MG – Região entre Curvelo e Três Marias sofre com a atividade de reflorestamento, com a pulverização de agrotóxicos e perdas substantivas de nascentes.

UF: MG

Município Atingido: Felixlândia (MG)

Outros Municípios: Curvelo (MG), Felixlândia (MG)

População: Agricultores familiares, Extrativistas, Geraizeiros

Atividades Geradoras do Conflito: Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição de recurso hídrico

Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

Diversas comunidades rurais do Estado de Minas Gerais vêm sofrendo com a violência, a desestruturação dos sistemas produtivos e a desagregação social e cultural causadas por empresas que praticam a monocultura do eucalipto. A piora na qualidade de vida dessas famílias se dá em diversos aspectos: expulsão de suas terras e perda de bens, posses rurais, e de condições propícias à produção agrícola, deslocamento para áreas menos férteis e inviáveis à produção agrícola familiar, perda e diminuição de fontes de água e das áreas comuns de extrativismo, desemprego, migração para áreas urbanas, rompimento dos laços comunitários, de vizinhança e com os grupos voltados à celebração de momentos importantes do calendário religioso e festivo nas respectivas regiões.

A contaminação por agrotóxicos também é um problema enfrentado pelas comunidades do entorno das plantações de eucalipto. Além da perda da biodiversidade, com o desaparecimento de diversas espécies da fauna nativa, há o temor de contaminação das águas. Em 26 de maio de 2004, foi encaminhada ao Ministério Público da Comarca de Curvelo uma representação assinada por 210 pessoas, denunciando o prejuízo causado pelas empresas Plantar S/A e Vallourec & Mannesmann à comunidade de pescadores e pequenos sitiantes do distrito de São José do Buriti, no município de Felixlândia, vizinho de Curvelo:

?… a Valourec-Mannesmann, recentemente pulverizou sua plantação com agrotóxico por meio de um avião, causando a morte de inúmeros gaviões, que foram encontrados agonizantes em diversos locais. Outras espécies animais têm simplesmente desaparecido de São José do Buriti: os sapos, as emas, os tatus ou mesmo os micos já não são mais vistos?. (…) aumenta muito a preocupação da população, receosa da contaminação das águas que ainda restam ou mesmo da margem da represa de Três Marias, de onde retira seus pescados?.

Contexto Ampliado

A situação atual desses conflitos pode ser observada na comunidade de Cana Brava, no município de Curvelo, região Central do Estado. O terreno da família da agricultora Deuscleide da Cruz Rocha, vizinho a uma grande plantação de eucalipto, era alagadiço e servia à plantação de arroz. Nos arredores da casa, cultivava uma horta para subsistência. Ainda durante o primeiro ciclo da monocultura, em 2004, viu sua área ficar seca:

?Desde que meu pai comprou este terreno aqui, água era uma facilidade imensa, tinha com fartura. Tinha uma cacimba com dois metros de fundura e tinha água à vontade. Hoje a nossa água está completamente regrada. A várzea secou, as cisternas secaram. Acabou nossa água. Tem a minha horta ali, olha… que não pude plantar um canteiro, porque se eu pegar da água que deu só no fundo da cisterna, se eu pegar dela eu fico sem água pra fazer comida, pra dar banho nos meninos, lavar roupa. A cisterna deve ter uns quinze metros. (…) Nós vivemos com esse pouquinho da cisterna, que é um pouquinho só, e um pouquinho da água que vem do poço lá em baixo. Essa água nós estamos comprando. Pagamos dez reais de água, agora, todo mês. Mas nem essa água ta vindo direito.? (denúncia feita à Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente)

Também morador da comunidade Cana Brava, o Sr. Otávio Honório de Oliveira possui uma área de 49 hectares (Fazenda Brejinho). Ele denunciou que a empresa de eucalipto, na área vizinha, havia desmatado e plantado as árvores na área de preservação permanente da nascente do rio que passa por sua propriedade. O volume de água do rio teria diminuído. Segundo seu relato, em agosto de 2004, o desmatamento de nascentes para plantio do eucalipto foi reduzido, em vista de denúncias feitas ao Sindicato de Trabalhadores Rurais de Curvelo e ao Instituto Estadual de Florestas, mas o desmatamento ilegal das cabeceiras dos afluentes permanece.

