizando o conhecimento adquirido no lixão”.
A matéria acrescenta:
“É fundamental saber que o polo só funciona pois há injeção de verba privada. Se ela acabar esse centro de reciclagem pode fechar, pois o atual rendimento da reciclagem é muito baixo para que uma cooperativa se mantenha através de seu próprio rendimento. Essa mudança importantíssima precisa ser feita por algum governante ao mesmo tempo inteligente, humilde e corajoso para admitir que o modelo de gerenciamento de resíduos precisa de transformação. E que não basta mudar apenas a vida de alguns dos que se dedicaram à reciclagem por anos sem a devida valorização.”
Em setembro de 2017, reportagem do El País, com o título “A 30 quilômetros de Ipanema, a vida passa com menos de três reais por dia”, mostrava as condições do bairro de Jardim Gramacho, onde o estado de pobreza extrema crescia com a desativação do lixão, sem que fossem conduzidas políticas consistentes de mudanças estruturais nas condições de vida dos moradores do entorno.
Com isto, a reportagem reforçava a percepção social de que a história do bairro está intimamente ligada à história do aterro, mostrando que a população do local permanecia negligenciada pelo Estado e continuava sem água encanada, rede de esgoto e, em algumas casas, sem banheiro. A matéria também informava que os antigos catadores chegaram a receber uma indenização de cerca de R$ 14.000,00 quando o aterro fechou.
Em novembro de 2017, segundo o MPF, para adequar as atividades e permitir a obtenção da licença de operação da estação de tratamento de chorume e a licença ambiental de recuperação do antigo aterro, o Inea firmou o TAC n° 07 com as empresas Gás Verde S.A, J. Malucelli Construtora de Obras S.A e Biogás Energia Ambiental S.A.
As empresas adotariam, em 36 meses, medidas ambientais relacionadas às suas atividades no Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, bem como o pagamento de multas decorrentes de infrações previstas na Lei Estadual n° 3.467/2000, além da execução de projetos de serviço de interesse ambiental aprovados no Banco de Projetos Ambientais do próprio Instituto.
No TAC estavam previstos três planos de ação: o primeiro tratava diretamente do aterro metropolitano; o segundo, sobre o apoio financeiro à sala de situação do sistema de alerta de cheias; o último plano de ação remetia à gestão do manguezal de Jardim Gramacho.
No entanto, o MPF reforçou que o TAC fora celebrado sem consulta prévia aos pescadores, uma categoria de trabalhadores também prejudicada no entorno, sem conter qualquer previsão específica acerca do enfrentamento dos problemas socioambientais vivenciados por estes, que não tiveram qualquer participação na elaboração de medidas compensatórias.
Em maio de 2018, de acordo com o Jornal da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), o Departamento de Ciências Sociais organizou um seminário com representantes locais e com a Defensoria Pública de Duque de Caxias no Auditório Padre José de Anchieta. Tião Santos destacou que a região nunca recebeu investimentos do governo, e que foi ainda mais esquecida após o fechamento do lixão.
As famílias que moram lá, segundo ele, perderam a principal fonte de renda e, agora, muitas delas não têm de onde tirar o salário mensal. Santos pontuou ainda que a miséria no bairro está pior do que quando Jardim Gramacho recebia lixo, pois agora os moradores não têm onde trabalhar.
Os catadores enfrentavam também a falta de direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado, como a posse de documentos essenciais: certidão de nascimento e identidade, o que dificultava os atendimentos médicos e os impedia de receberem a indenização paga pelo governo do Rio quando o aterro foi fechado seis anos antes. A defensora pública Alessandra Bentes, do Núcleo Civil de Duque de Caxias, relembrou que o local ainda não tinha unidade de saúde.
