DF – Catadores de material reciclável lutam contra contaminação e por políticas públicas

UF: DF

Município Atingido: Brasília (DF)

Outros Municípios: Brasília (DF)

População: Catadores de materiais recicláveis, Moradores de aterros e/ou terrenos contaminados, Moradores do entorno de lixões

Atividades Geradoras do Conflito: Aterros sanitários, incineradores, lixões e usinas de reciclagem

Impactos Socioambientais: Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis

Síntese

A Cidade Estrutural, onde se situa o “Lixão” de Brasília, possui 45.000 moradores e tem como fonte da economia diversas atividades ligadas ao trabalho no Lixão. Essa cidade também possui uma precária presença do Estado em termos dos serviços públicos básicos. A Estrutural é a segunda maior favela do Distrito Federal. Além de um problema socioambiental, a cidade tornou-se um problema de saúde pública. Mais de 15% dos moradores sobrevivem da coleta de resíduos sólidos no local (Vidal, 2009). O saneamento precário, associado à proximidade do Lixão, revela-se uma ameaça à comunidade, pois impõe aos moradores o mau cheiro, em função do chorume; o risco de doenças infecto-contagiosas, pela presença de ratos, moscas, urubus e outros vetores de doenças; além do risco de explosões por gás metano (Souza e Mendes, 2006).

Contexto Ampliado

A Cidade Estrutural situa-se no Distrito Federal, no entorno do Parque Nacional de Brasília (PNB), a cerca de 20 quilômetros do centro do Plano Piloto. Ocupação iniciada por um acampamento de catadores em volta do Lixão do Jóquei Clube, recebeu este nome por causa da proximidade com a DF-095, conhecida como Estrutural, estrada de ligação entre o Plano Piloto e as regiões administrativas de Taguatinga e Ceilândia, ao lado do recém-implantado Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA)

Até o início da década de 1990, havia cerca de 100 barracos no local. Foram cadastradas 393 famílias, em 1993, e, em 1994, este número chegou a cerca de 700 famílias (VIDAL, 2009). Neste período, pessoas sem-teto, incentivadas por políticos locais de oposição ao governo distrital, receberam “kits invasão”, contribuindo para a construção de barracos de madeirite e provocando uma ocupação desordenada no local. A partir daí, a quantidade de barracos só aumentou, tomando proporções quase que em escala exponencial.

A Cidade Estrutural, até pouco tempo atrás, era chamada de Cidade Vermelha: a terra seca que tomava conta das ruas sem asfalto tingia pessoas, objetos e casas com a inconfundível cor da carência de infraestrutura. Mas, ainda nos dias atuais, em parte da cidade, os moradores convivem com a poeira na porta de casa e esgoto a céu aberto na rua. Nessas áreas de saneamento precário, os moradores cavam fossas próximas aos muros de suas casas; porém, quando chove forte, essas fossas transbordam e os dejetos são levados pela água para a rua. Há coleta de lixo em apenas 20% das residências, enquanto que no restante da área o lixo é queimado, enterrado ou acumulado na porta de casa (Distrito Federal, 2011)

As famílias da cidade Estrutural convivem permanentemente com poeira quando o tempo está seco, ocasionando agravos respiratórios. A poeira, entre tantos outros diferentes agentes externos, provoca reações alérgicas, comumente apresentadas como rinite, asma brônquica e dermatites.

Em relação ao chorume – líquido resultante do acúmulo de resíduos orgânicos em decomposição, existente nos aterros sanitários -, é uma ameaça constante aos habitantes e trabalhadores locais. Na Estrutural, o mesmo é drenado para uma vala, parecida com uma piscina a céu aberto, em alguns locais do lixão. Essa piscina de chorume se localiza bem próxima às casas, e ao lado de plantações de hortaliças que são vendidas para os restaurantes de Brasília. Esse líquido percola (infiltra na terra), principalmente, na época da chuva, permeando até o lençol freático. Além do mau cheiro, há proliferação de moscas e vetores, e a possibilidade de transbordamento, sendo um risco de doenças e um incômodo à população

Dados geofísicos de sondagem produzidos por Araújo (1996), já evidenciam uma pluma de contaminação do lixão em direção ao Parque Nacional de Brasília, no sentido do córrego Acampamento. E segundo estudos de Carneiro (2002) verificou-se o significativo aporte de contaminantes que o lençol freático sofre em porções imediatamente subjacentes às camadas de lixo aterrado. O estudo revela cenários ainda mais preocupantes: a contaminação propaga-se para as duas bacias hidrográficas contíguas e suas consequências seriam deletérias para uma grande parcela do lençol freático da região

