AL – Povos indígenas de Alagoas lutam por direitos, identidade, tradição e sobrevivência
UF: AL
Município Atingido: Água Branca (AL)
Outros Municípios: Água Branca (AL), Inhapi (AL), Pariconha (AL), São Sebastião (AL)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional
Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
Miséria, pobreza, violência e preconceito fazem parte do dia-a-dia de vários grupos indígenas do sertão não só alagoano, como de todo o Nordeste. Espoliados de suas terras no passado, e muitas vezes obrigados a abrir mão de suas tradições e identidade em nome de uma existência precária, esses grupos se veem hoje na incômoda – e absurda – situação de ter de provar diariamente o que sempre foram: índios.
Além disso, são obrigados a enfrentar a resistência de grupos econômicos e de políticos influentes, que se aproveitam da morosidade e do descaso do Estado – em relação a direitos básicos como acesso a terra, alimentação, saúde, educação e moradia – para gerar uma complexa situação de injustiça ambiental naqueles territórios.
Esses direitos lhes são sistematicamente negados, muitas vezes sob a alegação de que não se encaixam nos critérios comumente aceitos para determinar os beneficiários de direito às terras demarcadas e programas de saúde e educação diferenciados.
Apesar de a jurisprudência, acordos internacionais e, inclusive, a legislação específica brasileira terem consagrado a auto-identificação como único critério válido para a determinação de pertencimento ou não a grupos tribais (ou etnicamente diferenciados), no Brasil, funcionários da burocracia estatal ainda possuem a prerrogativa de dizer quem é ou não índio.
Os Kalankó são hoje o exemplo mais dramático deste tipo de discriminação.
Projetos de infraestrutura, como a transposição do rio São Francisco, também têm sido identificados como ameaças ao modo de vida desses povos.
Por todos esses motivos, organizações não-governamentais, entidades ligadas a igrejas e o próprio Ministério Público Federal (MPF) têm apoiado a luta desses povos, a fim de garantir-lhes uma existência digna e de acordo com seus costumes. Enquanto isso não ocorre, a miséria, a falta de terras, a seca, a desassistência e a fome vão matando pessoas, especialmente crianças.
Contexto Ampliado
A colonização do sertão alagoano foi marcada pela violência e subjugação das etnias que ali habitavam. Historicamente, as etnias em Alagoas tiveram que escolher entre integrar-se ao sistema social imposto pelo colonizador – e pelas elites agrárias que ali se estabeleceriam – ou desaparecer. Isto ocorreu tanto através das missões religiosas quanto pelo processo de caboclização dessas etnias, que alguns antropólogos convencionaram chamar de submergência. Essa estratégia de sobrevivência político-social está na origem do desaparecimento de diversas etnias, forçadas a tornarem-se indistintas da massa de trabalhadores rurais pobres do sertão.
Entretanto, a partir de meados de 1980 (e intensificando-se nos anos 1990), o fortalecimento político do movimento indígena e o reconhecimento da questão indígena enquanto questão social – aliados à abertura de novas frentes de luta pela terra e o fim da tutela indígena pelo estado, consagrada pela Constituição de 1988 -, mobilizaram diversas comunidades a lutarem por território e direitos sociais etnicamente diferenciados.
Ao mesmo tempo em que esse processo de reemergência fortaleceu o movimento indígena no âmbito regional – pois, se antes o Nordeste brasileiro era considerado uma região destituída de etnias autóctones, hoje verifica um processo de renascimento de dezenas delas em vários estados -, ele revigorou a ligação entre dezenas de comunidades e seus antepassados indígenas. Isto não significa dizer que essas populações tenham de uma hora para outra se descoberto indígenas ou descendentes de grupos indígenas extintos, mas elas passaram a reassumir publicamente esta ligação e a reivindicar o reconhecimento de sua indianidade, além do atendimento de direitos que essa identidade hoje permite acessar (para maiores informações sobre esse processo histórico sugere-se a leitura do texto de José Maurício Arruti presente nas fontes).