Em 22 de maio de 2018, o MPF fez uma visita ao antigo terreno onde funcionava o lixão, sendo acompanhado por Gilciney Lopes Gomes, presidente da colônia de pescadores de Duque de Caxias. De acordo com reportagem da Agência Pública, chegando a um campo aberto, os visitantes se depararam com um córrego de líquido avermelhado, que, nas palavras de Gilciney:
“O chorume está descendo direto e indo embora para a baía de Guanabara. Isso aqui já vem há cinco anos mais ou menos (…). Já estive com o Inea [Instituto Estadual do Ambiente], já estive com a Secretaria de Meio Ambiente, com a Polícia Federal aqui nesse lugar. Continua a mesma coisa. Milhões de litros para a baía de Guanabara. Isso está matando os peixes.”
O líquido tóxico, segundo ele, vazava também para dentro do manguezal, reduzindo a população de caranguejos, outra fonte de renda para pescadores/as e marisqueiros/as. Acrescenta-se que estes riscos também são de contaminação da Baía de Guanabara, do ecossistema dos manguezais e do Rio Sarapuí, que antes garantiam a pesca.
Gilciney também alegou que esse chorume não estava sendo tratado pela empresa Gás Verde, que ganhou a licitação para reparar os danos ambientais do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho e transformar o lixo acumulado no local em energia limpa.
Em junho de 2018, o Ministério Público Federal (MPF) no Município de São João de Meriti recomendou que a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) declarassem a nulidade do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com as empresas Gás Verde S.A, J. Malucelli Construtora de Obras S.A. e Biogás Energia Ambiental S.A., responsáveis pela adoção de medidas ambientais no aterro, reafirmando que a anulação do TAC se daria pela “falta de participação de pescadores da região na definição de medidas e de compensações ambientais”.
Portanto, o MPF recomendou que se procedesse a imediata realização de uma consulta livre, prévia e informada aos pescadores impactados pelo passivo ambiental do aterro e em relação a medidas administrativas que pudessem afetá-los.
O procurador da República Júlio José Araújo Junior, que participou da visita ao aterro em maio de 2018, também recomendou que o procedimento de consulta deveria garantir a efetiva participação das comunidades afetadas, não devendo se constituir em mero processo formal de informação; e a consulta deveria ser prévia à adoção de qualquer medida administrativa.
Em 25 de janeiro de 2019, o MPF em São João de Meriti moveu ação civil pública para garantir a participação de pescadores em reparações ambientais no aterro de Jardim Gramacho. Outro ponto de divergência foi a desconsideração do Inea em relação aos pescadores como povo tradicional.
Para o órgão ambiental, o povo “tribal” seria aquele que se caracteriza como agrupamento humano não integrado à comunidade nacional. No caso de perda das características “tribais”, mas sem integração à comunidade nacional, o povo deixaria de ser “tribal” e passaria a ser tratado como “semitribal”.
Toda essa discussão por parte do Inea objetivava afastar a aplicação dos direitos previstos na convenção 169 da OIT naquele caso. Este argumento requer que se recupere a Organização Internacional do Trabalho, na Convenção n° 169, sobre Povos Indígenas e Tribais em países independentes, que no seu artigo 2° declara:
“a) povos tribais em países independentes cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros segmentos da comunidade nacional e cuja situação seja regida, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por uma legislação ou regulações especiais;
- b) povos em países independentes considerados indígenas pelo fato de descenderem de populações que viviam no país ou região geográfica na qual o país estava inserido no momento da sua conquista ou colonização ou do estabelecimento de suas fronteiras atuais e que, independentemente de sua condição jurídica, mantêm algumas de suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas ou todas elas.
- A autoidentificação como indígena ou tribal deverá ser considerada um critério fundamental para a definição dos grupos aos quais se aplicam as disposições da presente Convenção.”
Para sustentar a pertinência da aplicação da consulta nos moldes da convenção da OIT neste contexto, o MPF argumentou através do procurador da República Júlio José de Araújo Junior:
“Os pescadores artesanais da região possuem um vínculo territorial com o lugar do qual extraem o seu sustento e onde exercem suas identidades. Não é necessário esperar que estejam em isolamento ou com comportamentos extremamente diferenciados, mas perceber como eles desenvolvem uma atividade própria e se organizam em torno dela, compartilhando os recursos naturais em território de uso temporário e desenvolvendo a identidade enquanto pescadores a partir dessa atividade”.