Os impactos físicos: gases poluentes e odores; poluição dos recursos hídricos subterrâneos e superficiais; assoreamento dos cursos d’água; deposição inadequada de resíduos perigosos e nocivos a saúde; deslizamentos e instabilidades do solo com relevância para os aspectos geotécnicos. Impactos bióticos: remoção da cobertura vegetal, disposição inadequada dos resíduos de saúde e desenvolvimento de vetores

No período das chuvas, a situação piora, pois a água se mistura ao líquido poluente, alastrando-o. Os analistas ambientais alertam que o Lixão pode contaminar os mananciais que abastecem 500 mil pessoas no Distrito Federal (TERRACAP, 2004). Há chorume por todos os lados. Estudos mostram que a contaminação está infiltrando até 18 metros abaixo do solo (BERNARDES,1999). É um problema ambiental e social. Há cerca de dois mil catadores expostos a problemas de saúde. Além de haver grande quantidade de gases (metano) no local, resultantes da decomposição do material orgânico, que podem causar até explosão (ARAUJO,1996)

Na Estrutural, encontra-se um dos maiores focos de trabalho infantil do Distrito Federal. Muitas pessoas não têm outras fontes de sustento e trabalhar no lixão acaba sendo a única alternativa. Dentro desse contexto, muitas crianças acabam também trabalhando ali, por uma série de fatores; dentre eles, para suprir a necessidade econômica da família

A Cidade Estrutural sofre uma série de injustiças e disparidades sociais em relações a outras cidades do Distrito Federal, o que acaba gerando nessas crianças um sentimento de exclusão, que, por sua vez, acarreta sérios problemas de auto-estima e pode provocar sua entrada na marginalidade. Há, na cidade, uma necessidade de criação de creches e mais escolas para atender à demanda das crianças; como isso não acontece, muitas delas acabam tendo sérias dificuldades para estudar, ocorrendo, em muitos casos, a evasão escolar, para trabalhar no lixão

Ultimamente, a questão do trabalho infantil na Cidade Estrutural tem ganhado espaço na mídia e em outras fontes de informação, sendo divulgados de forma mais sistemática os fatores que o geram e que precisam ser mudados. É necessário abordar que essas crianças estão sendo privadas de ir à escola e acabam se submetendo a altos riscos de contaminação e exposição, efeitos que podem ser devastadores na saúde dessa população

Com a intenção de preservação ambiental, o governo do Distrito Federal elaborou um plano de ação para urbanizar a área e organizar outras formas de coleta de lixo. Para tanto, foi realizado um estudo com a empresa contratada para levantamento das áreas de risco, deslocando seus residentes para áreas rurais, como o Monjolo. A frente desse trabalho, foi contratada uma empresa chamada COBRAPE, para coordenar o projeto financiado pelo Banco Mundial, intitulado Brasília Sustentável, um conjunto de ações que prevê o fim do lixão, por conta da política nacional de resíduos sólidos. Nesse contexto, muitas mudanças já ocorreram e estão acontecendo, como o mapeamento das áreas de risco ambiental, asfaltamento e regularização dos lotes, o que implica na coleta de impostos como IPTU.

Como prevê todo grande projeto, quando da constatação de áreas de risco, os moradores precisam ser deslocados para outros locais, com garantia de moradia decente. Constatou-se, por meio de visita de campo de estudantes de graduação em Gestão em Saúde Coletiva da UnB, que os moradores estão inseguros em suas novas casas, devido a fatores como infraestrutura precária, como iluminação pública, grande distância para os pontos de ônibus, dificuldade de acesso às escolas, bem como falta de segurança. Parte dessas residências situa-se próximo ao Lixão, há poucos metros da contaminação do chorume (visita de campo)

Historicamente, os moradores da Cidade Estrutural foram submetidos a uma situação de exclusão socioambiental e condições precárias de moradia. Quando interveio, o poder público agiu de forma violenta, por exemplo, com a operação Tornado, realizada em 1997, onde moradores foram expulsos de suas residências e presenciaram a derrubada das mesmas

Até o presente momento, os moradores ainda sofrem com ruas estreitas e sem asfalto, carência de escolas e unidades de saúde. Existe apenas um posto da Polícia Militar e um posto da Polícia Civil para atender toda a população da cidade.