O prejuízo da degradação ambiental para a qualidade de vida, a alimentação adequada das comunidades locais é evidente, conforme o relato da Sra. Deuscleide da Cruz Rocha:

?(…) Tinha pequi, sabe? Isso aqui era uma grande fartura para nós. A gente fazia o sabão, ninguém nunca comprava sabão, que fazia do pequi. Mas depois que acabou o pequizeiro e minguou a água… Até esse pé de pequi de meu pai ficou pior de dar pequi. Dá bem menos, porque diminuiu a água (…) Antes do eucalipto, eu plantava horta, plantava milho verde, porque a gente podia molhar. Tinha canavial. Agora, hoje em dia, até meus meninos foram buscar cana pra tratar das vaquinhas aqui, porque nem a cana aqui quer dar mais, por causa da água. Foram buscar cana lá na beira do meleiro, lá no terreno do papai, lá em baixo. Este ano, que deu muita chuva, também o milho não deu. Esse mês mesmo nós tivermos que comprar: trezentos e vinte reais o carro de milho. A vizinha daqui, que também é nascida e criada aqui, também plantou mas não colheu nada. Ela plantou arroz. Nós colhia para a despesa, agora tem que comprar. A gente tem muito mais despesas. Antes do eucalipto chegar, nós vendia milho verde, tapera, tinha cana pra moer, fazer rapadura, tratar das vacas. Hoje não tem mais, a gente tem que ir buscar lá fora mesmo, comprar o milho, comprar a cana, porque o que meu pai planta lá não vai dar pra nosso gasto.?

A representante do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Curvelo, Grace Borges dos Reis, descreveu como a degradação ambiental provoca perdas às famílias de pequenos produtores rurais, fazendo-as se deslocar ou aceitar condições impostas pela empresa. Sua denúncia foi feita em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em agosto de 2004:

?Temos muitos problemas com relação a plantios irregulares quase dentro dos córregos, quase dentro das nascentes. Não estamos tendo água para nada mais. (…) Uma região que, antes, era lotada de águas, lotada de nascentes, lotada de córregos, hoje tem água apenas durante um período e, para ter água durante o resto do ano, tem de pagar. A nossa comunidade não tem como sobreviver, não tem como plantar, não tem como fazer nada e ainda tem de pagar para ter água. (…) Como viver na zona rural sem água? Ninguém está tendo como sobreviver. As pessoas estão vendendo suas terras para as empresas e indo para as cidades. Depois, voltam para trabalhar para as mesmas empresas por um salário mínimo e uma cesta básica. Não dá para sobreviver com um salário mínimo em Curvelo. Estamos vivendo uma situação crítica. Não temos apoio de ninguém.?

Última atualização em: 21 de dezembro de 2009

Fontes

?Carta Aberta ao Departamento de Engenharia Florestal-UFV?. Assinada por: União Nacional dos Estudantes, União Estadual dos Estudantes – Minas Gerais, Diretório Central dos Estudantes ? UFV, Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil ? FEAB, Centro Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo ? UFV, Diretoria Executiva Nacional de Estudantes de Fonoaudiologia ? DENEFONO, Centro Acadêmico de Agronomia ? UFV, Centro Acadêmico de Comunicação ? UFV, Centro Acadêmico de Economia ? UFV. 2007. Disponível em http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/acervo.php?id=5789, último acesso em 03/03/2009.

?Comissão vai buscar soluções para comunidade extrativista?. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais / Assessoria de Comunicação. 21/08/2006. Disponível em http://www.cedefes.org.br/new/index.php?conteudo=materias/index&secao=2&tema=1&materia=3004, último acesso em 09/03/2009.

?Deputados buscam solução para conflito em Rio Pardo de Minas?. Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais / Assessoria de Comunicação. 25/08/2006. Disponível em http://www.almg.gov.br/not/bancodenoticias/Not_600565.asp, último acesso em 09/03/2009.

