MT – Grilagem de terras públicas federais dificulta assentamento da reforma agrária no Mato Grosso
UF: MT
Município Atingido: Porto Alegre do Norte (MT)
Outros Municípios: Canabrava do Norte (MT), Porto Alegre do Norte (MT)
População: Agricultores familiares
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional
Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
A atual situação do Projeto de Assentamento Agrário (PA) Liberdade, entre os municípios de Canabrava do Norte e Porto Alegre do Norte, é fruto de uma malfadada política de reforma agrária implantada pelo Incra na região. Violência, morosidade, leniência e descaso com os trabalhadores rurais marcam a história deste assentamento e a vida das pessoas que ele deveria beneficiar.
Com uma extensão de 38.000 hectares, a área prevista para o PA Liberdade foi arrecadada pelo Incra para fins de reforma agrária, em 1985. O projeto original previa o assentamento de cerca de 700 famílias de trabalhadores rurais sem-terra. Entre 1996 e 1998, isto é, 11 anos depois, o Incra assentou pouco mais de um terço, isto é, 277 famílias, em 20% da área arrecadada e ao custo de 230 mil de reais. Segundo relato de um dos apoiadores do PA Liberdade, o então deputado estadual e atual prefeito de Rondonópolis, José Carlos do Pátio (PMDB), da área original, 12 mil hectares haviam sido assegurados à reforma agrária, enquanto 26 mil teriam sido incorporados ao patrimônio de sete fazendeiros locais.
Sejam 26 mil (68 %) ou 30.400 hectares (80%) usurpados dos 38.000 hectares originários do PA Liberdade, o fato é que enquanto o Incra buscava implantar o projeto, este percentual das terras públicas, era "simultaneamente negociado e registrado em cartórios da região em nome de fazendeiros latifundiários" (Relatório Dhesca, p.23). O patrimônio destinado à reforma agrária irá atender então a grandes produtores de soja, algodão e gado, "que têm causado degradação ambiental e inviabilizado o assentamento…" – "dentro desta área existem três córregos ricos em peixes, das variedades: pacu, traíra, jaraqui, pintado, tucunaré, curvina, piabanha, bagre, etc. O pior é que o plantio de soja é na época da piracema e das cheias, com isso os agrotóxicos serão levados para a água, matando toda a fauna e flora" (Relatório da Missão Dhesca ao MT, p.26)
Neste período, o Incra vivenciou diversos reveses no processo judicial envolvendo os proprietários das fazendas Uirapuru e Serra Negra, dentro da área do PA Liberdade. Essa situação prolongou a indefinição sobre o destino dos acampados, que resolveram mudar-se para outro local, indo então ocupar uma parte da fazenda Uirapuru – ao que se seguiu o despejo pela Polícia Militar do Mato Grosso, de forma violenta e humilhante, segundo relatado pela missão Dhesca ao estado.
A subsequente transferência das famílias para uma área da fazenda do então prefeito de Canabrava do Norte não resolveu o assunto. Um ano depois, cerca de 40 famílias ainda permaneciam nela, sem qualquer apoio oficial ou perspectiva de solução do impasse. A situação do novo acampamento era tão insalubre quanto a do provisório, do Incra.
Apesar das promessas do Incra e de tentativas frustradas de reocupar as terras que lhes foram prometidas, os acampados permanecem sem saber o que esperar do futuro. Não se tem notícias de que os acampados tenham se tornado assentados. O último fato que se sabe desse conflito, é que o Desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, determinou, em fevereiro de 2005, a realização de uma vistoria técnica nas terras pleiteadas pelo Incra.
Contexto Ampliado
Esse conflito não está isolado no contexto fundiário do Estado do Mato Grosso. São muitos os casos em que a ação de grupos ligados ao agronegócio e à política local ameaça tanto a integridade física, quanto o bem-estar de comunidades rurais do Estado. A estrutura fundiária é marcada por uma colonização violenta que desestrutura e desorganiza diversas comunidades arraigadas aos territórios visados pelo agronegócio. Tal situação está longe de ser exclusiva do Mato Grosso, e acontece em maior ou menor grau em diversos estados da federação, especialmente nos amazônicos.