Uma fala do cacique Koiupanká José João, colhida por Jorge Vieira para reportagem do jornal Alagoas Noticias, exemplifica bem essa situação: Fazíamos [o ritual da queima do mucuri] escondidos, tínhamos medo. Fomos massacrados, discriminados e perseguidos. (…) Eu danço com fé, tenho fé no que estou fazendo. Tivemos que guardar embaixo dos panos, mas este pequeno grupo que guardou está servindo para ensinar os outros.
Identidade cultural, ancestralidade, tradição, resistência e política potencializaram um movimento que tem se alastrado pelo sertão alagoano: a reemergência de seus povos. Outrora invisíveis ou confundidos com os descendentes dos colonizadores, empobrecidos e espoliados de seus territórios, esses povos hoje reafirmam suas tradições, buscam resgatá-las como forma de aglutinar grupos e comunidades em torno de uma história comum. Novos etnômios – isto é, o nome pelo qual a etnia indígena se auto- identifica – surgem, antigos podem mudar, grupos anteriormente separados podem encontrar pontos em comum e lutar juntos como uma só etnia e os troncos velhos (grupos mais antigos) ajudam as pontas de rama (grupos novos ou ressurgidos) a levantar suas aldeias. Nesse processo também são demandados o reconhecimento de territórios tradicionais desses povos e a consolidação de novas terras indígenas.
Naturalmente, aqueles que tradicionalmente ocupam posições hierarquicamente superiores na estrutura social local não cederão pacificamente suas terras para a formação de novos territórios (ou melhor, para o reconhecimento oficial de antigos territórios) e, não raro, o conflito ultrapassa a esfera administrativa e pode gerar violência contra esses povos.
No sertão alagoano, uma das primeiras áreas a ser reconhecida como território tradicional das etnias ressurgidas tinha pouco mais de 1.800 hectares e foi desapropriada para a constituição da Terra Indígena Karapató. Apesar de pequena, e aquém das necessidades dos Karapató, essa demarcação foi um marco na luta dos grupos no Sertão Alagoano.
O fortalecimento da luta das etnias ressurgidas incentivou outros grupos a se voltarem a se auto-identificar como descendentes dos povos que outrora habitavam a região. Nos anos seguintes, pelo menos três grupos se declarariam publicamente indígenas, iniciando sua luta por reconhecimento enquanto tais e pela demarcação de seus territórios: os Karuazu (1999), os Koiupankás (1999) e os Kalankó (2000).
Em 2002, com a cisão entre os Karuazu, o grupo de Alto Pariconha se afastou dos grupos de Campinho e Tanque, adotando o etnônimo Katokim. Apesar de o processo de reafirmação de uma identidade étnica significar, quase sempre, uma ligação com grupos do passado, a própria conformação dos grupos no presente, mediada por processos sociais diversos, pode tornar a noção de pertencimento a dado grupo um tanto fluída e de difícil determinação objetiva, podendo ser mais ou menos restritiva, de acordo com critérios do próprio grupo. Como teoriza o antropólogo Fredrik Barth, as fronteiras étnicas são definidas em contraste com outros grupos étnicos e não por símbolos ou propriedades intrinsecamente ligadas a dado grupo, podendo ser alteradas ao longo do tempo.
Este fato tem provocado grande polêmica, já que grupos sociais contrários à demarcação das terras indígenas têm alegado sistematicamente que são atos administrativos injustos, uma vez que esses grupos se tratariam de falsos índios. Geralmente os propositores dessa tese questionam as próprias bases do fazer antropológico contemporâneo, se apegando a visões estereotipadas do que é ser índio. Em geral, as características que se buscam nos índios nordestinos, sem sucesso, são ligadas à imagem romântica do bom selvagem, identificado com o meio natural e destituído de história. Tendo como modelo o índio amazônico (basicamente, aquelas etnias que se mantiveram afastadas da sociedade nacional e conseguiram manter determinado estilo de vida e simbologia distintiva aceitas pelo senso comum como características da indianidade), esse pensamento afirma que os índios no Nordeste já seriam excessivamente integrados e aculturados, de modo que não poderiam ser considerados beneficiários da legislação que trata dos direitos indígenas.