Em 03 de abril de 2019, os pescadores artesanais do rio Sarapuí reuniram-se com membros do MPF, além de representantes do Movimento Baía Viva, da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (AHOMAR), do Centro de Ação Comunitária (CEDAC) da Baixada Fluminense e da Comissão Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Duque de Caxias para discutir a ACP que o órgão ajuizou para garantir sua participação na reparação ambiental dos impactos gerados pelo aterro.
Na reunião, o procurador Júlio José Araújo Júnior destacou a importância da participação ativa dos pescadores, os que mais sofrem os impactos do derramamento de chorume na região. De acordo com nota veiculada pelo próprio MPF, o representante do movimento Baía Viva, Sérgio Ricardo, ressaltou que ainda era despejado um bilhão de litros de chorume por ano.
O pescador Gilciney Lopes alegou na reunião que a empresa responsável estava “maquiando” a área para parecer saudável, plantando espécies não nativas e oriundas dos manguezais, como aroeiras e gramíneas.
Também ressaltou que foram construídas ruas de pedras e manilhamento à beira do rio Sarapuí, e lembrou a dificuldade dos pescadores na busca de outros serviços, como catadores de garrafas pet e latinhas de alumínio no lugar da pesca. Por isso, ele e outros pescadores pediram ao MPF que cobrasse explicações ao responsável pela empresa para esclarecer o que eles denunciavam, mas que ela negava estar ocorrendo.
Em maio de 2019, a 2ª Vara Federal de Duque de Caxias indeferiu o pedido de tutela provisória por entender que não foi comprovada a existência na região de um grupo de pescadores artesanais com características específicas de comunidade tradicional.
Em 27 de maio de 2019, o MPF em São João de Meriti recorreu da decisão da Justiça Federal que negou o pedido liminar para suspender termo de ajustamento de conduta firmado pelo Inea, o qual desconsiderara os impactos ambientais do Aterro de Gramacho sobre pescadores artesanais.
O recurso reforçava o pedido do MPF para concessão da tutela de urgência, com a suspensão dos efeitos do TAC, até que o juízo se pronunciasse sobre sua nulidade. Também pedia que o Estado do Rio de Janeiro e o Inea fossem obrigados a consultar os pescadores impactados pelo passivo ambiental do aterro. Caso se decidisse pela não suspensão do TAC, o MPF pedia que os pescadores fossem acompanhados permanentemente sobre os desdobramentos do termo, bem como fossem consultados sobre medidas administrativas que pudessem afetá-los.
Em junho de 2019, o MPF denunciou a empresa Gás Verde por despejo de chorume no rio Sarapuí. Segundo o órgão, os pescadores da região alegam que haveria tubulações gigantescas do aterro que despejavam resíduos direto no leito d’água, sendo uma vala com dezenas de metros camuflada por plantas na margem, com despejo diário de várias toneladas de chorume.
O MPF requeria a condenação da empresa pelas práticas do crime previsto no artigo 54, §2º V, e §3º, da Lei nº 9.605/98, ou seja, crime ambiental por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.
“A Gás Verde, sucessora da empresa Novo Gramacho Energia Ambiental S.A, assumiu a responsabilidade, por concessão, pelo aterro metropolitano de Jardim Gramacho com a finalidade de explorar o gás metano decorrente de decomposição de resíduos depositados no aterro.
Contudo, a empresa violou condição específica de licença ambiental e causou poluição em níveis tais que resultaram, ou podem resultar, em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora, por meio do lançamento de resíduos líquidos, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos.
Além disso, deixou de adotar medidas de precaução exigidas pela autoridade competente, no caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível, por meio do derramamento de chorume não tratado na Baía de Guanabara, no Rio Sarapuí e no manguezal que contorna o Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho.
