MG – Desertos Verdes na região de Curvelo expõem trabalhadores rurais a condições de trabalho indignas

UF: MG

Município Atingido: Curvelo (MG)

Outros Municípios: Curvelo (MG)

População: Operários

Atividades Geradoras do Conflito: Carvoarias, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Acidentes, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física

Síntese

Os empregos gerados pelas monoculturas de árvores são, em grande parte, de baixa qualidade, com baixos salários, más condições de alojamento e alimentação. Há casos de trabalhadores mutilados e mortos em acidentes de trabalho na região de Curvelo, região Central de Minas Gerais. Em agosto de 2004, o presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Curvelo denunciou à Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente (Plataforma Dhesca Brasil), diversos casos de desrespeito à legislação trabalhista, especialmente pelo não fornecimento de equipamentos de proteção individual, ocultação de acidentes de trabalho e não comunicação de acidente de trabalho à Previdência Social. Segundo ele, ?os trabalhadores com doenças profissionais, que apresentam problemas neurológicos por causa da aplicação de agrotóxico, tiram licenças médicas, são demitidos ou ficam sob o risco de serem demitidos?.

A terceirização do trabalho é um dos maiores problemas identificados nas empresas, pois é ilegal quando ligados à sua atividade fim. Nesses casos, a terceirização pode ser caracterizada como um meio das empresas burlarem as obrigações trabalhistas.

As denúncias contra as empresas apontam também para a violação de direitos sindicais e ameaças. As violações são praticadas contra a liberdade do trabalhador se sindicalizar, contra o direito à estabilidade no emprego que os membros da direção sindical possuem, contra a liberdade de o sindicato não sofrer interferência na sua administração ou nos seus serviços, contra a prerrogativa maior do sindicato, que é a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria

Segundo o STR de Curvelo, as empresas fazem ?pressão em cima de funcionários para não se sindicalizarem, dizendo que o desemprego é pior?. A pressão sobre os trabalhadores, com a ameaça de demissão daqueles que se sindicalizarem, acaba gerando temor até mesmo sobre aqueles que, na qualidade de dirigentes sindicais, são protegidos pela estabilidade sindical. Os exemplos são percebidos no fato dos senhores Toninho e Ciro, respectivamente fundador e membro do STR de Curvelo, terem deixado o sindicato por causa da pressão da empresa. ?Como sindicato local, sofremos pressão constantemente, tanto de empresas quanto do poder público, de Vereadores que nos ligam porque estamos falando de uma determinada empresa?, denunciou Grace Borges dos Reis, diretora do STR de Curvelo, à Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente em agosto de 2004. Ela ainda relatou a pressão que o sindicato sofreu da empresa Plantar Reflorestamentos:

?O nosso sindicato sofre pressão de todos os lados. No ano passado, (…) funcionários dela [da Plantar] estiveram em nossa sala, ameaçando-nos e pressionando para que assinássemos um documento que seria enviado ao Banco Mundial para tentar reverter o processo. Ela queria reverter isso com a assinatura do sindicato. Ela nos pressionou e ameaçou. Fui ameaçada com um processo judicial, inclusive, porque não quis assinar a carta. Coloquei no canto ?assinada sob pressão?. Deram fim a essa carta. No dia seguinte, pegaram outra carta igual e a levaram à casa de alguns coordenadores do sindicato para que a assinassem. Esses coordenadores são da empresa.?

Três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) instauradas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, entre 1998 e 2005, para investigar questões trabalhistas identificaram o problema do trabalho escravo nas carvoarias do Estado. Das 50 empresas investigadas pelas CPIs, a Delegacia Regional do Trabalho encontrou irregularidades em 42 carvoarias mineiras, sobretudo a terceirização ilícita de mão-de-obra e a existência de condições desfavoráveis à saúde e à segurança dos trabalhadores. O Ministério Público do Trabalho (MPT) propôs ações civis públicas contra as empresas.