Aviltados e oprimidos no passado, forçados a renegar sua própria identidade e estilo de vida, os índios do nordeste deveriam se contentar em compartilhar a mesma sorte das demais comunidades pobres do sertão ou das periferias dos centros urbanos, pois não seriam mais índios por não possuírem línguas próprias, compartilharem de alguns confortos trazidos pela modernidade ou por não apresentarem aqueles símbolos e tradições tão significativos do que a maioria identifica com este objeto genérico chamado índio (que obviamente não corresponde às características de nenhuma etnia indígena real que tenha habitado o Brasil no passado ou ainda o habita no presente). Esta confusão entre um modelo idealizado de índio e o índio real é muitas vezes compartilhada por funcionários dos órgãos federais de assistência indígena. Já foram relatados casos em que determinados grupos precisaram aprender o toré para que a FUNAI os reconhecesse enquanto grupos indígenas. Em outros casos, até hoje o reconhecimento oficial não aconteceu, o que mantém certos grupos à margem dos demais e destituídos dos seus direitos básicos, como acesso a terra, programas de incentivos agrícolas, saúde e educação diferenciadas.
Em 2000, foi preciso que o Ministério Público Federal (MPF) interviesse para que a FUNAI se comprometesse a implantar escolas indígenas nas comunidades Xukuru-Kariri, Tingüi-Botó, Kariri-Xocó, Karapotó, Geripancó e Wassu-Cocal. Muitas dessas comunidades já possuíam terras reconhecidas ou em fase de demarcação na época e, mesmo assim, tiveram de recorrer ao MPF para ter seus direitos atendidos.
No ano seguinte, foi a vez de a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) ser acionada judicialmente pelo MPF, por não estar cumprindo sua obrigação legal de prestar assistência de saúde diferenciada e de qualidade aos povos indígenas de Alagoas e Sergipe. Através de uma política de terceirização, a FUNASA delegava essa responsabilidade às prefeituras locais (através de convênios), ou a organizações não- governamentais. Em geral, o resultado era: atendimento precário, falta de infraestrutura, de pessoal, de medicamentos e desrespeito ao princípio básico de um atendimento diferenciado, consonante com as peculiaridades de cada grupo étnico e com respeito ao modo como cada grupo entende a saúde, a doença ou o corpo.
Essa política também submetia as comunidades às consequências decorrentes de rivalidades entre grupos, lideranças e autoridades locais nas disputas de terras, através do atendimento privilegiado a determinadas famílias – ou aldeias com maior afinidade com dado grupo político – em detrimento das demais.
Nesse ponto é importante destacar que, assim como em determinados municípios, o atendimento podia variar de acordo com critérios diversos; a situação fundiária dos grupos e comunidades também apresentava variações de acordo com o grupo. Muitos deles já possuíam terras homologadas ou com processo avançado de demarcação; em contraste, grupos como os Kalankós de Água Branca, os Karuazu e Katokim de Pariconha e os Koiupanká de Inhapi sequer possuíam procedimento administrativo instaurado na FUNAI nessa ocasião.
No ano de 2003, a situação de muitas famílias foi agravada por uma grave seca no sertão alagoano. Cerca de 2.000 índios de Pariconha e Água Branca chegaram a passar fome e pelo menos dez crianças Geripancó morreram em decorrência da desnutrição. Enquanto a fome dizimava os índios, autoridades locais e federais ignoravam o sofrimento deles. Em outubro daquele ano, representantes das etnias da região fizeram circular uma série de denúncias contra a omissão governamental. Nessas denúncias, as lideranças desses grupos atingidos acusavam a FUNAI de não prestar assistência adequada às comunidades e de não haver tirado do papel projetos de irrigação que poderiam ter amenizado a situação, caso existissem na ocasião. A FUNASA também foi instada a prestar atendimento emergencial às comunidades, fornecendo leite, cestas básicas e encaminhando médicos para tratar dos casos mais graves. Até aquele momento, sequer havia sido realizado o estudo antropológico para identificação e delimitação do território daquelas comunidades.