A empresa assumiu a gestão e administração do aterro com grande passivo ambiental, e incumbiu-se da exploração de biogás, por meio de licenciamento ambiental junto ao o Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Ou seja, a empresa exploraria o biogás, mas também deveria promover a remediação das áreas contaminadas do entorno, bem como o monitoramento ambiental, detalha a denúncia.”
Cronologia
1976 – Consórcio Intermunicipal cria lixão em Jardim Gramacho, no município de Duque de Caxias.
1996 – O lixão passa a funcionar como um aterro controlado, gerido pela empresa Queiroz Galvão S/A, junto com a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb).
2005 – Fundação da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho (ACAMJG).
2006 – Catadores de materiais recicláveis passam a se articular com mais intensidade com outros grupos e organizações de Jardim Gramacho, através do Fórum Comunitário de Jardim Gramacho.
Julho de 2006 – Lançado o documentário “Estamira”, dirigido por Marcos Prado e produzido por José Padilha, sobre as condições de trabalho e vida dos catadores.
2010 – Lançamento do documentário “Lixo Extraordinário”, dirigido por Lucy Walker.
Janeiro de 2010 – Petrobras lança proposta de uso de gás resultante da decomposição do lixo do aterro controlado de Jardim Gramacho como combustível pela Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), através de um acordo firmado entre empresas como a Gás Verde, a prefeitura do Rio de Janeiro e o Governo do Estado do Rio de Janeiro.
02 de agosto de 2010 – Instituída a lei que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada pelo legislativo e regulamentada pelo Governo Federal.
Abril de 2011 – Início do funcionamento da Central de Tratamento de Resíduos de Seropédica (CTR Santa Rosa), que passa a receber, gradativamente, o lixo destinado ao Aterro de Jardim Gramacho.
Outubro de 2011 – Prefeitura do Rio divulga que a Petrobras, a Secretaria do Meio Ambiente do Rio de Janeiro e o Inea firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para melhorias da área operacional da Reduc, que, dentre um dos itens, incluía a destinação de R$ 3,5 milhões na instalação de um polo de reciclagem em Jardim Gramacho.
Abril de 2012 – Após 34 anos de funcionamento, o aterro de Gramacho é fechado oficialmente pela Prefeitura do Rio de Janeiro.
Agosto de 2012 – Prefeitura do Rio informa que a implementação do Polo de Reciclagem de Gramacho será feita através de convênio entre a Secretaria do Ambiente, a Reduc e a organização civil Pangea Centro de Estudos Socioambientais.
22 de novembro de 2013 – Lideranças dos grupos de catadores conquistam a construção de um Polo de Reciclagem voltado para o tratamento dos resíduos sólidos urbanos.
Maio de 2018 – Pontifícia Universidade Católica, através do Departamento de Ciências Sociais, organiza seminário com representantes locais e com a Defensoria Pública de Duque de Caxias.
Junho de 2018 – Ministério Público Federal (MPF) no Município de São João de Meriti recomenda que a Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade e o Inea declarem a nulidade do TAC firmado com as empresas Gás Verde S.A, J. Malucelli Construtora de Obras S.A. e Biogás Energia Ambiental S.A.
25 de janeiro de 2019 – MPF em São João de Meriti move Ação Civil Pública para garantir a participação de pescadores em reparações ambientais no aterro de Jardim Gramacho.
03 de abril de 2019 – Pescadores artesanais do rio Sarapuí reúnem-se com membros do MPF para discutir a ACP que o órgão ajuizou para garantir sua participação na reparação ambiental dos impactos gerados pelo aterro.
Maio de 2019 – 2ª Vara Federal de Duque de Caxias indefere o pedido de tutela provisória por entender que não foi comprovada a existência na região de um grupo de pescadores artesanais com características específicas de comunidade tradicional.
27 de maio de 2019 – MPF em São João de Meriti recorre de decisão da Justiça Federal que negou o pedido liminar para suspender termo de ajustamento de conduta firmado pelo Inea, o qual desconsidera os impactos ambientais do Aterro de Gramacho sobre pescadores artesanais.
Fontes
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