No caso em análise, é importante destacar sua ligação com a resolução de um conflito anterior, a legalização de um território indígena. Parte das famílias que já deveriam estar assentadas são oriundas de terras que ocupavam no município de Confresa, na área da atual Terra Indígena Urubu Branco, da etnia Tapirapé, homologada em 1998. 75 dessas famílias foram provisoriamente assentadas pelo Incra em um acampamento na beira da estrada que liga Canabrava do Norte a Alta Floresta, e igual número acomodou-se em casas de parentes nas cidades próximas. As famílias obrigadas a deixar a Terra Indígena irão se juntar a outras que, também vítimas da injustiça ambiental, demandarão políticas agrárias e de assentamento, inviabilizadas ou dificultadas pela ação daqueles que se apropriaram de imóveis destinados à reforma agrária. Todas se viram no meio de uma guerra judicial entre o Incra e fazendeiros pela posse das fazendas Uirapuru (de 4,1 mil hectares) e Serra Negra (de 2,5 mil hectares) existentes no interior a área do Projeto de Assentamento Agrário Liberdade. Inicialmente os mais de 38 mil hectares reservados ao PA Liberdade se tratavam de terras devolutas, que não poderiam ser apropriadas por particulares como aconteceu.
Mas cabe também ressaltar o papel das instituições públicas no conflito. Inicialmente, a morosidade e ineficiência do Incra em assentar as famílias na área definida para o PA propicia que as terras da região sejam quase totalmente griladas e registradas em nome de poucos fazendeiros. Para além disso, quando o órgão assume sua responsabilidade em relação às famílias retiradas das terras indígenas, o faz de modo precário e as transfere para local sem condições mínimas para uma existência digna. Segundo os Relatores Nacionais para o Direito Humano do Meio Ambiente da Plataforma Dhesca Brasil, o local escolhido pelo Incra, para a instalação de assentamento provisório, oferecia péssimas condições para a sobrevivência das famílias: uma vala entre um córrego poluído, de águas paradas, e um aterro na estrada. A água para consumo tinha de ser trazida de outros locais, transportada por caminhonete em tambores. As famílias sofreram com as enxurradas de água e lama invadindo os barracos durante as chuvas. Várias crianças adoeceram e uma mulher abortou no período em que permaneceram no acampamento.
Tal situação é agravada pela violência e o descaso de instituições estaduais e federais. No caso do PA Liberdade, a decisão da Justiça Estadual e a ação da polícia militar, por ocasião da ação de reintegração de posse movida pelos proprietários da Fazenda Uirapuru, levaram ao agravamento da situação social das famílias agricultoras. Isto também se aplica à hesitante e demorada resposta da Justiça Federal, que relutou em autorizar o Incra a assentar as famílias nas terras públicas ocupadas pelos fazendeiros enquanto o Juiz estadual Eviner Valério, da Comarca de Porto Alegre do Norte, não hesitou em expedir ordem de reintegração de posse contra as famílias, que, cansadas de esperar e permanecer em situação degradante, haviam ocupado parte da fazenda Uirapuru. Informado pelo Incra da situação de litígio daquelas terras, o juiz estadual declinou de sua competência, mas não suspendeu a ordem de despejo das famílias. Esta foi cumprida pela Polícia Militar do Estado do Mato Grosso, conforme o relato da Plataforma Dhesca, de forma violenta, humilhando as famílias acampadas. Na ocasião, veículos e bens das famílias despejadas foram ilegalmente destruídos ou apreendidos, até mesmo animais foram abatidos e consumidos, sem qualquer ordem oficial e legalidade para tanto.
Uma das propostas para solucionar a letargia da justiça estadual, conforme então defendeu o deputado José do Pátio, seria a criação de uma Vara especializada em questões agrárias no Mato Grosso.
Todos esses fatores concorrem para a manutenção de um estado de coisas que somente contribui para agravar a delicada situação daquelas famílias. Os trabalhadores rurais (agora sem-terras) esperam por uma solução que nunca se torna realidade. Os 20 dias de espera que lhes são prometidos tornam-se anos, sem que nada de concreto aconteça para solucionar o impasse.
Além disso, as famílias convivem, diariamente, com ameaças de prepostos e dos supostos proprietários das fazendas em questão e com a humilhação e discriminação por parte dos moradores da cidade: os comerciantes se recusam a lhes vender produtos (suspeita-se que por influência dos fazendeiros, como estratégia para fazê-los desistirem da terra), são considerados pejorativamente como 'sem terra', 'vagabundos', etc.