De outubro de 2003 a julho de 2005, pouca coisa havia mudado em relação à situação de miséria e insegurança das comunidades indígenas do sertão. Reunidos na aldeia Koiupanká de Inhapi, representantes de diversas etnias (Geripankó, Katokim e Karuazu, Kalankós e os próprios Koiupanká) discutiram a situação de suas comunidades e estratégias para pressionar a União a acelerar a demarcação de suas terras. Esta reunião contou com o apoio e a participação de membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
No ano seguinte, uma carta encaminhada por representantes dos Geripankó da aldeia Ouricuri à FUNASA denunciava que a inércia continuava a ser o modo padrão de atuação do órgão. Entre as reivindicações presentes na carta, algumas atestavam a ineficiência do sistema mantido pela entidade e o grau de penúria em que então se encontrava o pólo-base da comunidade:
Nós da Comunidade do Povoado de Ouricuri, etnia Jeripancó do Estado de Alagoas, através deste expomos as dificuldades por nós enfrentadas, que são:
Falta de água: apesar da implantação do sistema de água, o mesmo não funciona; soubemos que esta implantação custou aos cofres da Funasa um valor de R$ 85.000,00 a R$ 90.000,00;
Falta de saneamento básico;
Os módulos sanitários já construídos são de péssima qualidade, com o uso de três meses já estão desabando;
Falta de viatura na área (os carros que usamos estão sucateados);
Falta de medicamentos, principalmente, os de uso controlado;
Equipe multidisciplinar de saúde incompleta (está sempre precisando de um profissional);
Crianças Geripankó com baixo peso (precisamos de um programa que possa fazer o acompanhamento de nossas crianças);
Precisamos de um reservatório permanente de água para que possamos ter água todos os dias;
O Hospital de Referência do Xingó, que recebe verba para atender os índios do sertão do Estado de Alagoas, não atende a população indígena. Em agosto de 2004, fomos informados pelo administrador do Hospital que o acordo/parceria com a Funasa foi suspenso. Ressaltamos que, desde outubro de 2004, nosso povo não é atendido neste Hospital.
Além das demandas ligadas ao atendimento à saúde, os índios pediam a instalação de salas de informática com fins educacionais, atividades de lazer e desporto e a reforma de alguns prédios – como o que servia ao próprio pólo-base – e parte do calçamento da igreja da comunidade. Como se pode ver, seja no campo estritamente médico, seja num entendimento amplo de saúde, a assistência prestada pela FUNASA deixava a desejar, situação não muito distante do que o MPF já havia diagnosticado, cinco anos antes, quando acionou judicialmente o órgão.
Se no atendimento às comunidades a União parecia não ter pressa, no que se refere à promoção de obras de infraestrutura voltadas para a consolidação econômica de determinados grupos locais, a história era distinta. O Governo Federal foi alvo de uma série de protestos por parte dos índios nordestinos devido à falta de diálogo no planejamento e licenciamento de um projeto que ameaça afetar diretamente a vida de diversas comunidades rurais nordestinas e do norte de Minas Gerais: a transposição do rio São Francisco.
Em julho de 2007, índios de diversas etnias, trabalhadores rurais, quilombolas, ambientalistas, membros do clero, políticos de diversos partidos, movimentos sociais e ONGs se uniram em uma campanha contra o discurso oficial para debater a viabilidade socioambiental e alternativas a uma obra anunciada como única salvação possível para aqueles municípios que, ao longo da bacia, sofrem com estiagens e secas prolongadas.
Essa insatisfação quanto ao desenho do projeto e ao modo como o mesmo estava sendo implementado se concretizou em oito dias de ocupação da área reservada para o início das obras. Pelo menos 1.500 pessoas estiveram no local, entre elas representantes das diversas etnias em Alagoas. No oitavo dia de ocupação, ocorreu o despejo, autorizado por decisão judicial. A saída foi pacífica, mas a questão não estava encerrada. Defendendo um determinado estilo de vida e a implementação de obras menores já descritas pela Agência Nacional de Águas (ANA), esses grupos realizaram constantes manifestações contra o projeto nos meses e anos seguintes.