O movimento social tem se organizado por meio de entidades como a Associação Viver, Casa dos Movimentos Sociais, Ponto de Cultura e Memória, Associações e Prefeituras Comunitárias e outras entidades que participam do Fórum de Monitoramento da Estrutural. 

Cronologia

Início da década de 1990 – Cerca de 100 barracos representam ocupação iniciada por um acampamento de catadores em volta do Lixão do Jóquei Clube , no entorno do Parque Nacional de Brasília (PNB), a cerca de 20 quilômetros do centro do Plano Piloto. É a Cidade Estrutural, chamada assim por causa da proximidade com a DF-095, conhecida como Estrutural, estrada de ligação entre o Plano Piloto e as regiões administrativas de Taguatinga e Ceilândia, ao lado do recém-implantado Setor Complementar de Indústria e Abastecimento (SCIA).

1993 – Cadastradas, na Cidade Estrutural, 393 famílias.

1994 – O número de famílias cadastradas chega a cerca de 700 famílias (VIDAL, 2009). Neste período, pessoas sem-teto, incentivadas por políticos locais de oposição ao governo distrital, recebem “kits invasão”, contribuindo para a construção de barracos de madeirite, provocando uma ocupação desordenada no local. A partir daí, a quantidade de barracos só aumentou, tomando proporções quase que em escala exponencial.

1996 – Dados geofísicos de sondagem produzidos por Araújo evidenciam uma pluma de contaminação do lixão em direção ao Parque Nacional de Brasília, no sentido do córrego Acampamento.

Cerca de dois mil catadores expostos a problemas de saúde pela grande quantidade de gases (metano) no local, resultantes da decomposição do material orgânico, que podem causar até explosão (ARAUJO).

1997 – O Governo realiza a Operação Tornado na Cidade Estrutural, ação violenta na qual moradores são expulsos de suas residências e presenciam a derrubada das mesmas.

1999 – Com chorume por todos os lados, estudos mostram que a contaminação de Cidade Estrutural está infiltrando até 18 metros abaixo do solo (BERNARDES).

2002 – Segundo estudos de Carneiro, verificou-se o significativo aporte de contaminantes que o lençol freático sofre em porções imediatamente subjacentes às camadas de lixo aterrado. O estudo revela cenários ainda mais preocupantes: a contaminação propaga-se para as duas bacias hidrográficas contíguas e suas consequências seriam deletérias para uma grande parcela do lençol freático da região.

2004 – Analistas ambientais alertam que o Lixão pode contaminar os mananciais que abastecem 500 mil pessoas no Distrito Federal (TERRACAP).

Setembro de 2011 – Governo do Distrito Federal manifesta ao Banco Mundial (BIRD) a intenção de implementar o Programa Brasília Sustentável II, tendo como obras a construção de novo aterro sanitário em Samambaia e a recuperação ambiental do lixão de Brasília. Nada foi feito até então. O lixão da Estrutural foi criado há mais de 50 anos, junto com a construção de Brasília. Há décadas existe a promessa de sua desativação.

Fontes

ARAÚJO, R.N.G, et al. Estudos geoquímicos da contaminação dos recursos hídricos e sua propagação nas adjacências do aterro de resíduos sólidos Jockey Club – DF. Dissertação de mestrado nº 107. Brasília 1996.

BERNARDES, R.S. Pastore, E. L. Pereira, J. H. F.(1999). Caracterização geofísica e geoquímica da área de disposição de resíduos urbanos “Aterro do Jóquei Clube” em Brasília – DF. Disponível em http://www.bvsde.paho.org/bvsaidis/brasil20/iii-070.pdf, data de acesso 21 de jan de 2011.

CARNEIRO, A. G. Estudo de contaminação do lençol freático sob a área do aterro de lixo do Jockey Club – DF e suas adjacências. Dissertação de mestrado/UNB. Defesa em setembro de 2002.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Plano de Encerramento, Aterro Controlado do Jóquei. Volume I- Texto. Junho 2005.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL. Administração Regional do Setor Complementar de Indústria e Abastecimento. História da Vila e Lixão da Estrutural. Acesso no site em 30/03/2011.