Violência e discriminação se tornaram a realidade cotidiana na vida dos acampados. Vários estão ameaçados de morte, 'pelo gerente da fazenda Uirapuru, e por Célio Amaro, um dos proprietários da fazenda Serra Negra' (contra a qual incide uma das ações reivindicatórias do Incra). (…) Os acampados sofrem ameaças dos fazendeiros para que não reclamem por seus direitos. Um dos fazendeiros, Rodolfo Schlatter, o dono da fazenda Uirapuru teria afirmado que os acampados deveriam procurar outro local para viver, pois enquanto Blairo Maggi for governador ele não sairá dali.
(…) Denunciaram também que pessoas trajadas com uniformes da Polícia Militar rondam o local, intimidando-os, como o Sr. Rubens, um policial aposentado acusado de trabalhar como pistoleiro.
(Relatório da Missão (DhESC) ao Estado do Mato Grosso, p.26)
Em síntese, além da coação quanto à integridade física e das limitações à subsistência, o acampamento lhes tira a dignidade. Vivendo da caridade e de precárias doações, essas famílias temem pela saúde de suas crianças e idosos.
Essa experiência pode ser verificada em outros casos de conflitos agrários no Mato Grosso. Os anos e décadas de luta em geral terminam em poucas vitórias e excessivas frustrações. Quando finalmente a posse é garantida, as terras já foram totalmente degradadas por anos de exploração intensiva, uso indiscriminado de agrotóxicos, desmatamento, assoreamento de rios e contaminações de vários tipos. É provável que a saúde da comunidade já esteja ameaçada por esses fatores, pelos anos de assentamentos e acampamentos precários, e pela tensão decorrente das ameaças e da violência promovida pelos grupos sociais dominantes.
É na beira das estradas e sem qualquer tipo de apoio institucional que as famílias do PA Liberdade lutam para sobreviver, sob a humilhação de sequer poderem prover sustento a seus filhos, livres da caridade alheia (oficial ou não). Destituídas de suas terras e de sua identidade, aos poucos vão desistindo de lutar, restando apenas os mais resistentes, para os quais a permanência no acampamento é pouco pior que as precárias condições de trabalho existentes em muitas propriedades rurais do Estado. Desde bóias-frias a trabalhadores escravos amontoados em alojamentos insalubres, o preço de um modelo de desenvolvimento agrário que visa apenas o lucro e a obtenção de divisas no mercado externo é pago com a perda da vida e da saúde de uma vasta e abandonada população rural, relegada a segundo plano nas políticas oficiais. Tal situação não é privilégio das famílias do PA Liberdade.
Última atualização em: 10 de outubro de 2009
Fontes
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO MATO GROSSO. Trabalhadores despejados em Porto Alegre do Norte. Disponível em: http://www.al.mt.gov.br/V2008/ViewConteudo.asp?no_codigo=4788 . Acesso em: 23 jun. 2009.
LEROY, Jean-Pierre e SILVESTRE, Daniel. Relatório da Missão ao Mato Grosso. Rio de Janeiro: Programa de Voluntários das Nações Unidas: Fundação Ford, 2005. 55 p. Disponível em: http://boell-latinoamerica.org/download_pt/relatoriodireitoaomeioambiente.pdf . Acesso em: 22 jun. 2009.
pura verdade fazenda itaquerer antiga piraguassu grupo brunette ta em posse de mais de 1 nil lote que seria pra reforma agraria o pior de tudo e que no sistema local do incra ta tudo ok belezinha porem as famílias foram impedidas e estão todas como assentada porem e só no sistema do Incra tudo camuflado se entra ta como ocupado por afamilias porem não e assim a realidade.por ultimo como já esta na justiça a tempo em 2002 saiu foi liberado 32 lotes nessa área para assentar 32 famílias mas não foi assentada uma só .e lamentável isso tem lote la que esta abandonado sem ninguém 14 lotes dos liberados fica na beira do rio mais três na vicinal que vai para nova floresta mas nunca foi reintegrado mesmo com a ordem judicial e com essa loberaçao.
att: observação numero de lotes referido acima mais de 1mil lote