Apesar da intensa integração e da troca de experiências existente na ação conjunta contra a transposição, os índios em Alagoas ainda precisavam superar outros obstáculos antes de atingir um dos seus objetivos principais: a demarcação de suas terras.
Quase uma década após a reaparição pública e o início da luta por terra no âmbito da FUNAI, os processos de demarcação dos grupos Karuazu, Kalankó, Katokim, Koiupanká ainda se encontravam presos em meio a um procedimento burocrático extremamente moroso. Como forma de pressionar a entidade, esses grupos se reuniram em julho de 2008 com o Procurador da República Rodrigo Tenório, a fim de mobilizar mais uma vez o Ministério Público em torno de suas demandas. No caso dos Kalankó, eles sequer eram oficialmente reconhecidos como grupo indígena e quaisquer assistências ao grupo eram vetadas por orientação da assessoria jurídica da entidade. Na ocasião, a Procuradoria se comprometeu a apoiar a causa indígena, entrando com uma ação civil pública caso a FUNAI não apresentasse uma resposta positiva em dez dias a partir da data de notificação.
Infelizmente, nada de concreto foi feito, o que tem obrigado muitos grupos a se arriscarem em iniciativas próprias, como as retomadas feitas por Kalankós e Katokins em 2008 e 2009, respectivamente. Apesar de moralmente defensáveis e legítimas, essas iniciativas não possuem amparo legal, o que os sujeita a atos de violência tanto por parte de posseiros e fazendeiros quanto por parte da força policial, caso ocorra uma operação de reintegração de posse.
Em junho de 2008, por exemplo, os Kalankó retomaram parte de seu território tradicional com o apoio dos Koiupanká.
Em entrevista a Alzenir Tomás, da Articulação do Baixo São Francisco, Paulo Kalankó um jovem cacique da etnia afirmou: [começamos aqui] porque é aqui o lugar dos nossos antepassados, dos primeiros que aqui chegaram. (…) Nós aqui vivemos sem terra, só tem o chão pra fazer a casa, muitos trabalham pra os posseiros em dias de serviço. Somos espalhados nessa região, mas tem cinco aldeias que formam o Povo: Aldeia do Lajeiro, Aldeia Januária, Aldeia Gregório, Aldeia Gangorra e Aldeia Batata.
O relato de Paulo Kalankó expôs a intensa concentração fundiária da região, a violência com que os conflitos fundiários se desenrolam e como o estabelecimento de fronteiras étnicas dificulta o diálogo até mesmo entre aqueles que compartilham das injustiças e dos desmandos promovidos pelos grandes proprietários de terras. Ser um índio sem terra é diferente de ser um trabalhador rural sem terra, mas essa diferença não é facilmente perceptível para grupos inseridos numa outra dinâmica de luta e com outros interlocutores dentro do Estado:
Nós somos índios sem terra. Acontece que, aqui em baixo, na Gangorra, os sem terra vieram e acamparam. Daí, a agente foi conversar com as lideranças que ali era terra de índio; eles disseram que não saíam, e que a gente tinha que se juntar a eles, como sem terra. Nós dissemos que temos os nossos costumes, e a gente ia fazer retomada como índio sem terra, e não como sem terra. Eles não entenderam, mas, há poucas semanas, o posseiro da Gangorra tocou fogo nos barracos deles. Nosso povo ficou com medo, mas decidiram que, mesmo assim, a gente tinha que fazer a retomada. Depois de muitas reuniões, comissão vai, comissão vem, decidimos que, mesmo sem estrutura, nós vínhamos. E viemos.
Em fevereiro de 2009, foi a vez dos Katokim ocuparem terras e reivindicarem a garantia de seu território tradicional. Segundo reportagem de Fernando Vinícius, uma terra com extensão de dez tarefas foi ocupada em Pariconha pelos índios.