?Geraiseiros ocupam terras da Florestaminas em Rio Pardo de Minas (MG)?. Rede Alerta Contra o Deserto Verde. Disponível em http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/acervo.php?id=5371, último acesso em 02/03/2009.

?Violência e morte no Norte de Minas Gerais?. 28/02/207. Rede Alerta Contra o Deserto Verde, Caa Nm, CPT, Fórum Regional De Desenvolvimento Sustentável Do Norte De Minas, MST, ASA Minas Gerais. Disponível em http://www.cedefes.org.br/new/index.php?conteudo=materias/index&secao=2&tema=30&materia=3414, último acesso em 02/03/2009.

Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal. ?Dossiê?. Disponível em http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/acervo.php?id=5998, último acesso em 12/03/2009.

Fanzeres, Anna (coord.). ?Temas Conflituosos Relacionados à Expansão da Base Florestal Plantada e Definição de Estratégias para Minimização dos Conflitos Identificados?. Relatório Final de Consultoria.. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005. Disponível em http://www.ufrrj.br/institutos/if/lmbh/pdf/outraspublicacoes01.pdf, último acesso em 11/03/2009.

Pacheco, Tânia (coord.) ?Mapa de conflitos causados por racismo ambiental no Brasil: levantamento inicial?. Julho de 2007.

Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, ?Relatório da Missão ao Estado de Minas Gerais: realizada entre 01 e 06 de agosto de 2004?. Rio de Janeiro: Plataforma DhESCA Brasil. Março de 2006.

Schlesinger, Sérgio. Lenha Nova Para A Velha Fornalha: A Febre dos Agrocombustíveis. Rio de Janeiro: FASE, 2008.

Um comentário

  1. Olá! gostei muuuito desse trabalho. Também sou da Zona Rural de Paiol de Baixo, conheço muitas pessoas que estão sendo entrevistadas nesse trabalho.
    Hoje residem poucos pessoas na região, encurralados no meio da violência silenciosa dos eucaliptos. Conheço bem de perto as estratégias dessa empresa, que ia na minha escola ensinar pra gente lições bonitas de preservação do meio ambiente, que nunca era o cerrado que eles destroem.
    Cresci vendo o corguinho do Paiol secando e morrendo. Vi muitas vezes os aviões de pulverização deles e as aflições nossa.
    Atualmente fica cada vez mais difícil de viver aqui, no contexto de pandemia os estudantes sem internet ainda sofrem devido ao empecilho do eucalipto em chegar sinal, não há possibilidades de levar wifi para a região e não há nenhuma autoridade política que reivindique deles de alguma forma fornecimento de internet para nós, nem de ressarcimento em valor dos rios e nascentes secas nos terrenos que são nossos. Isso para mim é roubo.
    Eles vem mudando com o tempo suas políticas, primeiro empregavam muitos moradores da roça, depois começaram a contratar funcionários somente residentes de Curvelo. Ainda ficaram funcionários trabalhando nas torres de vigilância de incêndios florestais, atualmente eles usam um sistema eletrônico com câmera.
    Eles deixavam suas estradas abertas, o que facilitava a circulação para visitar outras pessoas, passando no terreno deles como atalho, atualmente todos os caminhos estão fechados com entrada proibida. Acho que agiam assim para desarticular qualquer articulação e agir manipulando a crítica das comunidades. Eles mantêm sempre uma pessoa da comunidade mais próxima, que usam como olheiro. Ainda adoram levar oficinas na escola.
    Muitas pessoas atualmente possuem nódulos, ou faleceram de câncer, ninguém se sabe se tem relação com a pulverização ou não.
    Assim as pessoas vão morrendo ou indo embora, e as comunidades rurais vão morrendo silenciosamente. Maioria das pessoas que conheço sofreram assaltos e foram embora daqui, e está cada vez mais perigoso viver na região, que cada vez mais está empobrecida. O lucro é deles e o veneno, e pobreza, e todos os ônus da monocultura é nosso.
    Abraços

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