As seguintes empresas foram autuadas pela Delegacia Regional do Trabalho RT: V & M Florestal Ltda (grupo Valourec Mannesmann) + V & M TUBES, Siderpa Energética e Agropastoril Ltda + Siderpa ? Siderurgia Paulino S/A, CMM ? Companhia Mineira de Metais (Grupo Votorantim, Siderprata ? Cia. Siderúrgica de Lagoa da Prata + Usibrás ? Usina Siderúrgica Brasileira, Companhia Brasileira de Carbureto de Cálcio, Refloralge ? Reflorestamento e Agropecuária Ltda., Siderúrgica Alterosa Ltda. + Sociedade Reflorestadora Ltda (Sorel), White Martins Gases Industriais S/A, Plantar Reflorestamentos S/A + Plantar Empreendimentos e Produtos Florestais, Gerdau S/A, Sidersa ? Siderurgia Santo Antônio, 12) Insivi ? Indústria Siderúrgica Viana + Agro Energética Luvimar Ltda, Lucape Siderurgia Ltda, Interlagos Siderurgia Ltda, Ferroeste Industrial Ltda, Calsete Siderurgia Ltda, Cia Siderúrgica Belgo Mineira + CAF Santa Bárbara Ltda., Cossissa ? Cia Setelagoana de Siderurgia, A Rural Mineira S/A + Saint Gobain Cabalização S/A, Rotavi Componentes Automotivos Ltda, e Acesita Energética S/A + Aços Especiais Itabira S/A (Acesita).

Diversas empresas assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPT para evitarem as condenações judiciais. Comprometeram-se a corrigir práticas para a correta utilização de agrotóxicos conforme os dispositivos legais, fornecimento de equipamentos de proteção individual e treinamento adequado aos trabalhadores que lidam com agrotóxicos, garantia de condições higiênicas e seguras para as refeições, a fim de evitar a contaminação dos trabalhadores, garantia de pausas para descanso aos funcionários, observância de regras referentes ao controle e monitoramento da saúde dos trabalhadores, entre outras medidas.

Contexto Ampliado

Trabalhadores das empresas que praticam a monocultura de árvores sofrem com as precárias condições de trabalho. Os problemas mais graves envolvem: insalubridade no trabalho, com ocorrência de grande número de doenças profissionais, péssimas condições de segurança no trabalho nas plantações e nos fornos de carvão, com acidentes de trabalho que não são notificados, carga excessiva de trabalho, ilegalidade nas formas de contratação (terceirizações fraudulentas), perseguição de lideranças sindicais, uso de agrotóxicos nocivos à saúde humana e ambiental, trabalho infantil e trabalho escravo nas carvoarias do Estado.

As atividades desenvolvidas pelos trabalhadores e trabalhadoras envolvidos na produção da madeira são, por exemplo, limpeza e preparo do terreno para o plantio, preparo das mudas nos viveiros, plantio, combate a formigas, capina braçal, corte com motosserra, arrasto, empilhamento e transporte de madeira, carregamento de caminhões, replantio, manutenção das áreas de plantio.

A situação de trabalho das mulheres merece atenção especial. Em sua rotina, enfrentam uma jornada tripla de trabalho: nos serviços domésticos, no cuidado com os filhos e no emprego. São elas que enfrentam as maiores dificuldades e são as mais prejudicadas com a degradação ambiental. Em casa, lidam com a situação da falta de água. Nas empresas de eucalipto, são maioria nas atividades desenvolvidas nos viveiros de mudas, onde o uso de agrotóxicos é grande e o risco de intoxicação mais alto. Para as mulheres, a conquista de uma vaga de trabalho nas empresas de eucalipto é mais difícil, em razão de discriminações de gênero e idade.

Nas carvoarias existentes, entre as plantações de eucalipto e onde o ambiente é mais insalubre, verifica-se o trabalho geralmente realizado em regime de empreitada. A fiscalização é mais difícil por serem atividades contratadas em regime temporário. Entre os prejuízos à saúde dos trabalhadores, estão danos ao aparelho respiratório, pela atividade de empacotamento do carvão, e danos à audição ao entrarem e saírem dos fornos quentes. As carvoarias enfrentam, além de denúncias sobre a ausência de equipamentos de proteção individual, aquelas relacionadas à exploração de trabalho infantil e outras de natureza ambiental, particularmente sobre o processamento ilegal de madeira proveniente de desmatamentos e uso ilegal de água (sem outorga para captação de córregos, lagoas e veredas) para resfriamento dos fornos de carvão.

Muitas pessoas que hoje são funcionárias das empresas de eucalipto eram pequenas produtoras rurais nas áreas hoje ocupadas pela monocultura. Hoje essas famílias, em geral, moram na periferia de cidades, como Curvelo.