De acordo com a cacique Maria das Graças Soares de Araújo, mais conhecida como Nina, cerca de 200 membros da aldeia estão no sítio – cuja área é maior do que o território atualmente destinado para a tribo, de apenas três tarefas e meia, o equivalente a pouco mais de um hectare: Nós temos 347 famílias vivendo hoje num pedaço de chão que não dá para a gente tirar o nosso sustento. São 1.286 pessoas que sobrevivem trabalhando na lavoura dos outros. Então nós queremos que os órgãos competentes venham ver qual é a nossa situação. A gente não vai sair enquanto não houver uma negociação.
Segundo reportagem do Conselho Indigenista Missionário, em julho de 2010, membros das diversas etnias do sertão alagoano se reuniram, novamente em Maceió, com representantes locais da FUNAI para discutir o resultado de uma audiência pública, realizada em 19 de abril daquele ano, na Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas.
Na reunião, os caciques Paulo Kalankó e Zezinho Koiupaká entregaram ao presidente da fundação documento com a pauta de reivindicação dos povos, registrando: são décadas de espera pela demarcação dos territórios, onde o clima de violência e discriminação contra as comunidades só tem aumentado, em consequência da morosidade dos órgãos públicos. Em resposta às reivindicações indígenas, o então presidente da FUNAI, Márcio Meira, afirmou que os processos referentes às terras Geripankó e Kalankó estavam em andamento, e que as demais estavam em estudo, sendo possível o uso de outros meios para a aquisição e demarcação das terras.
Em setembro de 2011, os Koiupanká de Inhapi foram a público mais uma vez denunciar o descaso do poder público com a educação indígena. Segundo o cacique Zezinho, a Prefeitura Municipal de Inhapi havia suspendido o pagamento dos salários do motorista responsável pelo transporte dos alunos da comunidade de Inhapi para a escola. Este problema teria começado após o Estado de Alagoas municipalizar o transporte público escolar. A educação indígena no município sofreria ainda de outros problemas, como a precariedade dos edifícios escolares e a falta de espaço para acolher os alunos existentes. A situação seria precária a ponto de haver a necessidade de transformar outros espaços do prédio escolar em salas de aulas, como a cozinha e, até, a casa onde reside um dos professores.
Em meio aos problemas ocasionados pela política estadual de educação, o Ministério Público Federal novamente acionou o judiciário para pressionar a União a aprimorar a política federal de saúde indígena. Através de uma ação civil pública (ACP), o MPF requereu liminar para que a União contratasse temporariamente, em caráter emergencial, 166 profissionais – entre médicos, enfermeiros, assistentes sociais e outros – para atuar nas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI´s), além de 15 profissionais para compor a equipe do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei-AL). Segundo o procurador da República José Godoy Bezerra de Souza, isso garantiria o atendimento às comunidades indígenas de Alagoas e Sergipe por pelo menos dois anos.
Segunda a ação, a Justiça terá que determinar a realização de concurso público para a contratação definitiva de 279 profissionais para a atenção básica à saúde nas aldeias indígenas, situadas nos estados de Alagoas e Sergipe. Com isso, o MPF pretende restabelecer a assistência de saúde e a continuidade da prestação deste serviço público essencial nas comunidades indígenas.
Se a relação com o executivo estadual ficou estremecida com a falta de políticas educacionais voltadas para as etnias alagoanas, os índios do Sertão têm reforçado sua presença junto ao legislativo estadual. Em 20 de abril de 2012, uma sessão especial na Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas debateu a situação dos povos indígenas alagoanos.
Entre os pontos discutidos, a demarcação de terras e a duplicação da BR-101 – que vai atingir quatro comunidades indígenas: Wassu Cocal, Kariri-Xocó, Karapotó-Prakiô e Karapotó-Terra , além de questões básicas como saúde e educação, específicas para as populações indígenas do Estado. Na ocasião, o cacique Zezinho Koiupanká fez uso da tribuna da Casa para cobrar políticas públicas de qualidade voltadas para as comunidades, sem deixar de registrar as angústias e sofrimentos vivenciados pelos índios.
Cronologia
1883: Início da ocupação Koiupanká na região de Inhapi.
