MS – Cultivo de Cana-de-Açúcar ameaça o Pantanal

UF: MS

Município Atingido: Corumbá (MS)

Outros Municípios: Corumbá (MS)

População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas, Pescadores artesanais, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida

Síntese

A população ribeirinha do Pantanal, especialmente pescadores artesanais e agricultores familiares, será afetada pelos impactos da poluição gerada pela atividade das usinas de álcool e da monocultura da cana-de-açúcar, caso a atividade venha a ser liberada pelo Conama e pelo Governo do Estado. A atividade monocultora no Pantanal é, atualmente, interditada pela Resolução nº 01/85 do Conama e pela Lei Estadual nº 328, de 1982.

O risco de poluição está relacionado, principalmente, à contaminação das águas por agrotóxicos (1) e pelo vinhoto da atividade monocultora(2). Organizações não-governamentais criticam as iniciativas de liberação da cana-de-açúcar na região, uma vez que as plantações seriam instaladas nas partes mais altas do Pantanal, ou seja, nas regiões de planalto onde nascem os rios que formam a Bacia do Alto Rio Paraguai. A poluição causada pelo vinhoto, sub-produto do processo de obtenção do álcool a partir da cana, colocaria em risco os lençóis freáticos e favoreceria a proliferação de microorganismos que consomem oxigênio (3).

Em novembro de 2005, durante uma manifestação em Campo Grande, o ambientalista Francisco Anselmo (Francelmo) ateou fogo ao próprio corpo, buscando assim sensibilizar a sociedade civil e as autoridades quanto à questão. Sua morte mobilizou a opinião pública contra o projeto de lei 170/05, que alteraria a lei estadual para viabilizar a ampliação e a instalação de novas usinas de cana no Pantanal.

O Zoneamento Agro-Ecológico da Cana, inicialmente demandado pela sociedade civil preocupada com a preservação do Pantanal, vem sendo questionado pelo próprio movimento social, pela sua formulação não-participativa.

Contexto Ampliado

Na década de 1980, ambientalistas de Mato Grosso do Sul conseguiram mobilizar o país inteiro para impedir que fosse instalada uma usina de álcool no município de Miranda, na planície pantaneira. O resultado da manifestação foi a criação da Lei Estadual n° 328, de 1982, que proíbe a instalação de novas indústrias de álcool e açúcar na Bacia do Alto Rio Paraguai. Na época, as duas usinas já instaladas receberam permissão para continuar operando, mas ficaram impedidas de aumentar a produção.

Após a Lei Estadual, o Conama publicou a Resolução n° 01/85 que permite a instalação dos empreendimentos somente após estudo específico para garantir a conservação ambiental do Pantanal. Desde então, o governo do Estado vem trabalhando para mudar a legislação estadual e a federal. Em 2003, o governador do Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, publicou o Decreto nº 11.409, que permite a instalação de usinas e destilarias de álcool na região do Pantanal. Neste mesmo ano, para impedir que o decreto valesse, ativistas da mobilização dos anos 80 organizaram o Fórum de Defesa Permanente do Pantanal, com a participação de mais de 15 ONGs.

Uma nova tentativa para liberar as usinas aconteceu em 2005, desta vez com projeto do então deputado estadual, pelo PDT, Dagoberto Nogueira Filho (hoje deputado federal). O argumento foi o de que a tecnologia já seria menos poluente e que não haveria problemas se os empreendimentos se instalassem no planalto da bacia e não no Pantanal. Mais uma vez, o Fórum de Defesa se reuniu e desenvolveu a campanha Não às Usinas de álcool no Pantanal!. Foram realizadas diversas palestras e audiências públicas para explicar tecnicamente à população que, em uma bacia hidrográfica, o Planalto e a planície estão diretamente relacionados. Assim, tudo o que acontecer no planalto poderá afetar a planície onde o Pantanal se localiza, e vice-versa.

Com a imolação do Francelmo, as discussões se encerraram e o projeto apresentado pelo deputado Dagoberto foi arquivado.