PAIVA, Juliana Medeiros. Direito à cidade no Distrito Federal: inclusão e exclusão de famílias de baixa renda: o caso da Vila Estrutural. 2007. 95 f. Monografia (Bacharelado em Serviço Social)-Universidade de Brasília, Brasília, 2007.

SOUSA, Cleide Maria de; MENDES, Ana Magnólia. Viver do lixo ou no lixo? A relação entre saúde e trabalho na ocupação de catadores de material reciclável cooperativos no Distrito Federal: estudo exploratório. Revista psicologia: organizações e trabalho, Florianópolis: UFSC, v. 6, n. 2, p. 13-41, jul./dez. 2006.

TERRACAP, Companhia Imobiliária de Brasília. Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Parcelamento Urbano Intitulado Zona Habitacional de Interesse Social-ZHISP VILA ESTRUTURAL. PROGEA Engenharia e estudos Ambientais. Janeiro de 2004.

VIDAL, João. POLÍTICAS PÚBLICAS E (IN)JUSTIÇA AMBIENTAL: O CASO DA VILA ESTRUTURAL publicado 6/11/2009 em: http://www.webartigos.com/articles/27707/1/POLITICAS-PUBLICAS-E-INJUSTICA-AMBIENTAL-O-CASO-DA-VILA-ESTRUTURAL/pagina1.html#ixzz1I7CuoQR0

 

 

3 comentários

  1. Olá Pessoal do Mapa de Conflitos,

    Parabéns por esse excelente trabalho!

    O texto do conflito do link abaixo está com os caracteres de acentuação, cedilha, til desconfigurando o texto e dificultando a leitura.

    Exemplo: Como prevê todo grande projeto, quando da constatação de áreas de risco, os moradores precisam ser deslocados para outros locais, com garantia de moradia decente. Constatou-se, por meio de visita de campo de estudantes de graduação em Gestão em Saúde Coletiva da UnB, que os moradores estão inseguros em suas novas casas, devido a fatores como infra-estrutura precária, como iluminação pública, grande distância para os pontos de ônibus, dificuldade de acesso às escolas, bem como falta de segurança.

    http://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/?conflito=df-catadores-de-material-reciclavel-lutam-contra-contaminacao-e-por-politicas-publicas

    Atenciosamente.

    Lilian Ferreira de Sousa

  2. Também achei o texto bem completo. Mas um pouco repetitivo.
    Necessário sublinhar que a existência de invasões e estímulo por políticos irresponsáveis deve ser coibida, pois prejudica a todos, inclusivo os que invadem a area. No Jardim Botânico, uma invasão de luxo, o Solar de Brasilia, hoje é uma área de impermeabilização do solo importante, com consequências deletérias para o meio ambiente e os próprios moradores. No local há uma ilha de calor significativa, de forma que a maior parte dos moradores é obrigada a utilizar ar condicionado, o que agrava o problema (ar condicionado cria mais calor em torno do domicílio que está sendo ventilado). Além disso a quantidade de água perdida para reposição dos aquíferos é também um problema e os rios estão secando. Isso numa área de luxo, por ter sido alvo de grileiros e sem o estudos do impacto ambiental adequados. Precisamos deixar de achar que o problema é só na estrutural ou a forma como a população faz a ocupação. O problema é a morosidade do poder público. Exemplo: Comprei recentemente uma chácara em uma região de crescimento rapido (Tororó). A empresa, extremamente séria, faz todos os estudos de impacto ambiental exigidos, formou condomínio para uso racional de água (cisternas e sistema de tratamento e distribuição e controle com hidrômetros apesar de não haver cobrança fora da taxa de condomínio, e estipula parâmetros para evitar erosão do solo (formação de valas) ou contaminação (disposição do lixo, reaproveitamento, etc), sendo autorizada somente agricultura orgânica com reconhecimento do GDF. O empreendimento tem mais de 20 anos, cumpre todas as regulamentações ambientais, é rural, mas não está regularizado até hoje. Os demais empreendimentos da região, não rurais, com alta impermeabilização do solo, exploração de recursos hídricos e problemas diversos, são paulatinamente “regularizados”, deixando-se para depois a solução dos problemas criados. É a constatação de que onde o poder publico não funciona, o caminho mais fácil é o ilegal. Assim foi na Estrutural, em Vicente Pires, em vários outros locais do DF. Continuará a ser assim, enquanto não houver pressão para que os órgãos públicos também cumpram prazos e os responsáveis sejam punidos por ineficiência.

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