1992: Governo Federal declara uma área de aproximadamente 1.810 ha no município de São Sebastião como área de interesse social, para fins de desapropriação. Tal área seria demarcada como território tradicional do povo Karapató.
1999: Marca emergência do povo Karuazu e o início da sua luta pela demarcação de seu território tradicional. No mesmo ano, os Koypankás de Inhapi realizam o mesmo processo.
2000: Ano da emergência Kalankó.
Agosto de 2000: FUNAI firma acordo com comunidades indígenas de Alagoas para implantação de escolas indígenas nessas comunidades. Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é firmado na presença do Ministério Público Federal (MPF) e da Secretaria de Estado de Educação. São beneficiadas as etnias Xukuru-Kariri, Tingüi-Botó, Kariri-Xocó, Karapotó, Geripancó e Wassu Cocal.
08 de fevereiro de 2001: MPF propõe ação civil pública contra a FUNASA e a UNIÃO por desassistência à saúde indígena no estado.
2002: Os Karuazus de Alto Pariconha adotam o etnônimo Katokim ao se separarem do grupo original por divergências políticas com as lideranças Karuazu das comunidades de Campinho e Tanque.
Outubro de 2003: São divulgadas as mortes de cerca de 10 crianças em aldeia Geripankó no município de Pariconha. Estas mortes estão relacionadas com a grave seca que assolava as aldeias de alto sertão naquele ano. Segundo denúncias dos próprios índios, cerca de duas mil pessoas estariam passando fome devido à destruição das plantações em decorrência de severa estiagem. O Governo Federal não estaria prestando qualquer tipo de assistência aos índios.
2004: Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulga relatório denunciando ameaças de morte sofridas por membros das comunidades indígenas do sertão de Alagoas.
05 de maio de 2005: Índios de diversas etnias do sertão de Alagoas se reúnem na aldeia Koiupanká em Inhapi para discutir estratégias de luta para pressionar o Governo Federal no atendimento de suas demandas territoriais.
31 de março de 2006: Índios Jeripancó encaminham carta ao presidente da FUNASA reivindicando melhorias no atendimento à saúde da aldeia Ouricuri.
26 de junho a 04 de julho de 2007: Diversas organizações sertanejas ocupam canteiro de obras da transposição do rio São Francisco. Diversas etnias participam da ocupação.
05 de julho de 2007: Juntamente com diversas outras entidades, etnias do sertão nordestino divulgam carta contra a transposição do rio São Francisco.
Junho de 2008: Índios Kalankó iniciam a retomada de parte de seu território tradicional.
15 de julho de 2008: Representantes dos povos Karuazu, Kalankó, Katokim, Koiupanká se reúnem na sede da Procuradoria da República, em Alagoas, em Maceió, com o Procurador da República Rodrigo Tenório para discutir o descaso da FUNAI em relação à demarcação das terras desses povos.
17 de fevereiro de 2009: Índios da tribo Katokim ocupam propriedade na zona rural do município de Pariconha.
Fevereiro de 2009: Índios Katokim retomam área em seu território tradicional.
Julho de 2010: Índios de diversas etnias do Sertão de Alagoas se reúnem com representantes da FUNAI para discutir demarcação de terras.
Setembro de 2011: Índios Koiupanká denunciam falta de recursos municipais para custear transporte escolar em Inhapi.
Janeiro de 2012: MPF move ação para garantir acesso dos índios de Alagoas e Sergipe à saúde indígena.
20 de abril de 2012: Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas realiza sessão especial para discutir conflitos envolvendo índios do estado.
Cronologia
1883: Início da ocupação Koiupanká na região de Inhapi.
1992: Governo Federal declara uma área de aproximadamente 1.810 ha no município de São Sebastião como área de interesse social, para fins de desapropriação. Tal área seria demarcada como território tradicional do povo Karapató.
1999: Marca emergência do povo Karuazu e o início da sua luta pela demarcação de seu território tradicional. No mesmo ano, os Koypankás de Inhapi realizam o mesmo processo.
2000: Ano da emergência Kalankó.