Diversas comunidades rurais, como, por exemplo, as da região do município de Rio Pardo de Minas, norte de Minas, sofrem com a violência, a desestruturação dos sistemas produtivos e a desagregação social e cultural causadas por empresas que praticam a monocultura do eucalipto. A piora na qualidade de vida dessas famílias se dá em diversos aspectos: expulsão de suas terras e perda de posses rurais, de bens e das condições para e produção agrícola, perda de acesso à água e a áreas comuns de extrativismo, deslocamento para áreas menos férteis e inviáveis à produção da agricultura familiar, desemprego, rompimento dos laços comunitários e de vizinhança.

A vegetação nativa do Cerrado é substituída por extensas áreas de monocultura. Várias espécimens animais são exterminados com a destruição de seu habitat natural. Fontes tradicionais de trabalho e renda, de alimentação e abastecimento de água, bem como de fornecimento de plantas usadas para fins medicinais dão lugar aos chamados desertos verdes. As comunidades locais tornam-se reféns e dependentes das grandes empresas produtoras de eucalipto. Baixadas são ressecadas após o plantio intensivo da monocultura florestal. A agricultura de subsistência é seriamente prejudicada. Famílias que resistem à expulsão acabam relegadas à habitação em faixas estreitas de terras e em terrenos de preservação permanente, por seu nível de inclinação e proximidade de cursos d’água (grotas e boqueirões), onde a monocultura não é implantada devido à declividade acentuada dos terrenos ou a restrições legais de ordem ambiental.

Na região dos municípios de Curvelo e Felixlândia, diversas comunidades denunciam o desaparecimento de nascentes e desmatamento de áreas de proteção permanente, bem como falta de água, enfrentada após a chegada das plantações de eucalipto, além da poluição por agrotóxicos.

Os conflitos fundiários também são marcados pela violência, ameaças e homicídios. As agressões envolvem seguranças contratados pelas empresas e também policiais militares. Não é raro as comunidades enfrentarem despejos ordenados pelo poder judiciário e realizados ilegal e violentamente. As populações tradicionais convivem com manifestações discriminatórias de vários tipos, especialmente racistas, sociais e de gênero. Além disso, são grupos que enfrentam obstáculos à participação política democrática e dificuldades de acesso às instâncias judiciais e da administração pública.

O monocultivo de árvores, no Brasil, cobria 5,6 milhões de hectares em 2007. É a quarta monocultura em extensão da área cultivada no país, ficando apenas atrás da soja, do milho e da cana-de-açúcar. O eucalipto ocupa posição de destaque na categoria florestas artificiais: 64% do total, o que faz do Brasil o país com a maior superfície de área plantada com eucalipto. Cerca de 30% do total das florestas artificiais são destinadas à produção de papel e celulose, seguidos pela produção de carvão (22%) e serrados (19%). Minas Gerais é o Estado com a maior superfície de plantios de eucalipto e também do total de florestas artificiais (1,25 milhões de hectares em 2007). Entre 2000 e 2007, a expansão do monocultivos de florestastem teve aumento de 183%. Em 2020, o Brasil deverá ultrapassar 7 milhões de hectares. O governo federal apoia a expansão dessas monoculturas por meio de financiamentos do BNDES e, desde 2000, pela política do Plano Nacional de Florestas, coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente.

Como forma de resistir ao processo de crescimento e apoio governamental à atividade de ocupação de territórios pela plantação em massa de eucalipto, os trabalhadores rurais vêm se organizando, associando-se a sindicatos e promovendo mobilizações para tornar de conhecimento público as péssimas condições de trabalho e de ambiência a que estão submetidos. Comissões Parlamentares de Inquérito foram instaladas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para investigar as condições de trabalho da indústria extrativa do Estado. O fato de sucessivos governos estaduais serem coniventes com a atuação de muitas destas empresas e terem maioria no legislativo estadual, torna os relatórios das CPIs praticamente inoperantes na alteração deste quadro.

A atuação de operações fiscalizadoras das condições de trabalho alcançam maior projeção e reconhecimento público, e conseguem embargar algumas atividades. O Ministério Público do Trabalho tem tido uma atuação significativa para fazer justiça, e obter judicialmente ou extra-judicialmente indenizações devidas a trabalhadores, ajustar práticas empresariais e prevenir a ocorrência de novas infrações. A cultura disseminada da impunidade, a corrupção de vários segmentos políticos e governamentais mantém ainda vantagem para a prática de crimes ambientais, o desrespeito a trabalhadores e a uma ditadura territorial que vem inviabilizando crescentemente a vida de comunidades tradicionais em várias regiões do Estado.

Última atualização em: 21 de dezembro de 2009

Fontes

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