Vale ressaltar que este é primeiramente um conflito da sociedade civil com os governantes dos estados do Mato Grosso do Sul e do Mato Grosso, e destacadamente pelo potencial representado para a população ribeirinha, pescadores e as populações urbanas dos municípios envolvidos, caso sejam permitidos e instalados tais empreendimentos.

A política de biocombustíveis estimula o aumento da produção sucroalcooleira. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cultura da cana-de-açúcar cresceu 7 %, em 2007, em relação ao ano anterior, como resultado do surgimento de novas áreas plantadas (3). A monocultura da cana-de-açúcar já ocupa 6 mil hectares no Mato Grosso do Sul (4).

Em 2008 e 2009, entretanto, surge novamente a polêmica das usinas de álcool no Pantanal, agora com o Zoneamento Agro-Ecológico da Cana, iniciado por demanda da sociedade civil, que vê hoje o projeto como um risco, que desconsidera as questões ambientais e sociais.

 

Em 2008, organizações da sociedade civil encaminharam carta ao Ministro do Meio Ambiente, solicitando informações e diálogo sobre o tema. As organizações pressionam pela elaboração participativa do Zoneamento Agro-Ecológico da Cana, como forma de disciplinar a localização adequada de empreendimentos sucro-alcooleiros.

O “zoneamento da cana-de-açúcar” foi realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com outras instituições, como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), secretarias estaduais de Agricultura e Meio Ambiente, dentre outras (5). Segundo o Ministério de Meio Ambiente, o Governo Federal não permitiria a instalação de novas usinas de processamento de cana na Amazônia ou no Pantanal.

As organizações não-governamentais pediram a imediata suspensão do “zoneamento da cana-de-açúcar” em curso, uma vez que “a elaboração do plano vem ocorrendo sem debate público e sem um processo estruturado de consultas” (6). Entre entidades que vêm defendendo a causa do Pantanal, citam-se a ECOA – Ecologia e Ação, o SOS Mata Atlântica, e as redes Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica.

Em 17 de setembro de 2009, o presidente Lula assinou o Decreto 6961, que “aprova o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e determina ao Conselho Monetário Nacional o estabelecimento de normas para as operações de financiamento ao setor sucroalcooleiro, nos termos do zoneamento”. O zoneamento excluiu a Amazônia, o Pantanal e a Bacia do Alto Paraguai das áreas passíveis de produção da cana-de-açúcar (7).

Última atualização em: 04 de outubro de 2009

Fontes

(1) Sobre agrotóxicos, há também um estudo sobre sua associação com os suicídios no Mato Grosso do Sul. Cf. Pires DX, Caldas ED e Recena, MCP. Uso de agrotóxicos e suicídios no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública 21(2):598-603, 2005.

(2) Carta das ONG´s ao Ministro Carlos Minc, 05/09/2008 (Rede Brasileira de Justiça Ambiental)

(3) André Gardini, Novas fronteiras agrícolas da cana. Com Ciência, 10/04/2004. Disponível em http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=23&id=253, último acesso em 24/10/2008

(4) Sarah Fernandes, Cana pressiona área de proteção no Cerrado. PNUD Brasil, 08/04/2008. Disponível em http://www.pnud.org.br/meio_ambiente/reportagens/index.php?id01=2902&lay=mam&date=12-2008 e http://www.ecodebate.com.br/2008/04/09/cana-pressiona-area-de-protecao-no-cerrado/ último acesso em 22/10/2008.

(5) Marco Antônio Soalheiro. Zoneamento agroecológico é aguardado para disciplinar expansão da fronteira agrícola. Agência Brasil, 24/12/2007. Disponível em http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/12/20/materia.2007-12-20.5320226745/view, último acesso em 24/10/2008.

(6) “ONGs pedem a suspensão imediata do plano de zoneamento da cana”. São Paulo: Amazonia.org.br, 19/11/2008. Disponível em http://www.amazonia.org.br/noticias/noticia.cfm?id=292329, último acesso em 19/11/2008.

(7) Decreto Federal 6961/2009: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6961.htm
Zoneamento (mapas) Agroecológico Nacional da Cana-de-Açúcar (ZAE Cana):
http://www.cnps.embrapa.br/zoneamento_cana_de_acucar/

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