Agosto de 2000: FUNAI firma acordo com comunidades indígenas de Alagoas para implantação de escolas indígenas nessas comunidades. Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é firmado na presença do Ministério Público Federal (MPF) e da Secretaria de Estado de Educação. São beneficiadas as etnias Xukuru-Kariri, Tingüi-Botó, Kariri-Xocó, Karapotó, Geripancó e Wassu Cocal.
08 de fevereiro de 2001: MPF propõe ação civil pública contra a FUNASA e a UNIÃO por desassistência à saúde indígena no estado.
2002: Os Karuazus de Alto Pariconha adotam o etnônimo Katokim ao se separarem do grupo original por divergências políticas com as lideranças Karuazu das comunidades de Campinho e Tanque.
Outubro de 2003: São divulgadas as mortes de cerca de 10 crianças em aldeia Geripankó no município de Pariconha. Estas mortes estão relacionadas com a grave seca que assolava as aldeias de alto sertão naquele ano. Segundo denúncias dos próprios índios, cerca de duas mil pessoas estariam passando fome devido à destruição das plantações em decorrência de severa estiagem. O Governo Federal não estaria prestando qualquer tipo de assistência aos índios.
2004: Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulga relatório denunciando ameaças de morte sofridas por membros das comunidades indígenas do sertão de Alagoas.
05 de maio de 2005: Índios de diversas etnias do sertão de Alagoas se reúnem na aldeia Koiupanká em Inhapi para discutir estratégias de luta para pressionar o Governo Federal no atendimento de suas demandas territoriais.
31 de março de 2006: Índios Jeripancó encaminham carta ao presidente da FUNASA reivindicando melhorias no atendimento à saúde da aldeia Ouricuri.
26 de junho a 04 de julho de 2007: Diversas organizações sertanejas ocupam canteiro de obras da transposição do rio São Francisco. Diversas etnias participam da ocupação.
05 de julho de 2007: Juntamente com diversas outras entidades, etnias do sertão nordestino divulgam carta contra a transposição do rio São Francisco.
Junho de 2008: Índios Kalankó iniciam a retomada de parte de seu território tradicional.
15 de julho de 2008: Representantes dos povos Karuazu, Kalankó, Katokim, Koiupanká se reúnem na sede da Procuradoria da República, em Alagoas, em Maceió, com o Procurador da República Rodrigo Tenório para discutir o descaso da FUNAI em relação à demarcação das terras desses povos.
17 de fevereiro de 2009: Índios da tribo Katokim ocupam propriedade na zona rural do município de Pariconha.
Fevereiro de 2009: Índios Katokim retomam área em seu território tradicional.
Julho de 2010: Índios de diversas etnias do Sertão de Alagoas se reúnem com representantes da FUNAI para discutir demarcação de terras.
Setembro de 2011: Índios Koiupanká denunciam falta de recursos municipais para custear transporte escolar em Inhapi.
Janeiro de 2012: MPF move ação para garantir acesso dos índios de Alagoas e Sergipe à saúde indígena.
20 de abril de 2012: Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas realiza sessão especial para discutir conflitos envolvendo índios do estado.
Fontes
ARRUTI, José Maurício A. Morte e vida do Nordeste indígena: a emergência étnica como fenômeno histórico regional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 57-94, 1995. ISSN 0103-2186. Disponível em: < http://goo.gl/ElPMy >.
ADITAL. População indígena: Panorama de desrespeito. Disponível em: http://goo.gl/YJlGS. Acesso em: 26 fev. 2010.
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ALDEIA Koiupanká de Inhapi denuncia falta de acesso à Educação. Sete Segundos, 19 set. 2011. Disponível em: http://goo.gl/zkEVB. Acesso em: 25 jan. 2013.
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Olá
Boa noite
Sou descendente de indígena, meu avô branco e com família na Alagoas, conheceu minha avó nativa da tribo Kaetes se relacionaram e nasceu meu pai na aldeia
Qd meu pai tinha 04 anos, meu avô levou os levou p a cidade
Aí, registrou e na certidão constava branco
Existe algum meio q eu possa rever isso?
Hj não tenho nenhum documento q comprove